Campanha institucional com promoção associada – Crónica de Marco Pacheco
Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a […]
Meios & Publicidade
Rosalía é a nova embaixadora global da Dior
Quase metade dos criativos têm uma relação difícil com as marcas
Iscte Executive Education realiza webinars gratuitos sobre comunicação de destinos e marcas locais
Adidas escolhe modelo e desportista português para campanha internacional
7 em cada 10 portugueses atribui responsabilidade às marcas na resolução dos problemas globais
Quem são os favoritos do Euro 2024?
Todos os influenciadores importam
José Mourinho protagoniza campanha da Uber Eats (com vídeo)
Startups independentes têm 72% de desconto no Cannes Lions
Marcas de fabricante atraem mais compradores nos retalhistas de sortido curto
Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a dia dos publicitários? O que fazem (e o que não fazem), as suas alegrias, angústias e frustrações. “Uma coisa tinha clara: não queria escrever sobre os desafios, o futuro, as tendências e/ou os casos de sucesso do nosso ofício. É por isso que esta crónica não é sobre publicidade. É sobre os publicitários. Esses idiotas”.
Estamos no gabinete do presidente de um grande anunciante. Três paredes são forradas a madeira nobre, a quarta é toda de vidro, com uma cortina de canto a canto, do teto ao chão. Esta configuração faz da sala uma espécie de palco, sendo o janelão a boca de cena e a cidade lá fora a plateia.
Neste momento, o presidente é o único em cena. Está no seu minibar privativo a servir um uísque sacudindo e inclinando a garrafa com impaciência, o que não é costume nele, assim como não é costume beber de manhã, é um homem de rotinas consolidadas durante décadas, está agitado, e a razão acaba de chegar: a secretária abre a porta e anuncia a diretora de marketing e comunicação da firma e o seu gestor de marca. Ela é uma mulher elegante no porte e no estilo, fina de inteligência, ele nem por isso. O presidente não se senta, nem convida nenhum dos dois a sentarem-se, nem sequer os cumprimenta, vai direto à jugular:
— Onde é que está a campanha, sra. diretora? Não a vejo na rua.
— Como assim?
— Como assim digo eu! — berra ele. — Gasto eu balúrdios numa campanha com a minha cara, coisa que você me convenceu a fazer contra a minha vontade, e agora não estou em lado nenhum?! Não é por mim, note bem, é pelo negócio, pelo negócio! Sabe o que isso é, sra. diretora? Antes parecia saber, o que é que lhe aconteceu? Sempre vi as nossas campanhas em todo o lado, nem precisava de procurar, e de repente esta não aparece, não a vejo! Não vejo nada!
Atónita e com dificuldade em processar o que está a acontecer, a diretora balbucia:
— Não vê nada?
— Não! Ou melhor, vejo sim. Vejo uma incompetência gigantesca, vejo falta de profissionalismo, vejo aselhice, vejo espertalhões a meter ao bolso, vejo parasitas, vejo corruptos e vamos ficar por aqui.
O homem está possesso, cala-se apenas para beber um gole de uísque que lhe sabe mal, a julgar pela careta. A diretora começa a recompor-se do choque inicial. Apesar de já conhecer estas fúrias, nunca tinha sido vítima delas. Tenta pensar, consegue acalmar-se, consegue até esboçar um princípio de sorriso e transformar o olhar de pânico de há instantes numa mirada de desafio, as sobrancelhas juntas, a cabeça levantada e a voz clara e serena:
— Percebo perfeitamente o que diz, sr. presidente, foi um erro lamentável da nossa parte e vamos corrigi-lo imediatamente.
— Não se incomode. Está despedida.
O apagado gestor de marca, até aqui um pouco indignado por estar a ser olimpicamente ignorado, desta vez fica feliz por ninguém lhe ligar. Faz por não chamar a atenção. A chefe, por seu lado, não se mostra abalada, não perde a compostura, prossegue como se nada fosse:
— Entendo a sua decisão, sr. presidente, mas deixe-me fazer-lhe só uma pergunta: trocou de amante ou de esposa?
O presidente cospe o uísque de um novo trago que tomava, lança à mulher um olhar fulminante e expele palavras de fogo:
— Mas que raio de pergunta vem a ser essa, sua grandessíssima… grandessíssima…
Não chega a pronunciar o insulto, nem é preciso, a diretora percebe, mas continua como se não tivesse percebido:
— É fácil de explicar, sr. presidente. Há muito tempo que nós no departamento de comunicação e marketing posicionamos alguns outdoors especificamente nos seus percursos habituais, empresa-casa, casa-empresa, empresa-casa da amante, casa da amante-empresa, casa da amante-casa, casa-casa da amante, justamente para garantir que o senhor vê as nossas campanhas na rua.
O homem ouve incrédulo, nunca lhe passou pela cabeça semelhante manobra.
— Vocês fazem isso?!
— Fazemos pois. Daí a pergunta: trocou de amante ou de mulher? Ou ambas? Se nós soubéssemos, teríamos mudado os seus outdoors. Esse foi o nosso erro.
O presidente fica em silêncio por um instante, chocalha o gelo no copo, e depois, já mais manso, diz:
— Isso não é verdade. Mostre-me provas.
— Com certeza. Deixe-me só procurar as trocas de emails com a agência de media que nos compra os outdoors.
Ao dizer isto, a diretora tira o telemóvel do bolso, mas o presidente levanta a mão, replicando:
— Não é preciso, já percebi o que aconteceu. Mas que fique claro: não foi pelas razões que alega. Tenho andado em jantares com clientes ultimamente.
— Claro que sim, sr. presidente. Agora só falta esclarecer uma coisa: ainda estou despedida ou não?
A contragosto, o presidente responde:
— Pode continuar.
— Com que cargo?
O homem percebe a insinuação da pergunta, pondera a reposta. Promovê-la seria admitir implicitamente o que ela disse, não lhe fazer a vontade seria correr o risco de ver a história tornar-se pública. Lá capaz disso é ela. Decide conter os danos.
— Bom, apesar deste pequeno percalço, creio que pode passar a administradora.
A nova administradora agradece a promoção e sai do gabinete com o gestor de marca, que conseguiu a proeza de não dizer uma única palavra durante o tempo em que lá esteve. Só o faz já no corredor, quando pergunta à nova administradora:
— Aquilo é tudo verdade?
— É tão verdade como as campanhas.
Crónica de Marco Pacheco, diretor criativo executivo da BBDO e escritor