“Há potencial para um canal angolano de informação”
Na MultiChoice desde Setembro, Nuno Santos, content manager para os mercados de língua portuguesa da operadora, faz o balanço destes primeiros 10 meses

Carla Borges Ferreira
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Em Maio, pela mão de Nuno Santos, a DStv estreou o Big Brother, o “tema do momento em Angola”. Responsável há 10 meses pelos conteúdos em lingua portuguesa da Multichoice, o ex director de informação da RTP faz o balanço desta experiência.
Meios&Publicidade (M&P): Terá começado a estudar em pormenor o mercado televisivo angolano há cerca de um ano, antes de aceitar o convite da MultiChoice para liderar a gestão e compra de conteúdos, desenvolvimento de novos canais e as relações da operadora com parceiros de língua portuguesa. O que é que o surpreendeu, pela positiva e pela negativa?
Nuno Santos (NS): Quando comecei tinha um diagnóstico traçado que resultava de muita informação recolhida, mas não tinha a experiência do terreno e isso faz toda a diferença. Os mercados que eu conhecia, designadamente o português, são mercados onde foi atingida a maturidade e onde há pouco espaço para a inovação. A tecnologia tem um papel importante, mas tudo o resto é muito previsível. Em África há um grande potencial de crescimento. Há enormes dificuldades para, por exemplo, produzir localmente, mas já foi mais difícil. Em contraponto – e em Angola isso sente-se muito – o público quer ter acesso aos melhores conteúdos, sejam de ficção, desporto ou outros. Angola começa a ter uma sociedade muito exigente, o que é um sinal excelente.
M&P: Lançaram em Maio o Big Brother Angola, formato que em Portugal ajudou a revolucionar, em 2000, o panorama televisivo. Como é que está a correr? Foi num canal próprio da operadora e com as galas de domingo transmitidas na TV Zimbo, único canal privado em sinal aberto do país…
NS: O balanço é óptimo. É o tema do momento em Angola. A Zimbo foi a nossa parceira no lançamento do projecto, o que foi muito importante, mas o Big Brother está assente nos canais exclusivos aos quais só têm acesso os subscritores da DStv.
M&P: O Big Brother foi o primeiro de uma série de reality shows emitidos em Portugal nestes últimos 14 anos. Imagina um cenário semelhante no mercado televsivo angolano?
NS: Não sei se exactamente com a mesma configuração, mas é inevitavel que os grandes formatos e as grandes produtoras de entretenimento cheguem a Angola. É apenas uma questão de tempo.
M&P: Um dos objectivos, quanto integou a MultiChoice era encomendar conteúdos a operadores portugueses. Tem vindo a ser concretizado?
NS: Tem vindo a ser activamente trabalhado. Estava no meu caderno de encargos. Com Portugal e também com o Brasil. É fundamental, interessa às duas partes e, a seu tempo, quando estiver concretizado e nos exactos termos em que vai estar, falarei sobre isso.
M&P: Em Angola, ao contrário do que acontece em Portugal, não há dados de audiências diárias. Como é que avaliam o consumo de televisão, os formatos/canais preferidos pelos angolanos? É programar sem dados?
NS: É, de facto, muito diferente. Não há audimetria mas há, quando são considerados relevantes, estudos de mercado. Depois, hoje a tecnologia também já é um instrumento importante. Dispomos já de milhares de boxes instaladas que nos permitem saber o padrão de consumo. Ao mesmo tempo, os anunciantes começam a ser cada vez mais activos e a procurar os meios. Angola é um país trepidante, Moçambique tem todas as condições para ter um comportamento na mesma linha.
M&P: Esteve na génese da SIC Notícias, canal que rapidamente assumiu a liderança do cabo. Em Angola há potencial para um canal de informação?
NS: Há, sem nenhuma dúvida. Não apenas por questões políticas, que até serão as menos relevantes. A economia, no entanto, gera muita informação, o desporto, que é muito importante na sociedade angolana, também. Há uma importante massa crítica no país que é também um país muito jovem, onde o trabalho feito na área da educação é notável, o que significa que há cada vez mais gente com acesso e apetência para consumir um canal informativo.
M&P: Como jornalista, como é que vê a evolução da comunicação social em Angola?
NS: Não se trata de evitar a pergunta, mas responder de forma sólida implica viver em permanência no país. Não é o meu caso, apesar de estar com frequência em Luanda. Por vezes sinto uma certa auto-censura, mas não é muito diferente da que encontrei em algumas redacções em Portugal. Um pouco a ideia de que “é preciso cuidado como se aborda o tema X ou Y…”. É uma sensação, sublinho. Ao mesmo tempo leio – e já lia antes – articulistas muito critícos do poder político e económico. E que fazem essas critícas em Luanda, não a partir de fora. Como jornalista o que desejo é que o país tenha uma comunicação social cada vez mais forte e independente dos vários poderes porque, como sempre ouvi ao dr. Francisco Balsemao, é preciso que os meios sejam rentáveis para serem verdadeiramente independentes.
M&P: “Não vou para o paraíso. Claro que vou para um continente emergente onde há um grande potencial de crescimento, mas onde vou encontrar com toda a certeza dificuldades que nós não temos aqui. Mas também uma capacidade de trabalho e uma cultura de negócio muito diferentes da nossa. Melhor que a nossa. Não tenho dúvidas.” A afirmação foi feita à Notícias TV, em Setembro do ano passado, antes de ingressar na MultiChoice. Após estes primeiros nove meses, qual o balanço?
NS: Ao fim destes nove meses poderia repetir essas palavras. Todas. Sem excepção. Para mim tem sido uma experiência fascinante, num sítio novo e num grupo, a Naspers, com uma escala verdadeiramente global. Tenho uma tarefa concreta e muito estimulante – os mercados de língua portuguesa – mas estando onde estou tenho uma visão panorâmica do mercado dos media. Portugal não me poderia dar isso.
M&P: Os motivos que o levaram a deixar a direcção de informação da RTP, e a própria RTP, são públicos. Como é que estão hoje as relações com a televisão pública portuguesa? Imagino que tenham que existir, uma vez que lidera a área de conteúdos portuguses do maior operador de televisão por subscrição africano…
NS: Nunca faria essa confusão. As instituições estão sempre acima das pessoas. Tenho conversado com os responsáveis da RTP e faço-o com inteira boa fé.
M&P: A saída da RTP esteve na origem da sua saída de Portugal. Como “emigrante”, como é que avalia a oferta dos canais nacionais nos mercados onde está actualmente (Angola, Moçambique e África do Sul)?
NS: A África do Sul é um caso diferente, mas em Angola e Moçambique a televisão pública foi monopolista até há pouco tempo. Isso tem uma determinada carga – na organização, nos metódos. Mas, com inteira justica, tenho encontrado gestores muito qualificados e responsáveis de conteúdos que sabem bem o que é o mercado, que entendem que estão hoje em concorrência. Julgo que num caso e noutro vão andar mais depressa do que nos andámos.
M&P: E em relação aos canais portugueses disponíveis nesses mercados?
NS: É possível melhorar essa oferta, é bastante provável que melhore no horizonte de um ano e meio, altura em que devemos ter mais conteúdos de Portugal em África, mas neste momento a oferta já é bastante boa. Os principais canais portugueses estão lá, já não é aquela coisa de os emigrantes, pobrezinhos, só terem a RTP Internacional.
M&P: Faz em Setembro um ano que ingressou na Multichoice. Equaciona um regresso a Portugal?
NS: Não está para já nos meus horizontes, mas não faço juras eternas.