O manual do digital
Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital

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Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics
O título até poderia referir-se ao modo como devemos navegar no ecossistema digital, mas versa mais sobre alguma ironia e um certo paradoxo num momento de inteligência artificial, que é o da manufatura e curadoria humanas poderem ter um papel num mundo onde as máquinas e os algoritmos tomam cada vez mais espaço. Contrassenso? Ora vejamos.
Kevin Systrom e Mike Krieger são os cofundadores do Instagram. Venderam a empresa à Meta de Mark Zuckerberg. Por ali ficaram e orientaram o produto até o onboarding estar concluído (e/ou até as visões serem dissonantes) e dali foram embora procurar novos projetos. O mais recente é o Artifact.news, uma espécie de Google Reader versão 2.0. Mas por que é que isto interessa?
Poderia ser mais uma prova de que a originalidade não importa (algumas idênticas que a comunidade já referiu por estes dias: Flipboard, SmartNews, Newsbreak, Pocket ou Matter). Mas como se apregoa por Sillicon Valley quando uma ideia é boa: “Ainda não copiaste?”.
Contudo, o que volta aqui a ser interessante são as ideias que, embora tenham machine learning e inteligência artificial por detrás, voltam a colocar importância no lado humano da curadoria e da cocriação.
Já por aqui partilhei que um dos sucessos do TikTok advém da sua interface. Enquanto os seus concorrentes possuem feeds onde, no mesmo ecrã, estão conteúdos de vários criadores e, como tal, inviabilizam medir e atribuir mais/menos relevância, no TikTok todo o ecrã obtém feedback precioso e minucioso e sem equívoco ao criador e ao vídeo, permitindo mais data para o TikTok afinar as recomendações. Outro dos seus sucessos é a forma como consegue viralizar temas e conteúdos pelo modo extremamente fácil com que permite a qualquer um (ok… nem todos, mas a uma base bastante mais alargada do que na concorrência) recriar conteúdo.
Quem tem trabalhado nesta área conhece bem a regra dos “um por cento”, também conhecida como regra dos “1-9-90” ou outras designações auto-explicativas similares: um por cento são os que realmente produzem conteúdo original, nove por cento recriam ou editam e a esmagadora maioria (90 por cento) não faz nada, só assiste e consome (e gera a economia da atenção que paga as contas às empresas que desenvolvem os websites e apps).
Uma das razões do sucesso do TikTok é a forma como promove e instiga facilmente os nove por cento (até os alargando). E faz isso combinando a regra acima com outro fator conhecido no meio digital: confiamos mais nos pares. Se pesquisarmos por várias edições de estudos da Nielsen ao nível da influência do processo de decisão de compra ou pelo livro Socialnomics, do Eriq Qualman, o facto é sempre o mesmo, variando as percentagens consoante os contextos de estudo. Confiamos mais nos nossos amigos e conhecidos, depois em desconhecidos com gostos similares e só depois nas marcas. Viva o word-of-mouth.
Vem isto a propósito da Artifact.news, que referi acima, para voltar a colocar a tónica neste ponto. Num mundo infestado de personalizações automáticas, algoritmos preditivos e debates sobre se as notícias serão escolhidas e escritas por pessoas ou pelo ChatGPT, há uma boa dose para o papel humano ser importante. Na conceção da Artifact, a dupla criadora da app de notícias está a reforçar a forma como juntar os utilizadores em redor do papel da curadoria das notícias e da comunicação entre eles (em fóruns, mensagens privadas, etc.).
Mais do que ver notícias selecionadas por um algoritmo, o papel da recomendação do utilizador, da geração de comentários, da criação de ‘reacts’, do fomentar fóruns de debate fechados ou abertos, de gerar memes, etc.,etc. é que será o fator crítico. Tal como no TikTok, o ponto crítico é permitir que uns estimulem os outros. O conteúdo até pode secundarizar-se… relevando mais peso para a conversa: comentar a notícia com os amigos será mais relevante do que saber da notícia pelos amigos, e muito mais relevante do que quem deu a notícia (continuarão os debates nas redações e conferências)…
Voltamos a McLuhan e aos cadernos da faculdade. Já não é só o meio que é a mensagem, agora também a experiência social. Curioso perceber como nos próximos anos, com a expansão da IA, teremos o papel manual a conviver e determinar a experiência digital. Ao que parece, ele é bem maior e mais pertinente para o sucesso do que a sua ausência ou mesmo substituição.
Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital