Voz de dinossauro – Crónica de Marco Pacheco
Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a […]

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Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a dia dos publicitários? O que fazem (e o que não fazem), as suas alegrias, angústias e frustrações. O resultado começa com Voz de dinossauro. “Uma coisa tinha clara: não queria escrever sobre os desafios, o futuro, as tendências e/ou os casos de sucesso do nosso ofício. É por isso que esta crónica não é sobre publicidade. É sobre os publicitários. Esses idiotas”.
Estamos num estúdio de som, um espaço que podia ser a sala de visitas de uma prisão americana. Do lado de fora do vidro de isolamento acústico, temos as visitas: o Diretor de marketing, também conhecido como Cliente, um Produtor e um Sonoplasta do estúdio, um Criativo, uma Account e um Produtor da agência. Do lado de dentro do vidro, está o Locutor, prisioneiro da sua performance: ele só será libertado quando todos concordarem que a locução está incrível, fantástica ou, no mínimo, perfeita. Até lá, terá apenas direito a saídas precárias para beber água, fumar, apanhar ar, ir à casa de banho, etc.
No caso vertente, procede-se à gravação dos diálogos de um filme de animação para uma marca de sumo onde pontifica, entre crianças muito pouco assustadas e já previamente gravadas, um dinossauro muito simpático, mas ainda assim, um dinossauro. O texto em si não tem complexidade de maior, os dinossauros não ficaram conhecidos pela sua profundidade de pensamento. O problema é outro. Ao fim de alguns takes, o Diretor de marketing, que já vinha a dar sinais de desconforto, remexendo-se no sofá, cruzando e descruzando as pernas, levanta-se e afirma, muito pesaroso:
– Isto não é voz de dinossauro.
Ouvindo isto, todos os presentes ficam em silêncio. Depois, um a um, viram a cabeça na direção do Locutor e confirmam, sem surpresa, que o Diretor tem toda a razão: o ser aprisionado naquela gaiola de vidro não é, de facto, um dinossauro e, portanto, a sua voz também não poderia ser a do dito. Um problema aparentemente inultrapassável, que o Criativo tenta resolver sem deixar transparecer a sua profunda irritação com o Cliente. Enquanto pensa uma coisa (mas tu não aprovaste o casting de vozes, meu dinossauro?) diz outra:
– Mas é o timbre ou o tom da voz? Se for o timbre, podemos sempre procurar um Locutor com voz ainda mais grave, mas não será fácil…
– Pois – diz o Diretor – se calhar é mais fácil encontrar um dinossauro…
Esta piada (com piada) provoca gargalhadas em todos, menos no Locutor, que tem o áudio cortado, e no Criativo, que já não pode ouvir o Cliente. Se já detestava o filme depois das alterações que ele introduziu, agora ainda mais. Resta-lhe ser profissional: respira fundo, esboça um sorriso forçado e prossegue a sua estratégia de manter uma conversa racional partindo de um pressuposto irracional. Se o problema é o tom, continua ele, é possível fazer uma interpretação mais agressiva do texto, mas sendo o filme para crianças, não o recomenda. O Cliente ouve-o, mas não lhe dá ouvidos, pede para ouvir novamente os takes já gravados, abana a cabeça, olha à volta passando os olhos pela gaiola de vidro onde o Locutor não ouve nem é ouvido e, portanto, não percebe mais do que perceberia um dinossauro.
Depois de escolher um take sugerido pelo Criativo, o cliente decide perguntar a opinião dos presentes, e todos, até o dinossauro (a quem foi restituída a voz para se pronunciar) dizem muito cordialmente que lhes parece bem, que está simpático, leve e que o timbre grave contrasta muito bem. Obrigado pela vossa opinião, agradece o Diretor de marketing, mas não. Não está convencido, não acredita naquele dinossauro e tem a certeza de que as crianças também não vão acreditar.
– Porque é que não fazemos um teste?
Sugere a Account, profunda conhecedora do seu Cliente e, sobretudo, do seu filho, à espera da mãe na receção do estúdio. O Criativo arregala os olhos para a colega, mas antes que ele possa dizer alguma coisa, o Diretor aceita a sugestão. Percebendo que não será necessário nos próximos minutos, o Locutor pede uma saída precária por um instante.
A criança entra com a mãe/account e senta-se em frente a um monitor de visualização, vulgo televisor. Tem 7 anos, dentro to target da campanha. Enquanto assiste ao anúncio, ninguém fala na sala, ninguém se mexe. A expectativa é grande, há tensão no ar. Todos estão de olhos fixos nas reações do miúdo, todos tentam ler nele sinais que indiquem em que direção apontará o polegarzinho daquele pequeno César. Até que ao fim de trinta longos segundos:
– Gostaste, filho?
– Sim.
– De tudo, gostaste de tudo? – pergunta o Diretor de marketing.
– Sim.
– Não achaste nada assim… esquisito?
– Não.
Mesmo conduzido nesse sentido, nem uma vez o miúdo fala da voz do dinossauro. A não ser quando o Locutor regressa da sua saída precária e diz:
– Estou de volta, desculpem.
E a criança aponta para o homem, exclamando:
– É o dinossauro!
Crónica de Marco Pacheco, diretor criativo executivo da BBDO e escritor