Jornalistas desconfiam dos assessores de imprensa (e vice-versa)
Quase quarenta por cento dos jornalistas portugueses chumbam os métodos dos consultores de comunicação, segundo a investigação de Carolina Enes

Rui Oliveira Marques
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No final do ano passado, Carolina Enes defendeu a sua tese de mestrado Jornalistas e Relações Públicas: Que (co)relação? na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa. Parte substancial do seu trabalho resulta de um inquérito respondido por 131 jornalistas e por 180 consultores de comunicação portugueses que, pela abrangência, permitem fazer um retrato da tensa relação entre as duas partes.
Aqui ficam alguns números: quase quarenta por cento dos jornalistas chumbam os métodos dos consultores de comunicação. Pelo contrário, 70 por cento dos consultores considera que os seus métodos de trabalho são “bons”. Também quase metade dos jornalistas dizem que os consultores não se esforçam para serem transparentes, mas 59 por cento dos RP discordam desta ideia. No meio disto, existem relações de confiança entre as duas partes? Metade dos RP dizem que sim mas, mesmo assim, 32 por cento estão em desacordo. Entre os jornalistas, 38 por cento acreditam que a relação é de confiança, mas outros tantos 38 por cento não subscrevem essa ideia. Carolina Enes, communications officer do Programa UT Austin-Portugal e ex-GCI e ex-YoungNetwork, analisa os resultados obtidos.
Meios & Publicidade (M&P): Em termos práticos, como é que os jornalistas encaram os profissionais de relações públicas e vice-versa? Existe uma grande diferença de percepção entre os dois grupos profissionais?
Carolina Enes (CE): O principal propósito deste estudo foi o de melhor compreender as opiniões que os profissionais de relações públicas (RP) e os jornalistas portugueses têm sobre as suas próprias profissões e, acima de tudo, que percepções têm uns em relação aos outros. Através de um questionário foram avaliadas inúmeras questões relacionadas com o desempenho de cada uma das profissões em temas como os métodos profissionais, a qualidade da informação nos media portugueses, a regulamentação das relações públicas, ética profissional, influência pessoal, entre outros. Os dados obtidos foram numerosos mas de uma forma muito resumida podemos afirmar que este estudo mostra uma visão geral de percepções críticas mútuas
M&P: Pode dar exemplos disso?
CE: A maioria dos jornalistas avalia negativamente os métodos profissionais dos RP e existem acusações mútuas de manipulação de informação. No entanto, dá indicações positivas: os dois grupos de profissionais afirmam que conseguem chegar a acordos aceitáveis; têm uma visão da ética profissional e dos papéis de cada profissão muito semelhante; têm posições comuns relativamente aos “social media” e relativamente à qualidade da informação nos meios de comunicação social portugueses. Em apenas nove do total de oitenta e uma afirmações avaliadas os dois grupos de inquiridos mostraram estar em campos opostos.
M&P: Segundo os resultados do estudo, 55 por cento dos jornalistasafirmam que os profissionais de RP manipulam a informação pública,sendo que 50 por cento dos RP fazem a mesma acusação aos jornalistas. Os jornalistas também consideram os RP pouco transparentes. Consegue atribuir a origem desta percepção?
CE: Relativamente à falta de transparência, os próprios RP assumem neste estudo que são muitas vezes confusos ao explicitar os interesses que representam e os objectivos que perseguem. Esta desordem pode estar directamente relacionada com os processos de gestão de interesses internos de uma entidade e dos seus responsáveis e cujos avanços e recuos os RP têm de assumir junto dos jornalistas, sendo apenas a parte visível de um longo processo. No que diz respeito às acusações mútuas de manipulação de informação, é importante atender também à percentagem de profissionais que assumiram uma atitude autocrítica. Ainda que a maioria dos RP afirme que não manipula a informação pública e que se esforça por ser transparente, uma percentagem destes profissionais confirmou a realização de más práticas profissionais. Esta poderá ser uma assunção do papel de “spin doctor” que fascina uma parte dos jovens profissionais pelo “poder” que lhes dá e que se trata, na realidade, de uma falsa sensação de poder, tendo em conta que as más práticas profissionais revelar-se-ão mais nefastas do que benéficas para um desempenho de sucesso junto dos jornalistas e na construção de uma relação de confiança que é imprescindível.
M&P: E do lado dos jornalistas?
CE: À semelhança do que aconteceu para os RP, uma percentagem considerável de jornalistas avalia negativamente o desempenho da sua profissão, assumindo que manipula a informação. Este dado pode estar relacionado com a avaliação que estes profissionais fazem da sua autonomia em relação aos aos interesses económicos.
M&P: O que deveria ser feito para aproximar mais as duas classes profissionais, de forma a que se conhecessem melhor?
CE: Esta investigação pretende ser mais um ponto de partida do que um ponto de chegada para um debate que se pretende que seja mais transversal, transparente e salutar. Na minha opinião, a discussão sobre o desempenho das duas profissões deve ultrapassar os limites das salas das universidades e das associações e entidades de cada um dos sectores profissionais. Devem ser pensados novos formatos de discussão, debates, fóruns, eventos. Apesar de esta investigação mostrar que o consenso entre os dois grupos de profissionais é muito superior às divergências, a dúvida permanece sobre se ambos os profissionais têm uma correcta percepção desta realidade. Acredito que a convergência de opiniões demonstrada neste trabalho irá surpreender muitos profissionais. A execução e a divulgação de estudos exploratórios como este podem ser um importante contributo na construção de percepções correctas sobre um entendimento e uma concordância de opiniões que, de facto, existe entre RP e jornalistas portugueses.
Artigo completo na edição da semana passada do Meios & Publicidade