“A divulgação de figuras femininas de referência é um incentivo para as profissionais
Aos 50 anos, as jornalistas Maria Serina e Isabel Canha iniciaram um projeto jornalístico que, atualmente, é uma referência para mulheres profissionais. Mais do que uma publicação online, a Executiva […]
Cristina Dias Neves
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Aos 50 anos, as jornalistas Maria Serina e Isabel Canha iniciaram um projeto jornalístico que, atualmente, é uma referência para mulheres profissionais. Mais do que uma publicação online, a Executiva é uma comunidade de mulheres que acreditam que é importante dar o seu contributo para uma sociedade mais equilibrada.
Como nasceu o site Executiva e porquê?
Maria: Este projeto nasceu como revista no final dos anos 1990 na Impresa, como um suplemento trimestral da Executive Digest, de que éramos ambas editoras. A Impresa descontinuou este título, mas para nós a Executiva nunca acabou. Aquela revista fazia falta no mercado editorial português, era a revista que nós, enquanto mulheres, queríamos ler. E sabíamos que muitas mais profissionais pensavam como nós. Apesar de a revista Executiva já ter acabado há muito, na Exame, nos anos 2000, a Isabel continuava a receber cartas de leitoras que elogiavam o projeto. A paixão pela Executiva ficou e 15 anos depois agarrámos no título. Lançámos a Executiva como site, pois o paradigma da comunicação social estava em mudança do papel para o online.
Isabel: Instituições supranacionais, Estados, empresas e outras organizações e indivíduos estavam cada vez mais sensibilizados para o tema da igualdade de género. Faltava um meio de comunicação social que desse voz a mulheres, para as retirar da obscuridade, e servirem de role models a outras mulheres. O site nasceu da nossa vontade de contribuir para que mais mulheres em Portugal ascendessem a funções de liderança nas empresas. Enquanto jornalistas, nos meios onde trabalhávamos, ouvimos e contámos histórias sobretudo de homens porque são eles que ainda estão maioritariamente na linha da frente da maioria das áreas. Mas conhecíamos inúmeras mulheres que tinham histórias muito inspiradoras para partilhar. Sentimos que os seus testemunhos podiam encorajar outras mulheres a desenvolverem todo o seu potencial, a assumir riscos e a quebrar barreiras.
A missão da Executiva é dar ferramentas e role models (modelos inspiradores) às mulheres para que alcancem as funções de liderança que ambicionam e merecem. Cumprimos esta missão através dos artigos e entrevistas que publicamos no site, nas conferências, nos livros, nos prémios, como As Mulheres Mais Influentes de Portugal e Executivas do Ano, e nas ações de formação, como os Bootcamps Executiva ou o programa One Step Ahead Líderes no Feminino, promovido em parceria com a AESE Business School.
Quais foram os principais desafios?
Isabel: Lançar um negócio num setor em crise à procura da fórmula mágica que garantisse a sua sustentabilidade. O primeiro desafio deste projeto foi o do financiamento. Gostaríamos de ter lançado uma Executiva muito mais pujante, que nos permitisse à nascença ter a projeção que hoje, volvidos nove anos, já alcançou, e chegar a mais mulheres e mais rapidamente. Hoje, a sua sustentabilidade continua a ser um desafio. Não tendo nós um grupo de investidores por detrás, temos conseguido manter a Executiva graças ao apoio de empresas que se revêm na nossa causa da igualdade de género, da valorização do papel da mulher na economia, e que patrocinam os eventos que organizamos e os livros que editamos.
Maria: Quando lançámos a Executiva, em 2015, tínhamos já trabalhado nos dois maiores grupos de comunicação social em Portugal – a Impresa e a Media Capital. E, por isso, estávamos habituadas a liderar a parte editorial, a redação dos títulos que dirigimos, a Cosmopolitan e a Exame. Mas estávamos integradas numa equipa mais vasta, que abarcava o marketing, a publicidade, a produção e a distribuição. Na Executiva contamos com uma pequena equipa, mas somos responsáveis por todas essas áreas. Por isso, tanto entrevistamos a presidente de uma importante empresa portuguesa, como compramos o código de barras ou negociamos o orçamento de impressão de um novo livro. Já aconteceu até irmos aos armazéns centrais do El Corte Inglés entregar livros para serem vendidos nas suas lojas, estacionando o nosso carro entre camiões TIR que podem estar a descarregar mobiliário ou a nova coleção de fatos de banho, enquanto nós descarregamos uma caixa com 50 livros escritos e editados por nós.
Isabel: Como fazemos tudo em todas as áreas, estes nove anos têm sido muitos desafiantes e de grande aprendizagem, apesar de toda a experiência que já trazíamos na bagagem. Mas foi também a experiência que tínhamos que nos permitiu desenhar o modelo de negócio da Executiva – que inclui o site, mas também eventos e edição de livros. Este ano celebramos o 9.º aniversário da Executiva e orgulhamo-nos de tudo o que construímos: uma marca reconhecida e estimada pelo seu target, termos resistido como meio de comunicação social num setor em crise, a nossa empresa jornalística estar entre as top 5% PME em Portugal e ter a certificação do Compromisso Pagamento Pontual, todos os projetos relevantes que lançámos, os livros, os prémios, as Conferências de Liderança Feminina, a formação, e, sobretudo, termos contribuído para que as mulheres gestoras ganhem visibilidade. Nada nos dá maior gosto e orgulho que ouvir: “sem a Executiva não teria chegado onde cheguei” ou “não seria convidada para outras entrevistas ou conferências”. Saber que contribuímos para a valorização do papel das mulheres na economia e na sociedade portuguesa.
Como vê o papel da mulher no mercado de trabalho?
Maria: As mulheres são cerca de metade da força de trabalho em Portugal e enfrentam muitas dificuldades: discriminação, disparidade salarial, assédio sexual, etc. As mulheres são metade da força de trabalho, mas representam apenas 31% dos lugares nos conselhos de administração e 6% dos CEO, diz o estudo “Women Matter Iberia” da consultora McKinsey, feito no segundo semestre de 2022. Além disso, a disparidade salarial é de 10,1% entre os dois sexos, sendo ainda maior no topo.
E em cargos de liderança?
Isabel: Em Portugal, são cada vez mais as mulheres em cargos de gestão e liderança nas diferentes áreas da sociedade, mas continuam sub-representadas. As estatísticas evidenciam uma evolução nos números da liderança feminina, mas a ritmo muito lento. Ora, uma sociedade em que metade da população é discriminada, não estando igualitariamente representada nos órgãos políticos e nos órgãos decisórios das empresas e outras organizações é, desde logo, uma sociedade injusta – e isto é o mais importante que pode ser posto em evidência. É também uma sociedade que perde parte do seu talento, da sua força de trabalho, da sua iniciativa e da sua visão do mundo. Nas empresas, diversos estudos demonstram que a paridade de género está associada a melhores resultados económicos e financeiros, em diversos indicadores, desde os lucros à cotação da empresa em bolsa.
Portugal está atrasado em relação ao resto da Europa e EUA neste domínio ou é equivalente?
Maria: Portugal ocupa a 29.ª posição no Índice Global de Desigualdade de Género à escala mundial. A liderança feminina continua a avançar a várias velocidades no mundo, pois há ainda muitos países com situações mais prementes para resolver sobre a situação das mulheres antes da liderança feminina ser de facto a prioridade. Mas nos Estados Unidos, pela primeira vez em 69 anos de história da lista anual da Fortune 500, as mulheres lideram mais de 10% dos negócios das maiores empresas de capital aberto, em que 52 empresas são comandadas por mulheres, um recorde histórico que contrasta com as 44 do ano passado.
Importantes organismos internacionais são liderados por mulheres: o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Observamos isso também nas mais variadas áreas da sociedade, como por exemplo, na área política, com uma vice-presidente dos Estados Unidos. Há cada vez mais mulheres a liderarem grandes multinacionais e têm a responsabilidade de serem role models para muitas outras e por isso falam abertamente sobre os desafios que enfrentam e procuram de várias formas inspirar e empoderar outras mulheres a seguirem as suas ambições.
Quais os fatores mais penalizantes para a mulher na sua evolução enquanto profissional e líder?
Isabel: Sem mulheres em posições de topo, com visibilidade na imprensa, não se inspiram jovens gestoras a trilhar esse caminho. Não podemos ambicionar ser aquilo que não conhecemos. Por isso, a escassez de role models é um obstáculo enorme. A divulgação de role models, internos à organização ou externos, é poderosíssima como incentivo a que mais mulheres cheguem à liderança. Na Executiva acreditamos fortemente no poder dos exemplos inspiradores de mulheres com poder e influência, cuja divulgação está inscrita na nossa missão enquanto meio de comunicação social. A missão da Executiva é dar ferramentas para a progressão profissional das mulheres e dar voz, um palco, a mulheres com carreiras sólidas que inspirem o caminho de outras mulheres e lhes deem exemplos de modelos de liderança no feminino.
Todo o ambiente é mais hostil, mais íngreme, para as mulheres do que para os homens e o ambiente de negócios não é diferente. Mas se tivesse de eleger aquele que é apontado como o maior obstáculo, mais frequentemente citado pelas mulheres líderes que entrevistamos, seria a conciliação da vida familiar com a carreira. Fruto do papel tradicionalmente atribuído à mulheres, de cuidadora da família e do lar, as que trabalham têm uma pesada carga adicional. Mesmo que consigam comprar uma extensa rede de apoios, há sempre a culpa, por exemplo, quando têm de trabalhar até mais tarde, ou de viajar. Há barreiras externas como a discriminação, ainda que não consciente, na seleção e promoção, padrões masculinos do que é ser-se líder e o duplo padrão de avaliação. Por exemplo, para os homens um murro na mesa é ser-se afirmativo, para as mulheres é ser-se agressiva. E, ainda, há barreiras internas, como o medo de aceitar desafios, falta de confiança e síndrome do impostor.
Enquanto mulheres já se sentiram subvalorizadas?
Maria: Há um episódio muito claro. Enquanto empreendedoras prestes a lançar a Executiva, sentimos discriminação de uma entidade bancária pelo facto de sermos mulheres. Discutíamos entre nós se seria impressão nossa, se seria o comportamento comum do nosso interlocutor com todos os clientes, até que pedimos ao marido da Isabel para nos acompanhar numa reunião com o gestor bancário e a diferença foi notória.
Isabel: Desapareceu o paternalismo, as piadinhas que ocupavam o tempo que devíamos estar a tratar do assunto que ali nos levara, e todo o tratamento foi completamente diferente. Não quisemos fazer negócio com esse banco, mesmo correndo o risco de não virmos a conseguir crédito noutra instituição, mas tirámos as dúvidas. As mulheres continuam a ser discriminadas no acesso ao capital, o que dificulta que lancem empresas, progridam e criem riqueza.
Vê diferenças significativos entre a atitude das Baby boomer e das mulheres da Geração Z?
Maria: Sem dúvida que as diferenças existem e as mais notórias dizem respeito à forma como a igualdade entre géneros é mais comummente estabelecida e a forma como encaram o trabalho. Os Baby boomers viveram os tempos difíceis do pós-guerra, o que os levou a procurarem a estabilidade de um trabalho para a vida. O work-life balance não foi uma prioridade porque ainda são do tempo do mítico horário das 9h às 17h e viveram muito tempo só com rádio e televisão com 2 canais, o que lhes permitia ter tempo livre de qualidade, tinham em muitos casos até tempo para não fazer nada. Estão hoje em posições séniores e a maioria reporta elevados níveis de stresse. E, claro, não compreendem os Millennials ou os jovens da Geração Z, que nasceram em plena internet e dominam as tecnologias e terão profissões ou cargos que ainda nem existem. Querem trabalhar com um propósito. Para eles, o local de trabalho e horários são passado. Exigem trabalhar de onde e às horas que lhes são mais convenientes. Estão dispostos a dar o máximo quando é preciso, mas querem tempo para desfrutar a vida no intervalo entre projetos. As tarefas domésticas são divididas e, com isso, elimina-se um dos maiores obstáculos à carreira profissional das mulheres.
A comunicação social é um mundo de mulheres? Porquê?
Isabel: A comunicação social é um mundo de mulheres. Mas tal como as cozinhas são um mundo de mulheres, mas são os homens que são os chefs, há poucas mulheres em cargos de liderança nas redações. Há muito trabalho a fazer: as mulheres e os temas que mais lhes dizem respeito são ignorados pelos meios de comunicação social, são sobretudo notícia por razões erradas, há notícias redigidas em tons preconceituosos. Não tenhamos ilusões: os meios de comunicação social, tal como a sociedade em que se inserem, também sofrem de machismo. Acreditamos que os media não devem relegar a sua atribuição de contribuir para a transformação da sociedade e assumir um papel primordial na formação dos leitores: é através deles que o público é informado e sensibilizado, entre outros, para a igualdade de género e defesa dos direitos das mulheres. Para que esta função dos meios de comunicação social fosse mais eficaz, seria necessária maior presença de mulheres nos órgãos de decisão das empresas jornalísticas, que trouxessem este tema para a ribalta. Seria necessária uma constante autovigilância que obrigasse as redações a dar palco a mais mulheres, e escrutinasse permanentemente a forma como as mulheres são mais severamente julgadas, eliminando conteúdos discriminatórios, abalando convicções estereotipadas e expurgando os preconceitos de todo o exercício de informar: desde a escolha da notícia até à forma como é escrita e editada. Sem falsas modéstias, sabemos que o nosso papel é muito importante. Segundo o estudo “Gender Equality in the Executive Ranks”, da Weber Shandwick, conduzido pela Economist Intelligence Unit, os media têm tido um papel primordial, incentivando a paridade de género. Como aí se escreve, “os media têm tido um papel primordial por garantirem que a discussão e as decisões das empresas em prol da paridade de género continuem a ser temas “quentes”. Antes de fundarmos a Executiva não existia um meio de comunicação social que valorizasse o papel das mulheres na economia e na sociedade e desse palco às mulheres bem-sucedidas na sua profissão, para que, com o seu exemplo, inspirassem outras mulheres a seguir o mesmo percurso, chegando aos lugares que ambicionem e merecerem. Nestes nove anos tivemos oportunidade de dar a conhecer centenas de mulheres líderes em Portugal. Entrevistámos algumas dezenas para o site, demos voz a gestoras, empresárias e empreendedoras nos nossos livros, colocámos em palco mais de uma centena de executivas nas conferências que promovemos, distinguimos anualmente as 25 mulheres mais influentes em Portugal e, desde o ano passado, atribuímos os prémios de Executivas do Ano a uma empresária, gestora, empreendedora e revelação.
BIO
Isabel Canha e Maria Serina são jornalistas com cerca de 35 anos de carreira e fundadoras da Executiva.pt, um site de carreira para mulheres, lançado em maio de 2015. Conheceram-se na revista Exame, em 1991, e desde então trabalharam várias vezes juntas.
Isabel Canha foi editora da Exame, Fortunas & Negócios e Executive Digest, diretora da Cosmopolitan e da Exame. Maria Serina foi editora da Exame, Fortunas & Negócios, e Executive Digest, e chefe de redação e diretora da Cosmopolitan.
A Executiva nasceu quando eram editoras da Executive Digest e a Impresa lhes lançou o desafio de fazer uma revista de carreira para mulheres. Era exatamente a revista que queriam ler, mas não existia. O sucesso da Executiva levou-as à Cosmopolitan, um completo desvio do jornalismo de negócios onde tinham feito carreira até essa altura. Foram ambas diretoras da Cosmo, primeiro a Isabel e depois a Maria, quando a Isabel foi convidada para dar a volta às contas da Exame.
O título Executiva acabaria por ser descontinuado no Grupo Impresa, mas esta paixão nunca as abandonou e, 15 anos depois, decidiram recuperá-lo e lançaram o site. Fizeram-no aos 50 anos, sem investidores, arriscando o seu dinheiro.
Nove anos depois, a Executiva é uma referência em dar ferramentas e palco a mulheres diariamente no site, mas também em prémios, em ações de formação e em conferências — a Grande Conferência Liderança Feminina, que é o evento mais conhecido e já tem mais de 10 edições, tem, este ano, a sua edição no Porto, a 21 de março, e em Lisboa, a 17 de outubro.