Menos é mais: a publicidade que dispensa logótipos e explicações
Com a atenção do consumidor a durar menos do que um scroll, a publicidade minimalista fala para os consumidores que procuram transparência, autenticidade e humildade. A tendência é um movimento de regresso à simplicidade

Daniel Monteiro Rahman
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Uma marca deve refletir a forma como a sociedade pensa e funciona. Quanto mais próxima estiver dos consumidores, maior será a probabilidade de ser eficaz. Numa era em que a atenção do consumidor dura menos do que um scroll, as marcas estão a alterar a forma como se relacionam com os consumidores, não em termos do meio, mas sim do que escolhem representar e da forma como o fazem.
Surge um novo tipo de publicidade minimalista que dispensa logótipos e explicações, e não apresenta os elementos característicos que definem uma marca, transmitindo a sensação de não se estar a ver um anúncio.
“As pessoas gostam deste tipo de anúncios porque estão habituadas a uma publicidade muito explicativa. O que isto faz é valorizar a inteligência dos consumidores através do anúncio. Sem dizer muita coisa, fornece uma certa gamificação em que as pessoas têm de descodificar qual é a marca e isso acaba por chamar a atenção e por ser uma boa forma de trabalhar a notoriedade”, afirma João Ribeiro, cofundador e sócio-gerente da Stream and Tough Guy, em declarações exclusivas ao M&P.
A campanha ‘Just Lime’ da Gut Buenos Aires para a Corona é um dos exemplos mais recentes deste género de campanhas. Nem o logótipo, nem o produto estão presentes. Neste anúncio, a Corona promove o caráter icónico da marca através de um único elemento: a rodela de lima. A mesma rodela que é quase sempre associada à experiência de beber uma Corona e que a marca considera um ritual universal.

A campanha ‘Icons’, da BBH London para o Tesco, substitui o logótipo da marca por alimentos frescos FOTO DR
Ausência de informação é chamativa
Esta tendência está relacionada com um movimento mais amplo, o regresso à simplicidade. Atualmente, os consumidores procuram transparência, autenticidade e humildade, sobretudo no que diz respeito aos produtos e aos valores das marcas.
De acordo com o mais recente relatório de tendências da VML, ‘The Future 100’, 82% dos inquiridos preferem publicidade humilde que evite afirmações grandiosas. Esta mudança leva ao surgimento da ideia de minimalismo na construção da marca, em que a visibilidade e a clareza são fundamentais. O minimalismo deixa de ser apenas uma escolha estética e torna-se uma declaração de confiança e de maturidade da marca.
“Apesar de não parecerem anúncios, acabam por ser, claramente, anúncios. A diferença está no facto de jogarem com a curiosidade das pessoas. Normalmente, os anúncios são mais poluídos e contêm mais informação. Nestas campanhas, há um minimalismo que chama a atenção, a ausência de informação por si só é chamativa”, considera João Ribeiro.
É o caso da campanha ‘Icons’, criada pela BBH London para o retalhista britânico Tesco, que quebra uma das regras mais importantes do branding ao alterar o logótipo icónico da marca. A campanha tem como objetivo posicionar o Tesco como uma fonte fiável de alimentos de qualidade. Em vez de utilizar o logótipo do supermercado, a agência criativa substituiu cada letra do nome da empresa por imagens de alimentos frescos, transformando o “T”, o “E”, o “S”, o “C” e o “O” em representações visuais dos produtos vendidos nas lojas.
A BBH London percebeu que a marca só precisava dos traços azuis presentes no logotipo do Tesco para manter a identidade visual da marca. Ao recriar o logótipo de forma lúdica, o resultado é uma série de cartazes que oferecem aos consumidores um puzzle para resolver e que deixam a qualidade dos alimentos falar por si.

A Coca-Cola opta por eliminar o produto por completo na campanha ‘Coke Zero Auditions: Zer Props, Zero Scripts, Zero Sugar’ FOTO DR
Zero ‘props’, zero ‘scripts’ e zero produtoAo contrário das marcas que estão a aproveitar a onda do minimalismo, prescindindo do logótipo, a Coca-Cola opta por eliminar o produto por completo na campanha ‘Coke Zero Auditions: Zero Props, Zero Scripts, Zero Sugar’, criada pela Ogilvy India. Não há latas nem garrafas, apenas a experiência de beber uma Coca-Cola Zero. |
Marco Pacheco, diretor criativo executivo da BBDO Portugal, responsável pela criatividade nacional da McDonald’s (ver caixa), acredita que existe espaço no país para desenvolver este tipo de criatividade. “O Pingo Doce e a Delta, por exemplo, são marcas que podiam fazer algo semelhante, porque têm um nível de notoriedade que lhes permite interagir com os consumidores desta forma. Uma campanha que promovesse a Delta, por exemplo, através do triângulo, bastaria para que o consumidor a reconhecesse”, sustenta.
Por outro lado, a publicidade com pouca informação não está isenta de desvantagens. “Este tipo de campanha só é viável para marcas com um elevado nível de notoriedade”, enfatiza João Ribeiro, acrescentando que a única coisa que se está a promover é a marca ou o produto. “Não estamos a ir para além disso, não estamos a dizer que o produto é barato ou bom. Estamos a só falar de notoriedade e, no mercado atual, uma marca não se pode ficar só pela notoriedade”, argumenta.

A campanha ‘No Logo’ da TBWA\Paris para a McDonald’s França recorre a outdoors da marca com dentadas FOTO DR
Na perspetiva de Marco Pacheco, à semelhança de João Ribeiro, este tipo de comunicação apresenta limitações. “Não é uma muito útil para a conversão e para o desempenho, é uma comunicação que fica sempre pela marca. Em casos específicos, pode fazer sentido, mas nunca poderia ser mais do que uma estratégia pontual. É uma tendência que há de passar”, considera.
A atenção está no conteúdo
Para algumas marcas, os meios de comunicação tradicionais não souberam acompanhar a transformação digital. Os spots publicitários na televisão linear têm custos de seis dígitos, mas há cada vez mais consumidores a evitarem os anúncios nos serviços de streaming, independentemente do custo, noticia a Ad Age.
De acordo com uma análise de 2024 da Statista, quase dois terços dos espectadores evitam anúncios em plataformas de vídeo gratuitas, como o YouTube, e mais de metade faz o mesmo em plataformas de streaming. Os anunciantes têm de se dirigir para onde está a atenção e a forma mais eficaz de o fazer é através do ‘product placement’, num contexto de ‘storytelling’.”
As audiências que rejeitam a publicidade são muito mais recetivas ao ‘storytelling’ do que à venda direta. Os consumidores valorizam momentos que acrescentam autenticidade e realismo ao conteúdo e tendem a ignorar colocações óbvias, forçadas ou irrelevantes que quebram a imersão”, defende Travis Peters, CEO da agência norte-americana de ‘product placement’ EightPM, citado na Ad Age.

A parceria com E.T: O Extraterrestre (1982) resulta num aumento de 300% nas vendas dos Reese’s Pieces FOTO DR
Este não é um conceito novo. Quando um jovem Tom Cruise espreita por cima de um par de óculos Ray-Ban Wayfarers no cartaz do filme ‘Negócio Arriscado’, não foi porque a marca pagou por esse ‘placement’, mas porque se adequava à personagem. O facto de as vendas terem aumentado 50% após o lançamento do filme foi apenas um acontecimento orgânico que beneficiou a marca.
O mesmo acontece com os chocolates Reese’s Pieces da Hershey’s e a sua integração na história de ‘E.T: O Extraterrestre’. Neste caso, a ironia é que a M&M’s, de John e Forrest Mars, a primeira marca de chocolate a ser contactada, rejeita a proposta de parceria da Universal Studios.
A Hershey, ao investir um milhão de dólares em troca dos direitos de utilização do extraterrestre na publicidade dos Reese’s Pieces, assume um risco e sai vitoriosa: após a estreia do filme, as vendas dos Reese’s Pieces triplicam. Mais tarde, calcula-se que o investimento de um milhão de dólares (€905 mil) foi o equivalente a um investimento de 15 a 20 milhões de dólares (€13,5 a €18,1 milhões) em marketing, resultando num aumento de 300% nas vendas.
Os números dão razão ao CEO da EightPM, Travis Peters: “Desde que a integração de uma marca seja divertida e envolvente no contexto da história, os telespectadores assistem e apreciam”.

A campanha ‘Iconic Needs No Explanation’ é assinada pela Leo Burnett para a Mcdonald’s no Reino Unido FOTO DR
Sem logos nem ‘copy’, só um pequeno-almoço McDonald’sA campanha ‘Iconic Needs No Explanation’, assinada pela Leo Burnett para a McDonald’s no Reino Unido, é a mais recente aposta da cadeia de restauração rápida para promover o menu de pequeno-almoço. Ao abdicar dos elementos tradicionais que compõem a marca, desde o mote – ‘I’m loving it’ – aos icónicos arcos dourados, a campanha baseia-se numa ideia simples: o pequeno-almoço da McDonald’s é tão icónico que não precisa de apresentação. De acordo com Matthew Reischauer, diretor de marketing da McDonald’s no Reino Unido e Irlanda, a ideia surgiu após o relatório da ferramenta de análise McVue, (da consultora britânica de estudos de mercado Savanta), revelar que cerca de 90% dos consumidores conseguem identificar os menus de pequeno-almoço da McDonald’s, mesmo quando apresentados sem marca. As imagens em larga escala dos produtos de pequeno-almoço da McDonald’s, incluindo o Sausage & Egg McMuffin, o Hash Brown, o Egg & Cheese McMuffin e o Breakfast Wrap, são o destaque e o elemento distintivo que comunica a marca. Ao M&P, a McDonald’s Portugal revela ao que a campanha ‘Iconic Needs No Explanation’ “não está, de momento, prevista para Portugal”, ao mesmo tempo que explica que a marca “adapta a sua comunicação e estratégia a cada mercado, considerando as preferências dos seus consumidores”. Marco Pacheco, diretor criativo executivo da BBDO Portugal, que assina a criatividade da McDonald’s em Portugal, revela ao M&P que, há alguns anos, a BBDO Portugal adaptou uma campanha semelhante da TBWA Paris para a McDonald’s França, a ‘Icons’. “O conceito era muito semelhante a esta nova campanha da Leo Burnett, em termos da abordagem minimalista, mas focou-se em ícones e ilustrações em 2D dos produtos mais reconhecíveis da marca”. |