É a lei do mais forte ou há oportunidades para todos?
Tendo em conta que o investimento publicitário está a deslocar-se dos meios tradicionais e a crescer sobretudo no digital mas que, nesse campeonato, Google e Facebook concentram cerca de três quartos do investimento, é inevitável questionar se “As oportunidades no digital são para todos?”. Esse foi o ponto de partida para um debate promovido pelo M&P que juntou no mesmo painel responsáveis de três grupos de media e de duas agências de meios a operar no mercado português.
Pedro Durães
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Tendo em conta que o investimento publicitário está a deslocar-se dos meios tradicionais e a crescer sobretudo no digital mas que, nesse campeonato, Google e Facebook concentram cerca de três quartos do investimento, é inevitável questionar se “As oportunidades no digital são para todos?”. Esse foi o ponto de partida para um debate promovido pelo M&P que juntou no mesmo painel responsáveis de três grupos de media e de duas agências de meios a operar no mercado português. “Não sei se o digital é para todos mas todos os que querem continuar no negócio têm de tentar tirar partido do digital da melhor forma”, começou por responder José Carlos Lourenço, chief operating officer do Global Media Group. No caso do grupo que nos últimos dois anos lançou projectos digitais como o Delas, Motor24 ou N-TV, o responsável garante que “ao contrário do que fizemos até 2014, com objectivos muito claros e definidos para o digital, deixámos de falar em estratégia digital e passámos simplesmente a falar de estratégia de negócio, onde o digital está integrado de forma muito natural”. “Temos uma convicção profunda de que conseguimos fazer melhor e acrescentar valor”, afirma José Carlos Lourenço, revelando que este ano o digital representará já mais de 20 por cento das receitas de publicidade do grupo.
Relativamente ao peso dos dois gigantes online na captação do investimento publicitário no digital e a pressão que estão a colocar sobre os grupos de media, o COO do Global Media Group assegura que “a nossa relação não é, de todo, a de inimigos”. Contudo, admite, “há uma disrupção enormíssima nos mercados onde as duas empresas actuam, são concorrentes fortíssimos, com armas desproporcionadas para a nossa dimensão”. “Competimos pelos mesmos euros mas não somos inimigos, somos até parceiros em algumas áreas”, sublinha José Carlos Lourenço, cujo grupo acaba entretanto (dois dias após a conferência Marketing em Debate) de receber mais 312 mil euros do fundo de investimento do Google dedicado aos publishers com o objectivo de desenvolver o projecto Smart Paywall. “Este projecto enquadra-se nos planos que definimos para 2018 de aprofundar a monetização dos conteúdos de excelência das nossas marcas, e iremos fazê-lo de forma inovadora e suportados em tecnologia adequada”, explicou ao M&P José Carlos Lourenço, adiantando apenas que “em tempo oportuno partilharemos mais sobre como o iremos fazer, mas estamos convencidos de que iremos contribuir para o aparecimento de novos segmentos de receita no mercado português ligados à venda de conteúdos, que coexistirão com a actual solução de assinaturas digitais”.
A forma como estas plataformas competem pelas mesmas receitas com armas muito diferentes daquelas de que dispõem os grupos de media é também notada por José Luís Ramos Pinheiro. “Ninguém tem dúvidas de que o digital transforma a sociedade e o consumo, mas a sociedade também pode condicionar e modelar o digital, não nos podemos esquecer que o digital é feito para as pessoas e temos de encontrar uma forma que seja satisfatória para todos”, afirma o administrador do grupo Renascença Multimédia, cujas receitas digitais têm actualmente um peso de 15 por cento. “É importante termos a noção de que se os media podem ver o seu negócio implodido por estas plataformas, sem jornalismo de qualidade e credibilidade, quando aquilo que é a actividade profissional dos media implica um conjunto de regras e deontologia que só uma organização orientada para a verdade, para o jornalismo, pode ter”, frisa Ramos Pinheiro, lembrando que “não é media quem quer mas quem se organiza com esse objectivo”. Para o responsável, além da sociedade e dos governos, também as marcas têm um papel importante a desempenhar na modelação daquilo que deve ser um ecossistema digital justo. “É muito importante também que as marcas não se distraiam com o digital”, refere, lançando o desafio para que se estabeleça “uma colaboração diferente, como é o caso da colaboração entre marcas de media com o Nónio, mas pode haver outro tipo de sinergias, quer de media quer com as marcas”.
Para Gonçalo Reis, presidente do Conselho de Administração da RTP, o caminho passa mais por “fazer face ao consumidor em vez de fazer face a Google e Facebook”. No caso da televisão, onde os canais em sinal aberto estão a perder investimento e algum desse investimento estará a ser transferido para o digital, o responsável chama a atenção para o facto de que o consumo não-linear está a crescer e, mais importante do que isso, refere um estudo que mostra que mais 40 por cento das pessoas já estão no não-linear e, para quem lá está, 80 a 90 por cento consumo já é só não-linear. “Temos de dar atenção a isto não por causa da concorrência, não por causa da ameaça, mas porque o consumidor está lá e é preciso criar conteúdos capazes de serem relevantes nestas plataformas”, aponta Gonçalo Reis. “O drama do digital não é as oportunidades que dá às pessoas, que têm mais escolha, é o ter destruído um modelo de negócio”, afirma o presidente da estação pública, explicando que, por isso mesmo, “o nosso pé no acelerador tem sido no acesso aos nossos conteúdos, não tem sido na monetização. No nosso caso, como em todos os grupos, as receitas digitais são as que mais crescem mas ainda são muito pequenas. É uma oportunidade porque cerca de 35 a 40 por cento dos acessos às nossas plataformas digitais (RTP Play, arquivo, sites e apps) vêm de pessoas que estão fora de Portugal”. “As televisões têm de abordar o digital porque o não-linear está a crescer e vai continuar a crescer, monetizar é que é o desafio”, conclui Gonçalo Reis.
Opinião partilhada por Tomás González-Quijano, para quem “o problema dos media, e sobretudo do publishing, é que o modelo baseado em receitas publicitárias não é sustentável no longo prazo, tenho dúvidas de que seja”. “Fala-se muito dos papões Google e Facebook mas temos de perceber como conviver com estes papões, o problema não é se são bons ou maus, se são inimigos ou não, isso provoca uma grande instabilidade, o problema passa por encontrar soluções sobre como se vai financiar os meios de comunicação”, afirma o CEO da Mindshare. Isto porque, assegura, “do ponto de vista das marcas, não tenho dúvidas de que os meios locais vão continuar a ser importantes”. E as agências de meios olham com atenção para os novos projectos que vão surgindo? “Olhamos com atenção sobretudo se vêm dos publishers locais, de marcas credíveis, agora isso não quer dizer que imediatamente vamos lá colocar investimento porque temos de perceber primeiro o retorno para as marcas”, remata González-Quijano. Sobre o Nónio, o profissional diz-se “um bocadinho céptico”. “O Nónio é uma excelente iniciativa mas vai enfrentar muitos problemas, é feito para combater o Google mas está a ser financiado pelo Google por isso será sempre um desafio. Teremos de avaliar daqui a um ano qual o valor que o Nónio trouxe ao mercado mas espero que seja muito positivo”, afirmou.
Mais optimista, Francisco Teixeira, considera que “apesar de Google e Facebook serem fortíssimos, as oportunidades para que os conteúdos possam ser veiculamos para outras partes do mundo são enormes”, referindo o exemplo já apontado por Gonçalo Reis no que diz respeito aos acessos digitais da RTP. “Claramente é um eixo com potencial a ser explorado, temos de olhar para esta dinâmica numa lógica optimista”, afirma o managing director da Initiative, lembrando que “enquanto há uns anos havia produtores e distribuidores de conteúdos em silos devidamente identificado isso hoje não acontece”. “As oportunidades são claramente para todos porque também os meios tradicionais se reinventaram e digitalizaram, o digital veio criar o caos e a seguir vem a bonança porque esse caos nos fez crescer enquanto ecossistema de comunicação”, acredita.
Gonçalo Reis reforça essa ideia lembrando os vídeos da RTP entre os mais vistos do ano no YouTube. “Aquilo está lá independentemente de ser a RTP, de ser em português ou de ser produzido por uma marca de media portuguesa, está lá porque tem qualidade e capta a atenção das pessoas”, assegura, reiterando que “a divisão hoje faz-se entre quem faz media de qualidade ou não, e não entre tradicional e não tradicional”. E há exemplos nos media, diz, apontando o caso do The New York Times, que “está a fazer um excelente trabalho e tem crescido imenso em assinaturas”.
No mesmo sentido, José Carlos Lourenço avisa que “aqueles tempos relativamente fáceis em que se vendiam revistas e páginas de publicidade acabou, hoje é muito mais complexo e exige muito mais dos grupos de media, pelo que não nos podemos acomodar, temos de ter o nosso fair share mas também temos de nos mexer”. “Havendo utilidade para aquilo que estamos a produzir, a questão das plataformas é táctica, não podemos é perder de vista o consumidor, aquilo de que precisa e aquilo que procura”, considera o COO do Global Media Group, salientando que “falamos de uma qualidade abstracta dos conteúdos mas vai além do estético, há uma questão de credibilidade”. Recordando os casos de anúncios de marcas a surgirem neste tipo de plataformas lado a lado com conteúdos de incentivo ao terrorismo ou pedófilia, José Carlos Lourenço não tem dúvidas: “garanto que algo assim não acontecerá nunca nas marcas de media.” E em resposta a Luís Mergulhão, CEO do Omnicom Media Group que falou no primeiro painel, o responsável da Global Media assegurou que “depois da hibernação vamos continuar a oferecer bons produtos e a ser parceiros de marcas e agências”.
Mais crítico face a Google e Facebook, José Luís Ramos Pinheiro volta a reforçar que “do ponto de vista publicitário, garantir a viabilidade dos projectos é extremamente difícil nestas condições, não há fair share, são empresas extraordinárias mas terem 65 por cento do investimento é muito e é preciso lembrar que os outros 35 por cento não são só para os media”. “Impostos e regulação são essenciais, esta é também uma equação política”, aponta o administrador do grupo Renascença Multimédia. “Agora claro, que não podemos ficar à espera e temos de fazer por nós, pensar em novos produtos e projectos e alcançar outro patamar de colaboração entre os media portugueses”, afirma, alertando que “isolados vamos ter muito mais dificuldade mas juntos podemos alcançar outras oportunidades, se estivermos em concorrência não entre os media nacionais mas face às grandes plataformas, se estivermos uns contra os outros estamos a prestar-lhes um serviço”.
Um bom exemplo disso, diz, é o Nónio, que “vai permitir que os media portugueses possam colocar a sua publicidade com outra escala”, um factor determinante nas palavras do responsável. Recuperando o caso de sucesso do The New York Times apontado por Gonçalo Reis, Ramos Pinheiro lembra outro título impresso que tem sido bem sucedido na sua estratégia digital, o The Washington Post, para ilustrar as dificuldades de escala do mercado português: “Gostava de pôr o Jeff Bezos à prova num mercado com a escala do português, no digital a escala é absolutamente determinante e essencial.”