Entrevista com especialista
Numa agência que é uma referência, rimar não pode ser a única valência

Bom dia, senta-te, fica à vontade.
Bom dia e obrigado pela sua disponibilidade.
Ora essa, chamei-te porque fiquei impressionado com o email de candidatura que enviaste, nunca tinha recebido um assim.
Pois, imagino que não, ou melhor, imagino que sim.
Escreves sempre assim?
Sim.
E estou a ver que falas também.
É um dom que a minha família tem.
Alguém em especial?
Sim, um tio.
Agora não rimaste.
Ainda não tinha terminado. Ele fazia cantigas ao desafio, era genial.
Imagino. E rimas sempre ou apenas quando te apetece?
Para mim rimar é natural, mas às vezes sai-me mal, acontece.
E não tens de pensar, a rima sai-te logo, automática?
Quase sempre, já tenho muita prática.
Muito bem. E porque é que achas que podias ser redator?
Porque, segundo sei, o vosso objetivo é que os anúncios fiquem na cabeça do consumidor.
É verdade.
E uma rima ajuda a memorizar seja o que for.
Também é verdade, mas não podemos fazer todos os anúncios em rima, percebes? Nem sempre é o mais adequado para o produto e para o cliente.
Percebo perfeitamente.
Se não percebesses, o que dirias para rimar?
Não sei, qualquer coisa diferente. E convincente, idealmente. Mas não concordei só para rimar, que fique bem assente.
Fico contente. Olha, também estou a rimar. Isto é conta… ‘giente’?
Não, felizmente.
Felizmente porquê?
Porque assim toda a gente com quem falo copiaria a minha arte, bem vê.
Bem visto.
Sou bom nisto, modéstia à parte. Rimo todos os dias e acho que posso trazer-lhe mais valias. Embora entenda, como já disse, que rimar sempre é uma chatice, às tantas cai-se na mesmice. Numa agência que é uma referência, rimar não pode ser a única valência, por isso, se for preciso escrever como toda a gente faz, também sou capaz, também tenho essa competência.
Ouvindo-te, tenho dúvidas. Não quero ofender-te, mas já ouviste falar em ‘one trick ponies’, conheces a expressão?
Sim sim, chamam-me isso dia sim dia não, mas eu prefiro falar em especialização.
Por falar nisso, e novamente sem ofensa, conheces a frase “a especialização é para insetos”?
Sim, é do Robert A. Heinlein, mas tenho outros projetos.
Ainda bem. É bom expandir horizontes, como ele diz. Não me interpretes mal, admiro muito o teu talento, até fazes rimas internas.
Sim, faço de todos os tipos, das mais clássicas, interpoladas e emparelhadas, às mais modernas.
Modernas?
Sim, interlinguísticas, tipo hip hop tuga, usas inglês e português e alternas.
Se calhar aí tens mais futuro…
A escrever letras? É um mundo muito duro. Os letristas ganham mal e o trabalho é incerto. Preciso de estabilidade, é isso que procuro. Além de que os músicos, enfim.
Então?
Não os aturo.
Compreendo. E pensando melhor, não é a tua escrita que te torna especial, sabes. É falares assim.
Sim sim, até já me disseram: e fazer um podcast, já pensaste?
Bela ideia, eu ouviria, e talvez te arranje um patrocinador.
A sério, fazia-me esse favor?
Faria pois. Talvez até dois.
Dois? Não está a meter o carro à frente dos bois?
Não creio. Tenho contactos em várias marcas que poderiam fazer muito sentido.
Ok, fico muito agradecido.
Deixa-me fazer uns telefonemas, digo-te alguma coisa em breve, talvez amanhã.
Só por curiosidade, uma delas é o dicionário Priberam?
Por exemplo, mas também podia ser o Houaiss.
O que é isso?
É um dicionário de português feito no Brasil. Mas mesmo que ninguém queira, garanto-te uma coisa: quando tivermos de fazer um jingle, chamo-te de certeza.
Obrigado. Pena não ter esse ‘brief’ agora na mesa.
Quer dizer, isto assumindo que fazes freelance.
Faço, mas cobro à rima e não ao dia, uma pequena nuance.
E isso compensa?
Mais do pensa. Aliás, disseram-me que é o normal no mercado. O ilustrador cobra ao quadrado, o locutor cobra à locução, o tradutor cobra à palavra e não à tradução, o ator cobra por cada secundagem, além do ‘cachet’. Portanto, como vê, não haveria razão para cobrar ao dia.
Bom, para mim certamente compensa. Ao ritmo que debitas rimas, em dez minutos despachas um jingle que um criativo normal levaria dias a criar.
Ainda bem que pensa assim, mesmo antes de saber o que vou cobrar.
Ok, és caro então.
Depende da rima em questão. Quanto mais elaborada, mais inflacionada.
Não te estiques, olha que agora tenho o ChatGPT.
E quê? O ChatGPT diz que não há rima para ónix.
E há?
Claro, fónix.