Opinião

Videojogos com o intuito de violar mulheres são aceitáveis?

Em Portugal, permanece à venda com uma avaliação “muito positiva” dos utilizadores

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Videojogos com o intuito de violar mulheres são aceitáveis?

Em Portugal, permanece à venda com uma avaliação “muito positiva” dos utilizadores

Sobre o autor
Paula Cosme Pinto

Chama-se No Mercy e é um videojogo centrado num protagonista masculino, que é encorajado a “tornar-se o pior pesadelo de todas as mulheres” e a “nunca aceitar um não como resposta”. Agressões, incesto, chantagem, abuso sexual, vale tudo para ganhar pontos.

Está à venda na Steam, a maior plataforma mundial de jogos de computador, com mais de três milhões de utilizadores. Querem melhor exemplo de normalização, doutrinamento e incentivo à violência machista?
A sinopse descreve que “este é um jogo ‘choice-driven’ e uma novela visual para adultos, com foco no incesto e na dominação masculina. No caso de a tua mãe ter destruído a tua família, tu tens um novo papel: não é resolver a situação, mas, sim, tomá-la como tua. Descobre os seus segredos obscuros, domina-a e torna tuas todas as mulheres”.

Produzido pela Zerat Games, surge com avisos de conteúdo sexual e nudez, mas não tem classificação etária oficial. Os controlos de idade de quem compra o jogo são mínimos, basta ter um cartão de crédito (e, hoje em dia, o acesso a dinheiro não é complicado nas camadas mais jovens). Portanto, é muito provável que miúdos estejam neste momento a jogar a isto.

Expostos a uma suposta brincadeira que os remete para a banalização de uma masculinidade, que é urgente desconstruir, e de diversas formas de violência, neste caso, com elevada componente de género. Ações que são crime e cujo o combate está em todas as grandes agendas mundiais, quando se fala de direitos humanos.

A tendência dos videojogos que têm como ponto central a agressão sexual de mulheres não é nova. No início dos anos 2000, também o jogo Battle Raper gera indignação, tendo, mesmo assim dado origem a uma sequela uns anos depois. Em 2006, produzido no Japão, o jogo Rapelay (num trocadilho perigoso com as palavras ‘rape’ e ‘role play’) também origina denúncias e discussão pública, acabando por ser banido em 2009.

Em 2019, o videojogo Rape Day, cujo intuito seria “abusar verbalmente, matar e violar mulheres”, também chega ao mercado, sendo retirado da Steam após críticas públicas. Estou certa de que existirão mais exemplos. Entretanto, o No Mercy – que traduzido à letra significa ‘Sem Piedade’ – tem recebido inúmeras críticas e denúncias. Em Portugal, permanece à venda com uma avaliação “muito positiva” dos utilizadores, mas já foi retirado da Steam, no Reino Unido, Austrália e Canadá.

Em comunicado, Marie-Claire Isaaman, diretora executiva da Women in Games, entidade que representa o sexo feminino na indústria dos videojogos e dos ‘e-sports’, revela-se “chocada com as recentes notícias sobre este jogo disponível na Steam”, considerando “inaceitável” que uma distribuidora destas dimensões alinhe neste tipo de produto.

Já a ministra do Interior do Reino Unido deixa claro que, ao abrigo do Online Safety Act, “este tipo de conteúdo repugnante já é ilegal”.

Isto leva-me a questionar o que aconteceria se não existissem críticas públicas nem notícias de jornal a falar sobre isto, pondo em causa a reputação das grandes plataformas de venda de videojogos. Continuariam distribuidoras como a Steam a alinhar, sem qualquer sentido crítico, na comercialização de conteúdos que são uma apologia ao abuso sexual de mulheres?

Quais são as obrigações desta plataforma e das produtoras de conteúdo, sejam ou não grandes empresas tecnológicas? Estão todos estes envolvidos isentos de responsabilidades, no que toca a garantir que o universo online é um espaço seguro?

A distribuição de jogos e demais conteúdos online, que funcionam como promoção de violência sexual e de desumanização das mulheres, não pode ser normalizado. Talvez seja tempo de se criarem políticas concretas, rigorosas e de monitorização constante, para impedir a distribuição de jogos que o façam.

O universo dos videojogos permite-se ao reino da fantasia e a fantasia pode, obviamente, galgar fronteiras. Mas, pergunto-me: por que raio haveria alguém de querer jogar a algo como isto? Bater, violar, humilhar, degradar uma figura feminina é divertido?

Serve como ‘mindfulness’? Exercício de descontração de final de dia? Batam antes com a cabeça na parede, mas batam com força. Diz que é uma característica essencial de qualquer ‘macho alfa’ que se preze.

Sobre o autorPaula Cosme Pinto

Paula Cosme Pinto

Comunicadora pela igualdade de género e temas sociais
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