‘As farmácias são o verdadeiro retalho moderno em Portugal’
Pedro Casquinha assumiu em Janeiro o cargo de chief marketing officer da Associação Nacional das Farmácias (ANF), depois de 18 anos na Unilever. O programa Farmácias Portuguesas completou um ano […]
Maria João Lima
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Pedro Casquinha assumiu em Janeiro o cargo de chief marketing officer da Associação Nacional das Farmácias (ANF), depois de 18 anos na Unilever. O programa Farmácias Portuguesas completou um ano e conta já com mais de 650 mil aderentes, mas a relação com as farmácias não fica por aqui.
Meios & Publicidade (M&P): Qual foi o desafio que lhe lançaram para vir para a ANF?
Pedro Casquinha (PC): Não se trocam quase 18 anos de uma organização se o desafio não for realmente diferente e grande. Diferente porque estamos, no sector da saúde e do bem-estar, numa fase de mudança de paradigma. O sector está a redefinir-se devido às alterações que existiram de liberalização da propriedade da farmácia, da possibilidade de haver descontos em medicamentos, de haver novos espaços de venda de medicamentos não sujeitos a receita médica e da própria redução das margens dos medicamentos. O desafio que considerei particularmente interessante foi estar no olho do furacão. As farmácias são desde há muito o espaço de saúde mais credível e em que os portugueses mais confiam. Isto é inegável por muito que se vistam batas a senhoras nos supermercados. O farmacêutico continua a ser a autoridade nesta área. Há mudanças que vão ocorrer.
M&P: Como assim?
PC: No passado, a farmácia era um espaço 100% de venda de produtos. Hoje quando entramos numa farmácia, falamos de produtos, de serviços e de aconselhamento. No passado, todos os consumidores eram iguais e não os conhecíamos. Hoje, um espaço como uma farmácia portuguesa tem a capacidade para conhecer personalizadamente as pessoas que visitam esse espaço e, por isso, pode apresentar-lhes propostas dedicadas. Enquanto que em muitos sectores fidelizar significa ver quem dá mais descontos, o que se fala num espaço de saúde e bem-estar como são as farmácias, trata-se de surpreender com ofertas que aumentem o cross selling que consigam ter um preço interessante e que sejam dedicados àquela pessoa. Isso é possível de fazer se conhecer o padrão de consumo de produtos e serviços de saúde e bem-estar de uma pessoa. As farmácias pretendem criar e reforçar os laços que têm com o consumidor. O outro elemento de desafio que me fizeram é que nós estamos aqui a construir a grande marca de referência de saúde em Portugal. As Farmácias Portuguesas têm atributos únicos e distintivos. Tem a credibilidade e autoridade no universo da prescrição, com as vantagens de ter uma rede virtual de retalho poderosa com dois mil e tal pontos de venda com o marketing centralizado.
M&P: Quando entrou já estava em curso o programa de fidelização das farmácias. Qual tem sido a sua intervenção neste projecto?
PC: Qualquer programa de CRM começa realmente a trabalhar quando arranca a base de dados. Nós tivemos uma adesão fantástica. O programa é a consequência de algo que começou antes, que foi a união dentro de uma marca única umbrella chamada Farmácias Portuguesas. A rede é constituída por mais de dois mil empreendedores que são os donos das farmácias. O programa trouxe uma base de informação muito vasta, ainda por tratar – é assim que eu apanho o programa – , e com a capacidade de poder começar a qualificar consumidores. A minha intervenção nestes primeiros meses tem sido a três dimensões. Primeiro continuar a dar relevância à marca Farmácias Portuguesas.
M&P: Quando é que a marca começou a ser construída?
PC: Em Março de 2008. Depois houve a construção no local das farmácias: começarem a ter a cruz, a ter um conjunto de elementos identificativos no próprio ponto de venda com o objectivo de tornar o ambiente agradável. As pessoas não têm que ir à farmácia numa situação de “scare”. O desafio é que a farmácia seja um espaço aprazível onde me desloco de uma maneira “care”. Ou seja, passamos de “scare” para “care”. Tenho atendimento único, diversidade de produtos e serviços que mais nenhum espaço pode ter. O segundo aspecto da minha intervenção tem sido na qualificação da base de dados. Isso é realmente crítico porque quando falamos de merecer a confiança da população estamos a falar não só em produtos, mas sim uma gama alargada de serviços: vacinas, primeiros socorros, acompanhamento personalizado de terapêuticas e meios complementares de diagnóstico e de terapêutica. É por aqui que uma base de dados qualificada pode ser importante porque o cartão é um meio para um fim último, que é o farmacêutico poder conhecer na sua farmácia as diferentes características das pessoas que a visitam. O nosso esforço tem ido também em ter rapidamente uma base de dados que funcione para nós: qualificada, rica, com os indicadores importantes para podermos ser fieis à máxima de que todos são iguais, mas uns mais iguais que outros. Tenho que ter capacidade nesta base de dados para adaptar a minha oferta. Além disso, não podemos fazer um programa sentados no gabinete. Temos que continuar a ter o farmacêutico completamente envolvido com o programa, com os resultados e a perceber que este programa lhe vai dar de ferramentas que no passado não tinha.
M&P: Mas o que retira o farmacêutico do programa?
PC: Um utente tradicional de uma farmácia investe 80% da sua despesa em medicamentos e 20% em medicamentos não sujeitos a receita médica e produtos de higiene e beleza. Aquilo que ele hoje já sente é que um titular do cartão Farmácias Portuguesas gasta metade em medicamentos e a outra metade em medicamentos não sujeitos a receita médica e produtos de higiene e beleza. É uma mudança brutal. O farmacêutico percebe que o titular do cartão tem mais possibilidades de quando entra na farmácia ter um padrão de comportamento nestas áreas do que ser a mera dispensa de medicamentos. Agregarmos os valores da farmácia dentro de uma rede nacional é algo que ele sente como fazendo parte de uma realidade mais vasta. Isso é importante porque através das campanhas que fazemos, ele sente que há elementos de escala e uma curva de aprendizagem muito mais rápida do que se ele como empreendedor tivesse todo esse esforço.
M&P: Tem ido a farmácias?
PC: Tenho ido a muitas farmácias. O programa não é isento de melhorias. Quis ouvir da boca deles, olhos nos olhos, o que pode ser melhorado no programa, nomeadamente a questão da personalização das ferramentas. Ainda não estamos numa fase em que a farmácia tenha acesso a todas as ferramentas. Mas vamos estar numa fase em que farmacêutico e farmácia vão saber quais são os utentes mais valiosos, os que precisam de acompanhamento especial…
M&P: Como é que se transforma farmácias antigas para terem esta nova imagem?
PC: Isto não é uma rede de lojas. É uma rede de pessoas que estão extremamente abertas à mudança. Pense no que era uma farmácia há dez anos e no que é hoje. Acredito que as farmácias são o verdadeiro retalho moderno em Portugal. Houve uma erosão dos pontos de venda tradicionais dos centros das cidades. As farmácias foram quase o único tipo de loja que sobreviveu à erosão dos centros das cidades e se modernizou. Quando comparo as cadeias logísticas, a gestão de stocks, a política de comunicação, o nível de serviço e atendimento e o nível de inovação, o outro retalho quase parece amador. As farmácias chegam a receber produtos quatro vezes por dia. O tipo de serviço e acompanhamento que o farmacêutico tem com o seu utente é ímpar. Quando falamos de uma farmácia estamos a falar de um retalho de tal forma sofisticado que nem as grandes cadeias conseguem ter este tipo de backoffice pronto. Não sou só eu que penso assim. Ainda agora recebemos um pedido do ISCTE para um estudo sobre o fenómeno das farmácias.
M&P: No primeiro ano conseguiram 650 mil aderentes ao cartão, quando tinham um objectivo era de 440 mil. Qual o objectivo final de aderentes?
PC: Depois deste ano é perigoso estabelecer objectivos. Foram 2600 as farmácias aderentes. Outro elemento que registamos é ver se este é mais um cartão ou se as pessoas o usam. As pessoas nos últimos meses estão a ter níveis de rebates perto dos 50%. Significa que as pessoas estão a usar cada vez mais o cartão para acumular pontos e rebater por produtos e serviços. Vamos caminhando com passos seguros e decididos, mas não estabeleço um objectivo numérico porque de nada me interessa chegar a um milhão e quinhentos se depois não tiver uma base de dados qualificada, que esteja a funcionar para o programa e que as pessoas estejam a consumir com o cartão. Nós temos que equilibrar os objectivos porque há um ciclo que se encerra. Nós chegámos, com dados de ontem [22 de Março], a 662 mil utentes. Temos que ir acompanhando esse elemento quantitativo com o elemento qualitativo. Desses 660 mil a base de dados consegue dizer-me quem são os heavy consumers? E os que estão com a terapêutica X? E quantas mulheres abaixo dos 40 anos e com filhos até aos 4 anos? Vamos continuar a crescer de maneira sólida, sustentada, mas para mim o mais importante é o elemento qualitativo, ou seja, como é que eu estou a aproximar-me do meu consumidor e do utente da farmácia.
M&P: Referiu que as pessoas aumentaram o seu consumo nas farmácias de produtos de produtos de higiene e beleza. Podemos considerar que agora é concorrente, por exemplo, da Unilever?
PC: Nós somos um canal de distribuição que tem muito gosto em trabalhar com todos os parceiros. Veja-nos um pouco como uma forma inteligente do consumidor poder adquirir esse tipo de produtos. Porque tem aconselhamento personalizado, porque tem alguém que lhe sabe indicar na hora como é que o produto se utiliza, como deve ser utilizado, sabe dizer se seis meses depois ainda tem validade e se deve ou não usá-lo. Um farmacêutico tem centenas de horas de formação todos os anos. Não há nada que vá ser colocado na sua farmácia que ele não esteja habilitado para falar sobre esse produto, indicar o serviço certo… Com a liberalização que ocorreu neste mercado, temos um conjunto de outros espaços que procura, usando um bocadinho o código das farmácias (batas, cruzes, display), replicar aquilo que existe na farmácia. Aquilo que eu digo é que com a saúde não se brinca. É importante que o consumidor saiba bem quem é que tem a credibilidade para isso.
M&P: Mundando de assunto e falando do passado, qual o balanço que faz de 18 anos na Unilever?
PC: É um balanço muito bom. Saí daquela casa com a dívida de gratidão saldada. O grupo Unilever Jerónimo Martins é uma referência em muitas áreas e em muitas disciplinas ligadas ao consumidor final porque dispõe de ferramentas e técnicas de gestão únicas e dispõe de profissionais de grande valia. Com muitos deles eu tive a ocasião de aprender muitíssimo. Tive a sorte de poder estar em muitas áreas distintas e poder exercer a minha função em muitos países distintos. Foi extremamente enriquecedor.
Há um momento em que temos que saldar essa dívida e eu acho que a condução dos destinos, nomeadamente, da divisão home & personal care, permitiu, com algum orgulho digo isso, encontrar caminhos para as grandes questões que tínhamos na altura.
M&P: Qual a diferença entre vender numa farmácia ou num supermercado?
PC: O que é parecido é que trabalhamos para uma única entidade que é o consumidor. É isso que aproxima qualquer sector da área de consumo às farmácias. Há uma perspectiva clara para quem é que trabalhamos. O sector das farmácias é um sector muito mais regulamentado. As margens estão definidas. Há uma regulamentação mais apertada. As farmácias são a porta de entrada para o Serviço Nacional de Saúde. Há um modelo que tem a ver com procurar soluções para problemas concretos da população. Hoje em dia prestam serviços que não faziam no passado.
Lembro, por exemplo, o sucesso que foi o começo da aplicação das vacinas na farmácia que começou no final do ano passado nomeadamente com a vacina contra a gripe. Nas farmácias estamos a falar da saúde e não de produtos de usar e deitar fora. Se tenho uma questão, preciso de um conselho ou de um acompanhamento diferenciado vou à farmácia. Há um papel social muito grande na farmácia.
M&P: Porque diz isso?
PC: Não só pelas pessoas que passam na farmácia para conversar, mas pelo facto de a farmácia poder ter uma responsabilidade de ajuda para quem tem dificuldades. E isto é dramático nos tempos que correm. Mais de 200 mil utentes têm dificuldade em pagar os seus medicamentos e a quem as farmácias prestam serviço à antiga, com o caderninho do fiado. Eu não sei quantas cadeias de distribuição o fazem em Portugal, mas a farmácia fá-lo. Também por aí o cartão das farmácias é importante. As pessoas com a vertente bancária daquele cartão podem pagar até 90 dias sem juros. A farmácia passa o ónus do “fiado” para o programa Farmácias Portuguesas. São elementos de carácter social que não estão presentes noutras áreas.
M&P: O que é que mudou no consumidor desde que iniciou a sua carreira no marketing?
PC: Isso daria outra entrevista e dois congressos. Há uma priorização diferente da forma como gere o seu budget do mês. Há categorias que hoje existem que há 20 anos não existiam ou em que a sua relevância era negligenciável.
Quando vivo situação de menor desafogo financeiro há áreas que eu aprendi a perceber que são mais rígidas do que outras. O grande consumo sofre porque ou me movo para cadeias e produtos mais baratos ou deixo de consumir o produto acessório e compro só o nuclear. Mas nas áreas de telecomunicações, de entretenimento, no fundo o meu bem-estar pessoal, nós começamos a perceber que se trata de um padrão de consumo rígido, ou seja, não é aí que o consumidor vai cortar o budget semanal. Hoje temos um padrão de compras completamente esquizofrénico.
Antigamente o shopper visitava uma cadeia de 15 em 15 dias e outra de três em três semanas e comprava determinadas categorias de produto em casa. Agora visita várias cadeias, em momentos diferentes do mês, comparando, não havendo padrão de compra de determinadas categorias numa cadeia. Isto torna todo o desafio do shopper marketing muito mais relevante. Em momentos de crise os budgets para trade marketing são os que menos sofrem porque os marketeers já perceberam que no momento da verdade, aquele em que o consumidor decide o que vai comprar e em que cadeia vai comprar, faz toda a diferença. Outro elemento tem a ver com o peso do decisor na compra. O que é isso da dona de casa 25/34?
M&P: O que é então?
PC: Eu não sei o que é. No passado sabíamos que havia um elemento decisor que não tinha influenciador. Hoje temos um tipo de segmentação muito mais por atitude do que psicográfica. Daí que muitos anunciantes acabem por ter um peso mais relevante do seu budget em áreas como internet e CRM porque são as formas de chegar a silos de preferências e de atitudes.