Sérgio Denicoli, investigador da Universidade do Minho e autor da tese sobre a introdução da TDT em Portugal
“O processo da TDT foi conduzido para confundir e não para esclarecer”
Investigador acusa a ANACOM de servir os interesses da PT e prevê que o apagão do sinal analógico instale o caos.
Elsa Pereira
O que pode ler na edição 964 do M&P
M&P 964: Entrevista com Filipa Appleton + De Portugal Para o Mundo com João Silva, no Dubai + Maria Cristina Anahory
Fora do Escritório com Rodrigo Freixo, diretor de crescimento do WPP Portugal
Canal angolano TV Zimbo chega a Portugal
Wowme assume comunicação da marca francesa Le Creuset
Há mais anunciantes a abandonar o X
Portugueses estão a ler mais, revela estudo da APEL
Campanha dos copos da McDonald’s está de regresso
Uma verdade com uma solução tão simples
Fora do Escritório com Pedro Ribeiro, diretor criativo da Tux&Gill
A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) divulgou esta semana um inquérito levado a cabo pela Marktest que mostra que, a poucos dias da conclusão do processo de migração para a TDT (Televisão Digital Terrestre), 7,8% da população não tem intenção de se preparar para o apagão final do sinal analógico que terá lugar no próximo dia 26 deste mês. Para Sérgio Denicoli, investigador da Universidade do Minho e especialista nesta matéria, “é impressionante como todo o trabalho de divulgação por parte da ANACOM tem funcionado”. “Tem-se tentado sempre dourar a pílula, mas desde o início que há assimetria de informação”, acusa o perito. “Não percebo como é possível que digam que ‘já 70% da população aderiu à TDT’. Já? Então e os outros 30%? O apagão vai ser um caos”, preconiza, “pelos meus cálculos, cerca de 1 milhão e 600 mil pessoas poderão ficar sem TV”.
Relativamente aos quase 8% de pessoas que não tencionam preparar-se para receber o sinal digital, número este precedido de um “apenas” no comunicado da ANACOM, o perito ainda é mais cáustico. “8% da população corresponde quase a Lisboa e Braga juntos e acham que é pouco?”, questiona. No entender de Sérgio Denicoli estamos perante uma “captura regulatória”. “A ANACOM tem a obrigação de divulgar e de proteger o regulado, não de servir os interesses da Portugal Telecom”, comenta, não considerando inócuo o súbito crescimento do consumo de canais por subscrição. “A despreocupação da ANACOM só pode ser uma manobra para servir interesses instalados”, reforça o investigador.
Por outro lado, Denicoli chama a atenção para a não divulgação dos valores dos subsídios atribuídos pela PT. “Se há um monopólio esses dados têm que ser públicos, é um absurdo que não o sejam”, referindo ainda que grande parte das pessoas não usufruiu destes apoios, sobretudo pela excessiva burocracia a eles associada. O perito prevê que a partir de dia 26 “os mais carenciados vão mesmo ficar sem televisão” e “que a PT vai oferecer cada vez mais pacotes promocionais para que adiram ao cabo”. “Está a tentar incutir-se na cabeça das pessoas que é preciso pagar para ter boa televisão e lamento muito todo este absurdo, mas não foi por falta de aviso”, aponta Sérgio Denicoli, que não tem conhecimento de qualquer outro país em que situações análogas tenham sucedido. “Portugal é o único em que existe uma ligação entre a TDT e a TV paga”, frisa.
Ao mesmo tempo, diz, “a tornar todo este processo ainda mais nebuloso está a mudança no sistema de audiências em simultâneo com a implementação da TDT”. E explica: “Não sabemos se os ajustamentos que estão a ocorrer se prendem ou não com a TDT”. Ora, atendendo ao target core da RTP1, Denicoli antevê que o canal é aquele “que mais vai continuar a perder”, tendo em conta a faixa da população que ficará sem TV. Aliás, “talvez estas medições já o estejam a reflectir, mas nunca vamos ter certezas”. O especialista acredita ainda que “há fortes implicações políticas por detrás de tudo isto”, rematando: “O processo da TDT foi conduzido para confundir e não para esclarecer”.
Denicoli denuncia ainda que, segundo uma lista divulgada pela ANACOM sobre a rede da TDT implementada pela PT até 13 de fevereiro deste ano, “52% dos 308 concelhos do país têm uma cobertura inferior aos 90,12% da população determinados pela Lei como cobertura mínima no Continente”. Deste total, reforça, “8% dos concelhos (25 municípios) têm uma cobertura que não atinge nem metade da população. Há casos, como os conselhos açorianos de Santa Cruz das Flores, Lajes das Flores e Corvo, onde não há qualquer sinal da TDT”. Para o especialista, “provavelmente a falta de cobertura em muitos municípios vai resultar na queda das audiências”. E “como a publicidade muitas vezes é calculada de acordo com o CPM (custo por mil telespectadores), isto terá reflexos nas receitas dos canais generalistas”, conclui.