O momento é desafiante para a imprensa nacional. Com o investimento publicitário desviado para redes sociais, marketing de influência e ativações de marca, a situação financeira de jornais e revistas agrava-se.
Neste outono, que se revela ‘quente’ nas editoras, há novos projetos na forja e títulos que voltam ao mercado. Depois de renovar o Açoriano Oriental, o Global Media Group (GMG) apresenta, em 2025, um plano estratégico que contempla a reformulação de outros títulos.
A Notícias Ilimitadas também está a delinear uma estratégia que assegure a sustentabilidade financeira, numa altura em que gráficas históricas como a Diário do Porto, a Lisgráfica e a Printer estão em processo de insolvência.
O Independente regressa em 2025
Inicialmente previsto para 2024, o regresso de O Independente foi adiado para 2025. “A essência inicial do projeto mantém-se, mas vai ser muito mais pequeno do que eu idealizava, porque o financiamento que consegui ficou aquém do que eu esperava”, explica ao M&P Inês Serra Lopes, a última diretora da publicação, descontinuada em 2006.
A empresária relança o jornal integrada numa sociedade, que já não será a Ordem das Coisas, empresa que criou com o economista Pedro Melo, que abandonou entretanto o projeto.
O ‘novo’ O Independente será ‘online’ e virado para os jovens
“Pretendo fazer um jornal online, recuperando uma parte da tradição do jornalismo e de reportagem de O Independente, virado para um público mais jovem que, normalmente, não consome jornais”, refere Inês Serra Lopes, adiantando que “vai ser um semanário em vídeo, com várias páginas por semana, que só há de encher ao fim de dez a 12 edições”.
Trust in News em suspenso
Novembro é um mês decisivo para a Trust in News (TIN), dependente do resultado da candidatura ao Processo Especial de Revitalização (PER). A editora do empresário Luís Delgado tem de convencer o Estado, a quem deve €17,1 milhões, de que tem viabilidade económica.
Com uma dívida de €32,9 milhões e ordenados em atraso, fatura menos de €8 milhões, prevendo fechar 2024 com um prejuízo de €1,4 milhões.
De acordo com o Negócios, a TIN, que detém 16 órgãos de comunicação social e emprega 155 pessoas, propõe, na candidatura ao PER, o pagamento da dívida em 15 anos, com dois anos de carência, deixando a liquidação de 45% do valor para o último mês, em 2041.
As dívidas ao Estado, ao Fisco e à Segurança Social, seriam pagas em 150 prestações mensais, ao longo dos próximos 12 anos e meio. A regularização dos €488 mil que deve em salários e subsídios em atraso seria feita no prazo de um ano, refere a proposta.
À Impresa, a quem adquiriu uma lista de títulos e publicações que inclui Visão, Caras, Caras Decoração, Exame, Exame Informática, Activa, TV Mais, Prima e Telenovelas, por €10,2 milhões, em 2018, a TIN ainda deve €4,1 milhões.
Em 2023, a empresa faturou €11 milhões. Em 2024, não conta ir além dos €7,9 milhões, chegando a dezembro com menos 34 trabalhadores. A redução da massa salarial em cerca de €750 mil, associada à redução das instalações em Lisboa e no Porto, permite à TIN poupar €400 mil. Na sede do norte, o contrato de arrendamento será suspenso após o fim do prazo de vigência.
A 25 de outubro, numa tentativa de mostrar ao mercado que ainda não deitou a toalha ao chão, a TIN lançou uma edição especial da revista Prima dedicada à Madeira, dando destaque a empresas e marcas da ilha.
A Prima aposta numa edição especial dedicada à Madeira
No mesmo dia, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmava as penas de prisão de dois anos e um mês a Luís Delgado, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos, gerentes da TIN, por um crime de abuso de confiança fiscal agravado, por dívidas fiscais acumuladas de €828 mil euros, à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 2018.
Segundo o site informativo Página Um, que noticiou a sentença, além de existirem outros processos em curso, a empresa está sob gestão de um administrador judicial. Com o Estado a possuir 51,92% dos créditos, sendo que 12,98% são detidos por instituições financeiras, 33,62% por outros credores e 1,48% por trabalhadores, as próximas semanas são decisivas para o futuro da empresa, dependente da aprovação do PER.
“Este instrumento de gestão foi pedido após uma análise cuidadosa da situação financeira, com o objetivo de garantir a sustentabilidade e estabilidade a curto e longo prazo. Estamos confiantes de que esta decisão é a melhor para a TIN”, afirma Luís Delgado ao M&P, em maio, recusando-se agora a comentar a atual situação da empresa.
Global Media segue em frente
Até ao final do ano, o GMG, que acaba de renovar o Açoriano Oriental, apresenta um plano estratégico que contempla a renovação de outros títulos, ao longo de 2025.
“Além de os melhorar e modernizar para que possam corresponder às necessidades dos leitores, é fundamental demonstrar ao mercado de anunciantes que o seu investimento é muito mais relevante em meios de comunicação de qualidade do que em plataformas que, como temos visto, raramente cumprem as leis necessárias”, afirma Diogo Queiroz de Andrade, membro do conselho executivo do GMG.
Após a venda de nove marcas editoriais (TSF, Jornal de Notícias, Jornal de Notícias História, NTV, Delas, Notícias Magazine, O Jogo, Volta ao Mundo e Evasões) à Notícias Ilimitadas, ficando apenas com o Diário de Notícias, o Dinheiro Vivo, o Motor 24, a Men’s Health, a Women’s Health e o Açoriano Oriental, o GMG procura agora seguir em frente.
“Não é segredo que a imprensa vive um dos momentos mais desafiantes da história. Ainda assim, não é verdade que os portugueses leiam cada vez menos. Os índices de leitura são cada vez maiores e o consumo de informação não para de crescer”, afirma o responsável.
Tirar maior partido da tecnologia para aumentar a produtividade é outro dos planos. “A nível da produção, da distribuição e da comunicação, há muitas oportunidades para melhorar a prestação de serviços através de ferramentas digitais, como é o caso da inteligência artificial (IA), ainda que existam outras”, refere Diogo Queiroz de Andrade.
Feita em meados de outubro, a reformulação do Açoriano Oriental, o mais antigo jornal nacional, contempla um novo grafismo, novas colunas de opinião e uma nova organização, apostando em novas secções para se aproximar dos leitores.
A mudança acontece no âmbito do projeto editorial que a nova direção da publicação está a implementar para aumentar as vendas e que contempla a renovação da oferta digital, para melhorar o alcance, dentro e fora do arquipélago.
Em relação às dívidas aos 130 trabalhadores a recibos verdes, Diogo Queiroz de Andrade garante que “os compromissos estão regularizados”, desmentindo o número de colaboradores, avançado pela Lusa. “Há um conjunto variável de prestadores de serviços com quem temos relações mais ou menos regulares, mas nada que se aproxime dessa dimensão”, refere o responsável.
Revistas femininas em fases distintas
Nas revistas femininas, a agitação também é grande. Ao contrário da revista Prevenir, que não sobreviveu ao encerramento da House of Words (HOW), a Saber Viver conseguiu manter-se no mercado, pelas mãos da diretora, Tânia Alexandre, que criou uma editora, a Léxico Definido, para manter a publicação.
“Temos trabalhado muito para contornar as dificuldades do setor e temos conseguido. A revista tem conquistado novas marcas, sobretudo no setor de luxo, atraindo também uma nova geração de leitores, com conteúdos com os quais se identificam”, assegura a diretora da Saber Viver.
A Saber Viver tem conquistado novos anunciantes
Em sentido aposto evolui Cristina, a revista de Cristina Ferreira. Desde meados de 2018, altura em que as vendas caíram 49%, que o título tem tido dificuldades em atrair leitores. Nas últimas semanas, começaram a circular indicações que apontam para o encerramento da revista no início de 2025.
O M&P procurou confirmar a situação com a ‘publisher’, que é diretora de entretenimento e ficção da TVI e acionista da Media Capital, sem resposta, até ao fecho desta edição.
A comemorar 36 anos, a Máxima, que deixou de ser impressa em junho de 2020, passando apenas a ter uma edição digital, regressa às bancas, a 30 de outubro, com uma edição especial colecionável, com 290 páginas.
Com três capas, é vendida a €6,90. Os leitores que a quiserem adquirir com a oferta especial que a acompanha desembolsam €7,90. A publicação feminina do grupo Medialivre deu origem a um programa de reportagens e entrevistas no canal de televisão Now, no verão.
Jardins reinventa-se
Seis meses depois do encerramento da HOW, que editava a Jardins, Teresa Chambel, que mantém o título através da editora Sopa de Letras/SL Media, está entusiasmada com a evolução do negócio.
“No ‘print’, hoje, vive-se um dia de cada vez mas, por sermos a única revista do setor em banca, não houve grandes alterações. Os anunciantes ficaram todos connosco e entraram marcas novas. Em termos de vendas, os números também se mantiveram”, revela a CEO da Sopa de Letras.
A Jardins investe nas redes sociais para alargar a base de assinantes
Embora o preço de capa tenha subido de €3,90 para €4,20 por causa do aumento do preço do papel e dos custos de distribuição, não foi necessário reduzir as tiragens, que se mantêm nos 15 mil exemplares.
“O ‘print’ ainda tem um certo encanto e temos a sorte de fazermos muitos contratos [publicitários] anuais. Além de termos o digital a funcionar muito bem, fizemos muitas campanhas de assinaturas. Temos cerca de 400 assinantes. Fizemos, pela primeira vez, campanhas pagas nas redes sociais, que correram muito bem”, refere a ‘publisher’, que também edita a pH, revista de saúde de distribuição gratuita em farmácia, que foi reformulada no verão, passando a ter uma versão digital, site e redes sociais.
Notícias Ilimitadas reestrutura direções
A nova fase da Notícias Ilimitadas também tem servido para traçar um novo caminho. “As alterações [em curso] enquadram-se numa estratégia com vista a construir um projeto de comunicação social sustentável e a pensar no futuro”, justifica a empresa de media, que é detida pela Verbos Imaculados, em comunicado de imprensa.
Além de ter nomeado Inês Cardoso, ex-diretora do Jornal de Notícias (JN), para o cargo de diretora-geral editorial de todos os títulos do grupo de media, incluindo JN, TSF, Jornal de Notícias História, NTV, Delas, Notícias Magazine, O Jogo, Volta ao Mundo e Evasões, promoveu Vítor Santos a diretor do JN e Artur Madeira, ex-coordenador das redes sociais da empresa, a diretor digital adjunto.
Público prepara plano estratégico
À semelhança da Notícias Ilimitadas, o Público também está a preparar um plano estratégico para aumentar as receitas. Cristina Soares, administradora da Sonaecom, empresa que detém o jornal, anunciou que o documento será apresentado “em outubro ou novembro”, mas, até agora, ainda não foi tornado público.
A executiva garante, no entanto, que a estratégia em preparação não implica o avanço para uma reestruturação, noticia a Marketeer, citando um comunicado de imprensa da comissão de trabalhadores do Público, enviado à Agência Lusa.
A intenção é contrariar a atual tendência de quebra nas vendas e na publicidade. “A empresa está a analisar quais são as iniciativas possíveis para fazer face a essa realidade e qual será a melhor estratégia digital para assegurar o futuro do Público”, afirma a administradora da Sonaecom.
“As únicas pessoas a trabalhar com a administração no desenho deste novo plano estratégico são os membros da direção editorial”, refere Cristina Soares. O plano é desenhado após as receitas das edições em papel terem sofrido uma queda de €500 mil no primeiro semestre do ano, altura em que o número de subscritores digitais também desceu.
Blitz regressa às bancas
Novembro marca também o regresso às bancas do jornal musical Blitz. A edição especial comemorativa dos 40 anos do título está a ser delineada por Miguel Cadete, diretor da publicação da Impresa.
Em outubro, o grupo já tinha lançado o novo caderno Ideias do Expresso, uma das novas apostas editoriais do jornal, com artigos de opinião de Isabela Figueiredo, Rodrigo Guedes de Carvalho e Ricardo Dias Felner e análise de Henrique Raposo, Luís Pedro Nunes e Eugénia Galvão Teles.
Nos 40 anos, em novembro, o Blitz volta a ter uma edição em papel
Nos últimos anos, o semanário tem procurado reinventar-se para se aproximar dos leitores, estratégia que reforça em 2025. “Fechámos o primeiro semestre deste ano com uma circulação paga de mais de 85 mil exemplares, sendo quase 50 mil assinaturas digitais. Os portugueses não estão a ler cada vez menos. Estão é a ler de forma diferente”, avança ao M&P João Vieira Pereira, diretor do Expresso.
A falência de gráficas históricas –––As gráficas estão a ser arrastadas pelas dificuldades da imprensa em papel. A Diário do Porto é a última a falir, depois da Lisgráfica, que não viu o plano de viabilização aprovado, seguindo o mesmo caminho da Printer. Fundada em 1832 para imprimir o jornal homónimo, a gráfica Diário do Porto está em insolvência. Apesar de ter como clientes empresas e organizações como a EDP, a Fundação de Serralves, a Casa da Música e o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), deixou de ter viabilidade. A Lisgráfica declarou falência após o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, em Sintra, ter rejeitado o plano de recuperação da empresa, levando ao fecho da gráfica responsável pela impressão de publicações como o Expresso e a Visão, noticiou o Jornal de Negócios. A Lisgráfica, que empregava 110 funcionários, deve €78,7 milhões. O processo de liquidação dos bens, em curso, implica o encerramento definitivo da atividade e a cessação dos contratos de trabalho. Com uma dívida de €27,3 milhões, a Printer Portuguesa também faliu. O World Opportunity Fund (WOF), fundo sediado nas Bahamas que deteve títulos como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e o O Jogo, exige-lhe €2,8 milhões, €2,5 milhões pelo financiamento que lhe concedeu e €381 mil em juros. |