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Opinião

Será o fim do “free is better than cheap”?

Era a época em que o CEO da Google (Eric Schmidt) dizia que “free is better than cheap” numa clara indicação estratégica de que o negócio da Google era fazer dinheiro com publicidade, para o que era necessário ter a maior base de utilização possível, quer para mostrar anúncios quer para recolher dados para melhor os segmentar

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Será o fim do “free is better than cheap”?

Era a época em que o CEO da Google (Eric Schmidt) dizia que “free is better than cheap” numa clara indicação estratégica de que o negócio da Google era fazer dinheiro com publicidade, para o que era necessário ter a maior base de utilização possível, quer para mostrar anúncios quer para recolher dados para melhor os segmentar

João Paulo Luz
Sobre o autor
João Paulo Luz

O Financial Times noticiou que a Google está a considerar cobrar por pesquisas baseadas em IA. O FT não obteve confirmação oficial, mas a Google também não o negou. Seria a primeira vez que a Google cobraria pelo seu principal serviço que, desde que foi lançado, se afirmou com a ambição de levar a informação a todos, democratizando o acesso ao conhecimento em quase todo o mundo.

A verificar-se, esta não será uma alteração qualquer. Antes representará um momento em que se torna evidente que corresponder à ambição dos acionistas é dificilmente compatível com o sonho de mudar o mundo como a principal função destas empresas tecnológicas.

A acontecer será também a primeira vez que a Google opta por este caminho, quando na sua história teve dois momentos críticos para o seu sucesso onde a resposta foi a contrária.

Temos de recuar a 1996 para nos situarmos no ano em que Larry Page e Sergei Brin, ambos estudantes na Universidade de Stanford, na Califórnia, decidiram iniciar o projeto ‘BackRub’, que estava focado em analisar como as várias páginas da internet se relacionavam entre si através de links.

A abordagem seguia o mesmo modelo que no mundo académico se utilizava para valorizar trabalhos publicados e teses de doutoramento, em que quanto maior o número de referência essas publicações merecessem das posteriores, maior o seu nível de reconhecimento e valor académico.

É assim que nasce o principal critério de ranking de páginas que a Google veio a utilizar dois anos depois, com o propósito de vir a organizar toda a informação que já se desenvolvia de forma exponencial na web nessa altura. Google foi inspirado no termo matemático googol que representa o número um seguido de 100 zeros, e essa era a ideia de dimensão que a Google se propunha perseguir.

Mas esses eram os tempos do dial-up, em que o acesso era tão lento que a piada vigente era que www significava wait, wait, wait ao invés de world wide web, e isso dava clara vantagem aos portais, primeiro o AOL, da American Online que veio a comprar a AT&T num dos primeiros movimentos impulsionados pela loucura bolsista dotcom, e depois o Yahoo.

Com a internet lenta, o utilizador resistia a clicar numa nova página e preferia ter o máximo de informação à cabeça. Os portais juntavam os leads da informação noticiosa, com a informação metereológica e a astrologia, e juntavam depois um ‘diretório’ de temas que agrupavam a restante web, nessa estrutura em árvore.

A pesquisa aparecia como uma alternativa, nos mesmos portais, e remetia para uma listagem de links para sites cuja keyword pesquisada era relevante no seu conteúdo.

A Google, que cedo percebeu a importância da velocidade na experiência do utilizador, lançou uma homepage que carregava quase de imediato, por ter quase apenas o logo e uma caixa de pesquisa. As páginas de resultados eram igualmente obsessivamente leves, mas após o click num link iniciava-se inevitavelmente a espera que o dial-up obrigava.

Neste primeiro momento, a Google para ganhar expressão fez inúmeros acordos com portais como fornecedor da sua pesquisa, fornecendo o serviço a preço muito baixo ou mesmo gratuitamente. Ganhou escala através desses acordos, como no caso do Portal Sapo em Portugal, que faz o acordo com a Google como seu fornecedor de pesquisa em 1999, quando a Google tinha apenas um ano de vida.

Mas em 2001 e 2002 aparece a banda larga, através da rede cabo, e o ADSL, através da rede de cobre das linhas telefónicas tradicionais. Conseguiam-se velocidades de 256k a 1MB por segundo, cinco a 20 vezes a velocidade dos 56k por segundo do dial-up. E este é um ponto de viragem a favor da pesquisa versus os portais.

É conhecido que o nosso impulso é preferirmos a possibilidade de a escolha ser nossa ao invés de nos prescreverem, e isso foi decisivo para a explosão da popularidade do search da Google.

Se o crescimento da velocidade de acesso foi sempre favorável à procura da informação baseada nas respostas do search, houve um segundo momento em que a Google respondeu com elevada mestria. A 29 de junho de 2007 é lançado o iPhone e a par do touchscreen trazia o conceito das apps, com uma App Store aberta aos developers.

A superioridade do iPhone face a tudo o que existia, e a superioridade da UX das Apps face à pobre experiência que o browser oferecia com sites não desenhados para mobile, provocou uma mudança abrupta no acesso mobile à internet, em desfavor da experiência em browser indispensável para a pesquisa Google.

Em setembro de 2008 a Google lança o Chrome e, sobretudo, um sistema operativo para mobile. O Android era muito semelhante ao IOS dos iPhones, e também trazia uma App Store ainda mais aberta ao mundo dos developers. Mas o toque de midas foi que o Android era oferecido a todos os fabricantes de telefones.

Nessa época, além dos iPhones, reinava a Nokia e os BlackBerry, ambos com sistemas proprietários, e o Windows Mobile para todos os outros. Mas a Microsoft insistiu em cobrar pelo seu sistema operativo, tentando replicar no mundo móvel o sucesso do mundo dos computadores pessoais, mas o Android impôs-se totalmente.

Era a época em que o CEO da Google (Eric Schmidt) dizia que “free is better than cheap” numa clara indicação estratégica de que o negócio da Google era fazer dinheiro com publicidade, para o que era necessário ter a maior base de utilização possível, quer para mostrar anúncios quer para recolher dados para melhor os segmentar.

Esta combinação era ainda alinhada com a promessa para os utilizadores que os serviços de qualidade extraordinária seriam gratuitos contribuindo para que todos pudessem beneficiar do que a internet trazia de valor ao mundo.

É à luz de tudo isto que esta decisão neste terceiro momento, a verificar-se, é um marco para a Google, mas também para a internet. Ferramentas disponíveis apenas a quem as pode pagar significarão uma internet nova com um impacto difícil de antecipar.

Será eventualmente o momento em que a indústria assume que o “Don’t be evil”, apregoado contra as empresas outrora dominantes, não é compatível com a exigência do mercado bolsista.

Sobre o autorJoão Paulo Luz

João Paulo Luz

Diretor de negócios digitais e publishing da Impresa
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