Opinião: Novidades do MIPCOM 2023
Duas guerras a dominar a atualidade social e audiovisual noticiosa, uma recessão a travar investimentos, de um lado, e a inteligência artificial (IA) a empurrar para a frente, pelo outro. […]

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Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics
Duas guerras a dominar a atualidade social e audiovisual noticiosa, uma recessão a travar investimentos, de um lado, e a inteligência artificial (IA) a empurrar para a frente, pelo outro. De permeio, as novidades de conteúdos ou nem tanto. Mas já lá vamos.
Como habitualmente, Cannes recebe, em outubro, no Palais des Festivals, o MIPCOM, reunindo a indústria do audiovisual durante quase uma semana. Criadores, produtores, intermediários e exibidores, passando pela tecnologia (em menor número, mas cada vez a crescer mais), aqui se juntam todos para vender e comprar os novos formatos que há para apostar e mostrar em qualquer ecrã (outrora diríamos simplesmente “formatos televisivos”, mas já não chega).
IA, pois claro
Sem surpresas foi o tema dominante de todas as conversas, painéis e apresentações. No segundo dia teve, aliás, uma manhã num formato diria inédito, de quase três horas em redor do tema. Abordaram-se questões criativas, mas sobretudo processuais, onde duas intervenções marcaram: a Aive, uma solução faz-quase-tudo para retrabalhar vídeo, que analisa e extrai insights, permite gerar clipes de forma ágil, colocar legendas, escolher os melhores momentos ou aplicar filtros temáticos, etc. E a Google que, não pela tecnologia, mas pelo caso em redor da aplicação da IA a uma etapa criativa: da receção, análise e processo de decisão em redor dos guiões, onde foi mostrado como o processo, hoje manual e humano, de receção, arquivo, leitura e discussão passa a poder ser feito com muito menos enviesamento, mais rápido, com partilha rápida dos eixos fortes e fracos de cada guião, comparabilidade com outros programas já feitos, potencial de audiência, etc. Uma revolução a caminho e uma abertura ainda maior ao talento escondido.
Outra transformação que a nós, portugueses, nos diz muito: o vubbing. A capacidade de, um dia, deixar de haver tradução e dobragem/legendagem, passando os filmes e séries a serem falados nas várias línguas com recurso à IA, gerando a voz na língua do país e os rostos dos atores recriados com novos movimentos faciais sincronizados com o novo áudio. Só não sei como iremos reagir ao ver o Tom Cruise ou a Scarlett Johansson a falar português perfeito.
De uma forma ou outra, a mensagem era a mesma em todos os painéis: a tecnologia já não é o tema. Hoje, é sobretudo uma questão de design (colocar a tecnologia de forma amigável e usável por qualquer pessoa) e uma questão humana (de adoção, formação e mudança de processos). Por fim, em direto do Parlamento Europeu, o eurodeputado romeno Dragos Tudorache, que integra o grupo de trabalho encarregue de desenvolver o regulamento AI Act, explicou os três eixos em avaliação: labelling (ou como regular aquilo que é impossível ou difícil de distinguir entre o que é real e gerado artificialmente); responsabilização (às empresas pelas soluções que coloquem no mercado e aos utilizadores que usem as soluções) e direitos autorais (protegendo as obras já existentes e permitindo que continuem a emergir novas).
Tendências – Consumo
A empresa de estudos de mercado Glance, que já vai sendo presença habitual e residente, no primeiro dia mostrou dados de como a outrora estratégia do streaming, de estrear tudo primeiro e em exclusivo, dá agora lugar a um windowing mais diversificado: primeiro no cinema, depois no streaming e no aluguer, a seguir nos canais cabo e nos generalistas. E, até mesmo no licenciamento, os grandes estúdios de produção, ao invés de estrearem no seu streaming, cedem já durante uma janela de curtos meses esse privilégio a outras plataformas (sobretudo variável consoante as várias regiões).
Ainda no streaming e no on-demand, a ficção continua a dominar o consumo em horas vistas, mas agora a dividir palco com formatos unscripted, destacando realities, programas de aventura e comédia. Na distribuição em canais lineares, a tendência de mais horas passadas em frente do ecrã aumenta com os concursos.
Tendências – Conteúdos
As maiores novidades continuam a vir das histórias e menos dos conceitos. Concursos, realities, talent shows, game shows… os conceitos que já conhecemos continuam a ser os mais atrativos e qualquer “novidade” apresentada acaba por ser uma derivação de uma ideia já feita: do concurso onde a casa está inclinada, agora temos a casa a girar e a pôr todos de pernas para o ar; dos dating shows que juntavam sobretudo casais jovens, agora temos o mesmo, mas focado em segundas relações.
Já nos formatos de ficção, não-ficção e documentários há boas histórias (de relembrar o que foi partilhado neste mesmo evento, há quatro anos, com o talento a ser pago a peso de ouro nestas áreas pelas plataformas de streaming). A destacar a manutenção da realeza britânica como filão. Também o desporto (e muito os atletas e treinadores) e os grandes rostos globais (Putin e Elon Musk destacados). Sem surpresas, mas a continuar a subir acima da média, o tema sex & celebs, onde os escândalos locais ou mundiais, como “Johnny Depp vs Amber Heard”, ganham espaço de visionamento.
Por fim, boas notícias para Portugal. Continua a crescer o consumo de conteúdos falados fora do inglês e espanhol, o que significa que as produtoras e os canais nacionais podem ambicionar mais, mas estando também a competir com outros países já muito reforçados pelas suas economias e instituições estatais locais nesse apoio de internacionalização, de onde o caso mais exemplificativo é a Turquia.
China
Uma nota final para o país convidado deste ano, a China, que demonstrou um mercado enorme na Ásia, a fazer crescer as produções numa escala muito difícil de replicar na Europa. A tecnológica Tencent (a nível mundial só é ultrapassada pela Apple, Google, Amazon, Meta e Alibaba) mostrou como está a aliar tecnologia com produção de conteúdos (para jogos, cinema, streaming e social media) e com distribuição digital (WeTV). Preparemo-nos…
Fechadas as cortinas da sala, para o ano há mais MIP.
Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics