Viver num Estado de direito importa?
O humor é sempre uma boa estratégia de comunicação em matérias políticas, que tendem a ter um cariz abstrato
Caro leitor, se respondeu ‘não’ à pergunta feita no título desta crónica, então a campanha da Comissão Europeia sobre a qual me debruço neste texto é mesmo para si.
Não desista já da leitura, até porque vivemos tempos complexos, onde o obscurantismo e a bolorenta narrativa totalitária vão ganhando terreno mundo fora, União Europeia incluída. Caso tenha respondido afirmativamente, passemos à segunda pergunta: afinal, o que é um Estado de direito? O que significa isto, na prática?
Um Eurobarómetro levado a cabo entre abril e maio deste ano mostrava que, embora 91% das pessoas em Portugal considerassem que é extremamente importante que todos os Estados-membros respeitem os valores fundamentais da União Europeia, entre eles o Estado de direito, apenas cerca de 40% se diziam bem informados sobre o que isto significa na vida quotidiana.
O conceito é interpretado como algo tão grandioso quanto distante e, portanto, difícil de compreender. Posto isto, a Comissão Europeia pôs mãos à obra e lançou uma campanha digital para trocar esta informação por miúdos.
Como? Fazendo um desenho. Ou melhor, seis desenhos animados que usam a analogia do desporto, para ajudar todas as pessoas a compreenderem melhor o quão importantes e constantes são as garantias de um Estado de direito no nosso dia a dia.
O desafio foi lançado ao artista e ilustrador alemão Christoph Niemann, cujo trabalho é publicado em revistas internacionais, como a New Yorker ou a National Geographic. O resultado são seis animações de poucos segundos, que explicam de forma metafórica a importância do respeito por seis princípios fundamentais, que compõem um Estado de direito: proibição de abusos de poder, igualdade perante a lei, segurança jurídica, tribunais independentes, legalidade e separação de poderes.
O humor é sempre uma boa estratégia de comunicação em matérias políticas, que tendem a ter um cariz abstrato para grande parte da população. Niemann consegue fazê-lo bem, mostrando de forma lúdica o que acontecia se eliminássemos as regras no desporto.
Imaginemos uma partida de basquetebol. O jogador lança, acerta no cesto e recebe dois pontos: são as regras da modalidade. Mas e se ao acertar um segundo cesto, a pontuação descesse três pontos? Ou, simplesmente, nem aparecesse no marcador?
Eis uma forma simples de explicar a importância da legalidade como garantia nas nossas vidas. Pense num jogo de pingue-pongue, em que os jogadores são surpreendidos por uma mesa abusiva, que sem aviso prévio aumenta o tamanho da rede conforme lhe apetece, encurta um dos lados do campo ou, até mesmo, ‘come’ a bola a meio de uma jogada.
Com isto, mostra a Comissão Europeia quão inaceitável é o abuso de poder. Imaginemos uma corrida de obstáculos: dois atletas correm lado a lado na pista, mas um deles salta por cima de simples barreiras, enquanto o outro tem de saltar por cima de barreiras com labaredas de fogo e lagos com tubarões.
Ao todo são seis exemplos que mostram quão significativo é eliminar a existência de inequidades e de injustiças na vida em sociedade, e como isto tem um impacto direto no nosso quotidiano e qualidade de vida.
Os seis vídeos, amplamente partilhados nas redes sociais de 27 Estados-membros, estão disponíveis no canal de YouTube, EU Justice and Consumers, em várias línguas, português inclusive.
A mensagem global? “Na Europa, as mesmas regras aplicam-se a todas as pessoas, independentemente da sua origem, sexo, raça, idade, religião ou qualquer outro atributo. Ao defender o princípio da igualdade perante a lei, garantimos a equidade na Europa”.
A Carta dos Direitos Fundamentais existe para todos e para todas, devendo não só ser efetivada na prática pela totalidade dos Estados-membros, como também atualizada, acompanhando a evolução dos tempos, das mentalidades e dos desafios prementes que enfrentamos, levantados pelo crescimento das forças políticas que potenciam o ódio e a desigualdade na Europa.
O respeito pelas regras, a par da estipulação de limites justos e coerentes, é essencial à manutenção do bem-estar e dignidade das populações. Num mês em que assistimos a umas eleições que tornam o país mais influente do mundo permeável a discursos populistas, à corrupção, à normalização da violência e da discriminação, assim como a uma liderança com tiques autoritários – pondo desde logo em causa a garantia de direitos e liberdades fundamentais – é essencial refletir sobre isto.
Até porque aquilo que agora achamos ser nosso por direito, pode deixar de ser um dia, se não percebermos a importância de vivermos num Estado de direito.