“Não sinto saudades dos orçamentos portugueses”
Na rubrica De Portugal para o Mundo, João Silva (na foto), sócio-gerente da Digital Connection, partilha as particularidades culturais do Médio Oriente que influenciam o desenvolvimento de campanhas de marketing e a criação de marcas locais, a partir do Dubai, onde trabalha desde 2022
Catarina Nunes
No Dubai desde 2022, como sócio-gerente da Digital Connection, João Silva destaca a forma como os árabes reagem às mensagens publicitárias, design e cores, face aos europeus. “Não devemos utilizar a cor preta, pois é associada à morte; as mensagens devem ser muito imparciais e respeitosas, sem nunca criticar ou brincar com as regras do país; e também não podem ter conotações sexuais”, salienta João Silva, que além de sócio-gerente da Digital Connection dedica-se às novas contas e à estratégia de marketing da agência de marketing digital, que cofundou com Gonçalo Freitas.
Trabalhar fora de Portugal era uma ambição ou qual foi a circunstância que determinou a saída?
Ao longo do meu percurso académico e profissional fui sempre tendo experiências fora de Portugal, como em Madrid, Londres e Croácia. A saída de Portugal para o Dubai teve a ver com dois fatores distintos, por um lado, sair da zona de conforto e penetrar numa cultura muito diferente da portuguesa/europeia. E, por outro, agarrar as oportunidades da economia emergente do Médio Oriente, conseguindo projetos com maior orçamento.
O que é que fazia e onde é que trabalhava antes de ir para o Dubai?
Sou cofundador da Digital Connection, agência de marketing digital fundada em janeiro de 2015. Desde o início da agência que o nosso objetivo foi a internacionalização. Numa primeira fase angariámos clientes fora de Portugal, em países lusófonos, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, e também clientes em Espanha, Suíça e Luxemburgo.
Mas a nossa ambição, minha e do meu sócio Gonçalo Freitas, era levar a Digital Connection além-fronteiras. Em 2022, surgiu a oportunidade de explorar o mercado do Médio Oriente e iniciar esta nova jornada no Dubai. Mudei-me em setembro desse ano, sem clientes, apenas com a experiência de gestor da agência no mercado português, muita motivação e garra para conquistar este mercado.
O que é que encontrou quando chegou ao Dubai?
Deparámo-nos com um mercado competitivo, mas ao mesmo tempo com muitas lacunas, muita falta de recursos humanos especializados e com qualidade na área da comunicação e marketing.
Após três meses, que era o nosso período de teste, conseguimos angariar algumas contas, como a Reacton e a Fireward, líderes em sistemas de supressão automática de incêndios, que têm como clientes as maiores companhias de transportes do mundo, como a Emirates ou a TCM Shanghai, que é uma clínica de luxo em Jumeirah, por exemplo, e a Exotica, uma plataforma online de entrega de produtos. Como portugueses no estrangeiro que somos, conseguimos causar uma boa impressão.
Quais são as mais-valias e os obstáculos que o facto de ser português tem no seu trabalho no Dubai?
Só vejo pontos positivos em ser português. Dá o selo de qualidade europeu procurado pelas empresas no Dubai, onde há muita mão de obra pouco qualificada. Tivemos de nos adaptar ao mercado e um dos primeiros investimentos que fizemos foi em recursos humanos conhecedores da dinâmica da indústria.
Contratámos uma ‘business developer’ emirati, uma gestora de projeto e um redator árabes, para estarmos preparados para todos os tipos de desafios. O mercado empresarial no Dubai é muito diferente do português, além de muito competitivo, a tomada de decisão está relacionada muitas vezes com as pessoas que se conhece.
Quais são as particularidades do Dubai, na área em que trabalha, em termos de desafios e diferenças em relação ao mercado português?
Sendo o Dubai um ponto de encontro de tantas culturas, é uma das cidades mais multiculturais em todo o mundo, o desafio é definir bem objetivos e ‘targets’, e conhecer bem quem queremos impactar com as nossas campanhas para gerar resultados. A forma como um árabe reage é muito diferente da forma de reagir de um europeu, a nível de mensagem, design e cores.
Por exemplo, não devemos utilizar a cor preta, pois é associada à morte; as mensagens devem ser muito imparciais e respeitosas, sem nunca criticar ou brincar com as regras do país; e também não podem ter conotações sexuais.
A escolha das imagens, por outro lado, também é muito importante e, se estamos a falar para a comunidade muçulmana, as mulheres devem estar com os ombros e pernas tapadas, mas se estamos a falar para um target mais abrangente mesmo para uma marca no Dubai, podemos explorar imagens ocidentais. Neste sentido, o estudo do mercado e o apoio de pessoas que vivem há muito tempo cá foi a chave para nos adaptarmos.
Qual é o momento que o mercado no Dubai atravessa em termos de consumo, comunicação e pontos de venda?
O Dubai, e o Médio Oriente em geral, atravessam um período de crescimento. Vemos que eventos como o Mundial, Jogos Olímpicos e Expo, e as próprias contratações milionárias de futebol, fazem parte da estratégia de crescimento e promoção destes países, não só dos Emirados Árabes Unidos, mas também da Arábia Saudita e do Qatar.
Encontramos inúmeras diferenças no comportamento dos consumidores residentes no Dubai. A estratificação social é muito cristalina e existe uma diferença enorme nos comportamentos, tendo em conta a classe social das pessoas. Para o segmento médio e alto, contudo, o Dubai é uma cidade extremamente conveniente.
Apesar de ter os maiores centros comerciais do mundo, como o Dubai Mall e Mall of Emirates, as ‘apps’ para entregas são espetaculares e em 15 minutos temos o que precisamos em casa pelo preço que encontramos no supermercado.
Qual é a relevância dos pontos de venda físicos?
É muito importante a comunicação ‘in-store’ dos produtos, porque existe uma grande afluência às superfícies comerciais, onde temos de utilizar a criatividade para nos destacarmos enquanto marcas.
Há ainda um forte consumo a partir dos canais digitais, sejam as redes sociais ou os ‘marketplaces’, com plataformas digitais como o Noon, Talabat, ou Careem. Sendo o Dubai uma cidade de expatriados, apenas 11% da população é emirati, é verdadeiramente um mercado multicultural e, dependendo de para quem estamos a comunicar, temos de adaptar a mensagem, o visual e os canais que utilizamos.
Nunca foi tão importante o estudo e definição dos diferentes ‘targets’ que queremos impactar. A cidade promove muito a inovação tecnológica, o uso de criptomoedas e os produtos tecnológicos acabam por ser sempre um bom investimento. Sendo uma cidade muito dinâmica, literalmente todos os dias há eventos, tanto sociais como profissionais, que podemos frequentar e que é outra das formas que as marcas têm para comunicar e alcançar os seus públicos, tanto através da promoção de eventos como dos patrocínios.
Qual é o projeto mais recente que tem entre mãos?
Temos imensos projetos a decorrer simultaneamente em diferentes países, como Dubai, Portugal, Reino Unido, Angola e Arábia Saudita. Orgulho-me em termos desenvolvidos projetos superinteressantes no Dubai, como o lançamento da marca de bebidas Soom Lite, criada por um cientista e que bloqueia a absorção de açúcar, diminuindo o pico glicémico e com inúmeras vantagens para a saúde e estética.
É uma bebida inovadora a nível mundial, para a qual desenvolvemos o projeto de A-Z, desde ‘branding’, internet, media sociais, relações públicas e eventos, que teve um impacto muito positivo na comunidade.
Recentemente, desenvolvemos o novo website da Dubai Holding Group [retalhista representante das marcas da Inditex, entre outras], fizemos as campanhas no Google e de media sociais de uma das marcas com maior notoriedade, a Al Ansari Exchange, que é uma das maiores empresas financeiras do Médio Oriente. Criámos uma marca que está a revolucionar a comunidade latina, a X9, que ajuda a integrar latinos no Dubai, através da criação de eventos.
Qual foi a experiência profissional, negativa e positiva, que teve no Dubai que mais o marcou?
Pela positiva foi sem dúvida o lançamento do Soom Lite, porque foi um projeto onde a equipa trabalhou dia e noite. O evento de lançamento teve uma projeção brutal, não só no Dubai como no Kuwait, na Arábia Saudita e em Abu Dhabi, e recebemos ‘feedback’ muito positivo e encomendas para a internacionalização da empresa.
Pela negativa, já tive algumas deceções, que estão relacionadas com a falta de compromisso e com uma eventual perceção, por parte de potenciais clientes, de que podemos ser descartáveis. Mas nada que nos faça desistir.
Em termos profissionais, do que é que tem mais saudades em relação ao mercado português?
Na verdade, continuo a trabalhar com o mercado português, a Digital Connection contínua robusta em Portugal e é onde está a grande maioria dos nossos recursos humanos. Apesar de a nossa equipa ser formada por diferentes nacionalidades, como da Colômbia, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Nepal, África do Sul e Brasil, a nossa grande força de recursos humanos é portuguesa.
Do que é que não tem saudades?
Não sinto saudades dos orçamentos portugueses, que são cerca de quatro a cinco vezes mais baixos do que cá, o que inevitavelmente leva a dedicarmos menos tempo aos projetos em Portugal.
Pensa regressar a Portugal?
Nos próximos anos é algo que não está nos meus planos, porque recentemente abrimos um escritório em Riade, na Arábia Saudita, e uma empresa de eventos e de gestão de talentos. Estamos muito envolvidos em eventos de entretenimento, com shows de bailarinos, DJ’s e música ao vivo.
Gerimos diferentes espaços no Dubai, como o Juyi, Players e Virtue [espaços noturnos e de restauração], entre outros, e é uma empresa que queremos consolidar no mercado do Médio Oriente. Vou bastantes vezes a Portugal, sinto falta da família, amigos e da comida.