Vicissitudes do ‘storytelling’
Com a narrativa da exclusividade e do fabrico manual desmistificada, a justificação para o preço alto deixa de ter aderência

Dizem os livros que uma marca de luxo é vista como tal em função do preço e da perceção da marca/produto, construída com uma narrativa. As vendas dos principais grupos do setor estão em queda generalizada no primeiro trimestre, por razões macroeconómicas e conjunturais, com recuos que variam entre 10% e 25%, consoante a marca e a região, mas mais acentuados na China.
A guerra comercial EUA/China – os dois maiores mercados de consumo de luxo – é a gasolina que faltava, num segmento que perde pujança desde as ‘compras de vingança’ durante e no pós-pandemia.
As gerações jovens, que preferem experiências em vez de produtos e normalizam os ‘dupes’ de luxo – que lhes dão acesso ao design original por uma fração do preço – põem mais achas na fogueira, nas últimas semanas. São elas – ajudadas pelo algoritmo – que viralizam nas redes sociais o ‘storytelling’ negativo, propagado com a revelação (ou confirmação) de que as marcas de luxo produzem em fábricas na China, por um custo irrisório face ao preço final.
Nesses mesmos vídeos, os fabricantes chineses propõem como alternativa os seus produtos, com o design dos originais mas sem a marca…e por um preço inferior. Seja isto verdadeiro ou falso, a tendência não só danifica a perceção das marcas de luxo como deixa a porta escancarada para legitimar os ‘dupes’, um pesadelo legal maior do que a contrafação, perante a ausência de marcas e logótipos que atestem a falsificação.
Com a narrativa da exclusividade e do fabrico manual desmistificada, a justificação para o preço alto deixa de ter aderência, apesar de algumas marcas de luxo já se terem apressado a subir os preços de alguns modelos de carteiras mais icónicas. Aguardemos pelos resultados de vendas nos próximos trimestres. E pelo ‘storytelling’ das marcas de luxo em resposta aos fabricantes chineses.