63,6%: o silêncio cúmplice que a criatividade tem de romper
Se conseguem fazer adolescentes gastar o dinheiro do almoço em ténis de 150 paus, conseguirão convencer adultos a exercer um direito gratuito, que requer apenas 15 minutos

Foi na exposição ‘Cartazes sem Censura’, no MAC/CCB em parceria com a WPP, que a urgência me atingiu. A faísca criativa que incendiou a liberdade há cinco décadas observa hoje a erosão da nossa democracia: 63,6% de abstenção nas últimas europeias, próximo ao recorde de 1994. E nós, mestres da persuasão, o que fazemos perante este abismo?
Parado à frente daqueles cartazes históricos, senti-me envergonhado. Os criativos daquela época usaram cartazes e arte para conduzir um país recém-libertado numa direção democrática, arriscando-se em tempos de polarização extrema. E nós? Ficamos confortavelmente a observar, enquanto a sua obra se esvazia a cada eleição.
Já tentaram explicar aos vossos avós, que provaram o fel da opressão, que não votam porque “eles são todos uns vendidos”? Não há paciência para os argumentos dos abstencionistas, pérolas da ilógica: “o meu voto não faz diferença”. É o mantra de 6,8 milhões de almas. Imaginem o cataclismo se todos percebessem que, juntos, podem mudar o sistema.
“Estou a protestar com a minha ausência”. A sério? O sistema político continua a funcionar sem ti. A tua ausência não diz quem preferias ou que alternativa defendes. É um silêncio que se confunde com alienação.
Senhoras e senhores do reino criativo: precisamos acordar e combater a abstenção. Se somos especialistas em mudar comportamentos, como aceitamos que 63,6% dos portugueses ignorem o direito de votar? Se tantas vezes criamos campanhas que não interessam nem ao menino Jesus, porque não defender a liberdade de escolha?
Aos que dizem “o meu voto não muda nada”, pergunto: o que são 20 minutos para manter a liberdade que levou décadas a conquistar? Aos que dizem “eles são todos iguais”: quando vais ao supermercado e há duas marcas de arroz, não compras nenhuma?
Precisamos de uma nova revolução criativa. Façam ‘posts’ nas redes, criem spots onde pais, avós e bisavós contam como era não poder escolher, produzam vídeos onde abstencionistas explicam a sua ‘filosofia’ a quem arriscou a vida pela democracia.
Imaginem uma campanha massiva onde transformamos as mesas de voto em lugares de celebração cívica, não em obrigações burocráticas. Imaginemos instalações urbanas que revelem o que significa 63,6% de ausência – como uma praça onde seis em cada dez pessoas usam vendas nos olhos voluntariamente.
Se conseguem fazer adolescentes gastar o dinheiro do almoço em ténis de 150 paus, conseguirão convencer adultos a exercer um direito gratuito, que requer apenas 15 minutos.
Esta geração tem a obrigação de deixar a sua marca, como aqueles que conquistaram o nosso direito de escolha. Assim como os cartazes do Verão Quente de 75 ajudaram a criar a democracia, os nossos devem combater essa terrível indiferença cívica.
Criativos, sejam os primeiros a despertar. Usem o vosso ‘power’ para sacudir esta apatia cívica. Criem, provoquem, incomodem. Façam sentir vergonha a quem não vota e orgulho a quem participa.
Votem em branco, verde, azul, ou vermelho às bolinhas. Como quiserem. O que importa é participar. Quando alguém disser “não voto, mas quero protestar contra isto ou aquilo”, lembrem que isso é querer ganhar o Euromilhões sem comprar o boletim.
Mãos à obra e, já agora, vão lá votar.