“Os sites de desinformação são um negócio muito rentável”
Paulo Pena explica como os sites de desinformação em Portugal estão a roubar audiências aos meios de comunicação social e como os anunciantes contribuem para a cadeia que alimenta o […]

Rui Oliveira Marques
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Paulo Pena explica como os sites de desinformação em Portugal estão a roubar audiências aos meios de comunicação social e como os anunciantes contribuem para a cadeia que alimenta o discurso extremista
O jornalista Paulo Pena tem publicado no Diário de Notícias várias investigações sobre o mecanismo e impacto das fake news e da desinformação em Portugal. O seu mais recente livro Fábrica de Mentiras: Viagem ao Mundo das Fake News mostra como a desinformação está já instalada. Tratam-se de 40 sites que têm um alcance mínimo de 2,5 milhões de portugueses. “Estes sites têm mecanismos muito profissionais de atingir as suas audiências, como a utilização de bots, soluções informáticas para a disseminação através de perfis falsos ou a criação de páginas de grupos no Facebook”, refere.
Meios & Publicidade (M&P): Tem sido bastante crítico em relação à resposta que os grandes grupos de comunicação social estão a dar à questão da desinformação. Porquê?
Paulo Pena (PP): Nas redacções existe uma convicção de que, para sobrevivermos, temos de ser os primeiros a dar a informação para conseguirmos, através dos algoritmos do Google, ter relevância. É a ideia de que, quanto mais visualizações, cliques e partilhas um texto tiver, melhor do ponto de vista publicitário. Estas ideias são erradas. O jornalismo só pode sobreviver se garantir que é uma máquina de informação independente e que produz informação de qualidade e verificada. Os bons jornais norte-americanos sempre disseram que não querem ser os primeiros a dar informação, querem ser os primeiros a dá-la bem. Hoje as redacções estão cheias de máquinas para aferir o número de visualizações e de cliques de uma peça. Viciaram-se nesta ideia absurda de que quanto mais alertas mandarem para os telemóveis, mais conseguem manter as pessoas engajadas na leitura dos jornais. Depois há aqueles que simplesmente fazem clickbait.
M&P: Mas este cenário que descreveu é sinónimo de desinformação?
PP: Não, mas abre a porta à desinformação. Os jornais começaram a publicar muita informação não verificada, factualmente errada. Podemos dar duzentos exemplos: o do ministro que sai do governo mas afinal não sai, o da procuradora-geral da República que fica no cargo e depois não fica…
M&P: Aí parece que os jornalistas foram enganados pelas fontes.
PP: Os jornais têm de ter meios para garantir que não são enganados por fontes. Até há pouco tempo, a orgânica das redacções permitia que o editor lesse os textos e apontasse possíveis falhas. Nos Estados Unidos a própria motivação da fonte é investigada para saber se a notícia pode ou não passar. Uma história crítica para um partido tem de ter fontes próximas daquele círculo de poder e não apenas dos seus adversários. É este tipo de mecanismos de verificação que diferencia as redacções dos sites de desinformação. Um site de desinformação pega numa notícia qualquer, verdadeira ou falsa, e publica-a. O que conta é o efeito, os cliques e a publicidade que ganha com isso. Um jornal deve ser o contrário disto. O grande erro dos meios de comunicação foi desinvestir. Agora há jornais que não têm editores, que publicam directamente no online as peças dos jornalistas sem serem lidas por ninguém. Esta é a prática da esmagadora maioria das redacções no país. Isto é uma prática errada que não permite diferenciar o que é jornalismo do que é informação não validada.
M&P: Certo, mas a comunicação social está num ciclo vicioso de onde não consegue sair. Não consegue captar mais receitas que possam ser canalizadas para investir nas redacções.
PP: A nossa crise já tem uns bons vinte anos, mas não é com isto que vamos conquistar mais leitores, apesar de os jornais embandeirarem em arco e dizerem que agora têm muito mais leitores porque têm muitos mais cliques nas páginas online. Esquecem-se de completar a informação de que muitos desses cliques são para paywalls, são cliques incidentais de quem estava no feed do Facebook. Clicam porque lhes interessa, não porque é um leitor de jornal. Nem se lembram se clicaram no Público, no DN ou no Expresso.
M&P: Não coloca a qualidade das audiências de um jornal em papel e no online no mesmo patamar?
PP: Não tem qualquer tipo de comparação, embora haja cada vez mais pessoas que preferem consumir a sua informação online. Quando falamos do aumento do número de leitores temos de ter cuidado com o que dizemos. Há dados métricos mais importantes do que outros, como o tempo de leitura. O jornalismo vive a pressão da falência do modelo tradicional de negócio. Dantes o jornalismo financiava-se com a audiência que pagava a sua informação. No caso dos jornais os leitores compravam o jornal na banca ou recebiam-no em casa. Depois os anunciantes pagavam o prestígio da marca, porque anunciavam num jornal que tinha uma reputação. Este modelo de consumo da informação paga faliu, também por culpa das empresas de comunicação social. Uma causa foi as empresas de comunicação social terem decidido disponibilizar gratuitamente online os trabalhos. Foi um erro do passado que não foi muito analisado por quem o cometeu. Depois a publicidade direccionada acabou com o grande mercado de publicidade paga nos jornais.
M&P: Nas suas investigações identifica 40 sites de desinformação em português que concorrem com os meios de comunicação social. Além de disputarem as audiências, também ficam com receitas de publicidade.
PP: Quando contratam os serviços do Google Ads os anunciantes não fazem ideia em que site específico é que o seu anúncio vai surgir. Creio que muitos anunciantes teriam vergonha se soubessem que estão a pagar ao Google para que contrate mecanismos de atribuição de publicidade com sites criminosos. Não sabem porque não têm maneira de saber onde é que exactamente surge a sua publicidade. É um contra-senso difícil de explicar e que não é regulado. Há países que tomaram decisões quanto à disseminação de certos conteúdos de desinformação política ou de discurso de ódio, racista, religiosa, etc. A Alemanha obriga o Facebook, num prazo muito curto, a retirar qualquer mensagem detectada que seja disseminadora de discurso de ódio. Senão, o Facebook tem de pagar uma multa elevadíssima. O Google fornece vários serviços gratuitos fantásticos mas em troca disso é o maior angariador de sempre de dados privados das nossas vidas. Com esses dados privados, o Google consegue vender publicidade direccionada a cada um de nós. Se o Google for obrigado pelos anunciantes a fazer uma triagem daquilo que são os sites a quem contratualiza a distribuição de publicidade, terá de fazer alguma coisa quanto a isso.
M&P: Os 40 sites que identificou têm um alcance de 2,5 milhões de portugueses.
PP: E isso são dados muito conservadores.
M&P: Como chega a estes valores?
PP: Através do alcance dessas páginas no Facebook. Através de um mecanismos que temos de avaliação do impacto online de determinados temas, percebemos que os sites de fake news copiam, por exemplo, notícias do Correio da Manhã. A republicação por esses sites tem muito mais audiência do que a notícia original do Correio da Manhã.
M&P: Como é possível?
PP: Estes sites têm mecanismos muito profissionais de atingir as suas audiências, como a utilização de bots, soluções informáticas para a disseminação através de perfis falsos ou a criação de páginas de grupos no Facebook. Uma das mais populares a disseminar este tipo de coisas é a Grupo de Apoio ao Juiz Carlos Alexandre com mais de 100 mil utilizadores.
M&P: Portanto, estes sites de desinformação roubam, literalmente, audiência aos meios tradicionais.
PP: Estes sites utilizam um meio muito mais simples que é informação gratuita, aberta a toda a gente. Quem clica ali não vai ter a uma paywall, a um site de assinatura ou então ao Nónio, que também dificulta bastante o acesso aos meios de comunicação social portugueses, como toda a gente já experimentou várias vezes. Mesmo os assinantes do Nónio, às vezes, têm dificuldades em ser reconhecidos como tal. O mecanismo de disseminação da desinformação é muito mais ágil do que o de disseminação da informação. A tudo isto junta-se uma desconfiança crescente dos cidadãos portugueses sobre a informação que recebem dos meios de comunicação registados e informativos. Com a quebra, chamemos assim para simplificar, da qualidade do jornalismo produzido, a forma que as pessoas têm para diferenciar o jornalismo da desinformação é menor. As pessoas vêem que um jornal já se enganou 10 vezes, porque é que o site de desinformação não se pode enganar uma, duas ou vinte vezes? Por outro lado, está a crescer a relativização da importância da verdade. Hoje, por exemplo, está a chover muito. Se um site de desinformação ou uma página de Facebook escreve que está um lindo dia de sol, é uma mentira e é comprovável. Mas está criada a convicção de que uma pessoa tem direito a dizer que hoje está um dia lindo de sol. A convicção de que toda a gente tem direito a uma opinião, mesmo que não seja verdadeira, impede que a nossa sociedade se baseie em factos.
M&P: No caso português as consequências políticas já são visíveis?
PP: Um partido como o Chega, que teve um terço dos votos do CDS, que foi um dos seus piores resultados de sempre, que teve metade dos votos do PAN, consegue ser dominante na forma como chega à informação mainstream. Uma dessas histórias sobre o Chega é exemplar. O líder do partido fez uma tese de doutoramento em que diz exactamente o contrário do que diz politicamente sobre a segurança e como devem ser tratadas as minorias. Estamos na presença da contradição óbvia de alguém que está a manipular as pessoas.
M&P: Neste caso também falharam os jornalistas porque só fizeram esse escrutínio após as eleições.
PP: É verdade, mas o meu ponto é que isto não afecta sequer a popularidade do político mesmo depois de as pessoas saberem. As pessoas tendem a relativizar a importância das coisas. Isso é devastador para a confiança no futuro do regime democrático.
M&P: Que relação existe entre o Chega e estes sites de desinformação? Existem pontos de contacto?
PP: O tipo de mensagem é muito semelhante. Há duas distinções básicas. Uma delas já conseguimos estudar com o apoio do MediaLab do ISCTE, em que o tema mais usado pelas fake news é o da corrupção. Nos outros países europeus tem a ver com refugiados, minorias, questões ligadas à etnicidade e raça. Em Portugal a corrupção é o grande tema. Outra coisa que se vê a olho nu é que estes sites de desinformação passam uma imagem do país distorcida e falsa. Somos o terceiro país mais seguro do mundo, atrás da Islândia e Nova Zelândia. Abrindo os sites de desinformação vemos crimes a toda a hora. Um destes sites que usurpa a identidade dos bombeiros, o Bombeiros 24, está sempre a publicar crimes. Não estou a dizer que todas essas notícias sejam falsas ou inventadas, mas fica-se com a ideia de que o país está inundado de crimes. O Chega aproveita o discurso de pânico desses sites.
M&P: A área de influência dos sites de desinformação é a da extrema-direita?
PP: Isso já foi estudado pela Universidade de Oxford. A extrema-direita tem mais capacidade em aproveitar o alcance das redes sociais e das grandes plataformas. Basta ver como o Vox, partido recém-criado e sem base de apoio social, rapidamente se tornou no mais comentado nas redes sociais em Espanha. As pessoas diziam bem e mal, mas o facto de estarem sempre a falar dele, provocou uma ascensão na notoriedade. Isto também coloca as redacções em cheque. Se as pessoas abrem o seu Facebook e vêem 20 posts sobre o Chega acham que esse é o tema do momento. Isto também distorce a importância dos assuntos.
M&P: Os autores destes sites têm como objectivo a influência política ou querem é monetizar e ganhar milhares de euros por mês?
PP: É mais evidente a tentativa de ganhar dinheiro, embora em alguns casos seja notória a tentativa de ganhar dinheiro para financiar um projecto político. Estes sites são rentáveis porque facilmente duas pessoas conseguem criar 40 perfis numa rede social. Estes 40 perfis disseminam uma história qualquer por páginas e grupos no Facebook. Ao fim do dia, essa história chegou a milhares de pessoas. Com esses milhares de cliques os autores estão a receber o valor do contrato publicitário que o Google lhes paga. É um negócio muito rentável. Fizemos as contas a um destes sites, que nem sequer era feito em Portugal, era feito por uma empresa de marketing do Canadá que tinha sites noutras línguas. Chama-se Vamos lá Portugal e, contas feitas por baixo, facturava em publicidade pelo menos 10 mil euros por mês. Uma ou duas pessoas devem trabalhar lá.
M&P: Trata-se de dinheiro de anunciantes portugueses…
PP: Ou de cadeias como a Amazon.
M&P: Ao mesmo tempo vemos o Google e o Facebook a financiar projectos de fact checking. Como vê este duplo comportamento?
PP: Entrevistei uma fact checker americana que me disse uma frase que resume bem: a contratação de fact checkers por parte do Facebook é uma manobra de relações públicas. É uma forma de o Facebook tentar explicar às pessoas que está a tentar conter o problema da desinformação. Na análise que temos feito com o MediaLab do ISCTE uma das coisas que percebemos é que 90 por cento da desinformação ou das fake news transmitidas em Portugal não é de sites que produzem fake news que depois usam as redes sociais para as disseminar. São produzidas dentro do Facebook e isso está fora do mandato dos fact checkers. Significa que os fact checkers, mesmo sendo eficazes na sua tarefa, só conseguem lidar com 10 por cento do problema.
M&P: O que virá a seguir? Maior consciencialização da opinião pública para estes temas? Intervenção do Estado? O Facebook e o Google serão cada vez mais poderosos?
PP: Creio que é a última hipótese. Está a ser recolhida muita informação sobre nós, que está a ser usada para fins comerciais por parte do Google e do Facebook. Se vou ao Google procurar informações sobre dores de cabeça, o Google fica a saber que eu estou com dores de cabeça. Devia haver regras sobre a utilização que pode ser feita sobre a minha informação de saúde ou da minha informação sobre preferências políticas, religiosas ou sexuais. Tudo isto está a ser usado para a publicidade comportamental. Este é o grande negócio do futuro. Já lhe chamaram o novo petróleo. A utilização dos nossos dados privados para o negócio publicitário é um risco para a nossa democracia. A nossa privacidade está a ser usada para definir perfis para vender segmentações irrealistas e muitas vezes erradas porque são baseadas no que procuramos ou desejamos. Tudo isso tem um efeito na nossa democracia. Não é uma coincidência tenebrosa a forma como foram eleitos Donald Trump, Bolsonaro, Boris Johnson, Duterte ou o presidente da Índia. Não é coincidência que os partidos de extrema-direita estejam a crescer ao mesmo tempo na Europa. Há explicações que vão da crise económica à crise dos refugiados, mas há uma explicação que é evidente: estas plataformas são uma forma fácil de acesso de pequenos grupos, muitas vezes a agir fora da lei, para aumentar a sua presença política. O efeito não é apenas político. A publicidade coloca outro tipo de problemas. O The New York Times denunciou que o Facebook faz discriminação na forma como anuncia vendas de casas entre grupos étnicos. Esta forma de segmentação tem o efeito de nos tornar menos abertos à diferença e ao diálogo com as pessoas.