O assédio sexual está no meio de nós, indústria da publicidade incluída
Desde mulheres objetificadas em entrevistas de emprego, a beijos não consentidos de chefes, a telefonemas e mensagens inapropriadas de colegas ou, até mesmo, a dura descrição de uma invasão de quarto de hotel, que culminou com uma violação sexual, multiplicam-se as histórias de abusos que chegam às três profissionais do setor que criaram esta iniciativa
“Lembro-me da dificuldade que tinha ao escolher uma roupa de manhã para ir trabalhar: ‘Esta não, que mostra muito as pernas. Esta é demasiado justa. Esta mostra muito o peito, impossível. Esta é demasiado transparente’. Dava-me vómitos só de pensar no que poderia ouvir naquele dia, ou que mail ia receber a comentar o meu corpo e a roupa que levava. (…). Mas pensam que eram só comentários? (como se não bastasse, eu sei) Não. Sempre que uma rapariga se inclinava para falar com alguém, um colega do sexo masculino posicionava-se atrás dela e simulava um ato sexual com direito a palmadas no rabo. De manhã, enquanto bebia o meu primeiro café e lia as notícias no meu computador, o meu copywriter via pornografia no dele e perguntava-me: ‘Já experimentaste isto?’. Nunca fiz queixa. Era uma agência de gajos, com gajos, para gajos. Que poderia eu fazer?”.
Este é apenas um de muito relatos de assédio sexual recorrente, partilhados na página de Instagram The F Side, que tem dado lugar de fala a mulheres que trabalham na indústria criativa em Portugal, nomeadamente agências de publicidade. Uma página de denúncia, porém sem nomes dos agressores, porque “a justiça faz-se em sede própria”, lê-se por lá.
Mas enquanto a máquina judicial tarda em atuar, assim como enquanto as vítimas tiverem tanto medo das represálias que optam pelo silêncio e, em contraponto, quem assedia continua a fazê-lo sabendo que ainda tem a impunidade do seu lado, há que dar voz a esta realidade. Uma realidade comum a tantas outras profissões, convenhamos.
Desde mulheres objetificadas em entrevistas de emprego, a beijos não consentidos de chefes, a telefonemas e mensagens inapropriadas de colegas ou, até mesmo, a dura descrição de uma invasão de quarto de hotel, que culminou com uma violação sexual, multiplicam-se as histórias de abusos que chegam às três profissionais do setor que criaram esta iniciativa.
Inicialmente, o intuito era dar palco às mulheres que trabalham na publicidade, e cujo reconhecimento e progressão continuam a sofrer com os tetos de vidro. Mas rapidamente perceberam que a questão ia mais longe e que, a par com a desigualdade de género nas oportunidades, a indústria em Portugal não era apenas um eterno ‘boys club’ no que toca a mérito, era, também, um espaço recorrente de sexismo e assédio sexual para as mulheres.
Realidade corroborada por muitos homens, que agora também lhes escrevem a aplaudir a ideia, que se arrependem de terem sido presenças passivas ao assistirem a tais abusos, e que se querem juntar ao diálogo enquanto aliados na mudança.
À semelhança do movimento #MeToo, há uma força que nasce da noção de coletivo, de sabermos que não estamos sozinhas, que não aconteceu apenas connosco. O coletivo The F Side tem esse potencial empoderador, ao pôr por escrito, em praça pública, abusos que não podem continuar a ser normalizados. E ao expor a dimensão do problema.
Do universo laboral para o espaço público, uma marca que tem vindo a reforçar o compromisso com o combate ao assédio sexual é a L’Oréal Paris, que recentemente lançou a nova campanha ‘O assédio em locais públicos nunca é culpa tua!’.
Surge no âmbito do seu já conhecido programa de formação Stand Up contra o assédio em locais públicos, uma iniciativa que procura conscientizar e combater o assédio de rua, destacando a importância de se responsabilizar os agressores, em vez de culpar as vítimas.
A nível mundial, 75% das mulheres já foram vítimas de assédio num espaço público pelo menos uma vez na vida, diz-nos o inquérito internacional realizado pela L’Oréal Paris com a IPSOS, em 2023. Quase 50% das mulheres foram alvo de comentários ou piadas sexualmente sugestivos ou intrusivos sobre a sua aparência, vestuário ou anatomia.
E para o evitarem, duas em cada três dizem adaptar a sua roupa ou aparência, ou seja, condicionam a sua liberdade individual. À gravidade de tudo isto, soma-se este dado: para 52% de todos os inquiridos, as mulheres são por vezes culpadas do assédio sexual que sofrem devido às suas atitudes, comportamento ou aparência (dito por 55% homens, 50% mulheres).
Mudar mentalidades é urgente, e é por isso que a marca criou a formação online Stand Up, onde ensina como fazer frente ao assédio em locais públicos de forma segura, seja a quem é assediado, seja a quem testemunha.
Claro que uma formação online não chega, mas quantas mais plataformas de educação para a prevenção e combate a esta realidade inaceitável tivermos, melhor. Bem precisamos. Se dúvidas havia, olhemos para a página The F Side, que não é mais do que a ponta de um icebergue transversal na nossa sociedade.