Ricardo Monteiro, CEO Havas Worldwide
“Não vejo como empresas portuguesas possam apresentar vantagem competitiva sem serem levadas pela mão de um cliente”
Ricardo Monteiro, CEO da Havas Worldwide Portugal, Espanha, Brasil e América Latina, alerta para as dificuldades em que pode esbarrar a ambição das agências portuguesas que olham para o Brasil como o passo seguinte
Pedro Durães
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À frente da agora Havas Worldwide Brasil, Ricardo Monteiro é o português com maior influência no mercado publicitário brasileiro. Ninguém melhor para dar às agências portuguesas que olham para o Brasil como o passo seguinte um insight realista e exacto sobre as oportunidades, sobretudo no digital, design e RP, e os constrangimentos. E deixa o aviso: quem vem ao chamariz da Copa e dos Jogos Olímpicos “já deveria ter começado as suas actividades há pelo menos dois anos”. E depois disso? “O país entrou num período em que enfrentará instabilidade social, crescimento mais lento e perca de competitividade” e “a publicidade, com a conhecida excepção da área digital, sofrerá das consequências desses movimentos”.
Meios & Publicidade (M&P): Aproximam-se grandes eventos no mercado brasileiro, como o Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos, que vão certamente mexer com os mercados da comunicação e publicidade. É um bom momento para as empresas portuguesas avançarem para o mercado brasileiro?
Ricardo Monteiro (RM): Se havia empresas portuguesas que pretendessem aproveitar estes anos de grandes eventos, já deveriam ter começado as suas actividades há pelo menos dois anos. O mercado brasileiro é gigante, começar uma empresa no Rio de Janeiro ou em São Paulo, para não falar de Brasília ou, por exemplo, Porto Alegre, são coisas muito diferentes, dirigidas a populações diferentes, quer do ponto de vista do consumo quer do ponto de vista dos negócios. A burocracia envolvida, a complexa legislação laboral, o código fiscal, também igualmente complicado, convidam a grande prudência. Já para não mencionar os altíssimos custos operacionais, o famoso “custo Brasil”, que exigem um músculo financeiro importante. Sinceramente, ou se vai pela mão de um cliente ou clientes que esteja ou estejam dispostos a “bancar” a operação ou simplesmente desembarcar em terras de Vera Cruz à espera de oportunidades não vai resultar senão em choro e ranger de dentes.
M&P: O mercado brasileiro é muito competitivo. Há espaço para as empresas portuguesas se implementarem ou nunca passarão de pequenas agências num mercado de gigantes?
RM: Será sempre difícil que empresas portuguesas prosperem no mercado de publicidade. O mercado, além de competitivo, é também muito corporativista e os novos players defrontam-se, normalmente, com grandes dificuldades na entrada. Naturalmente, há sempre quem tenha mais talento, mais dinheiro e mais persistência do que outros. Mas sem uma combinação dos três, acho muito difícil. Das 20 maiores agências de publicidade do Brasil, todas são multinacionais… Acresce que, pelas características próprias daquele mercado, em que a compra de meios se faz por intermédio de agências de publicidade clássicas, o volume muito elevado requerido para se conseguirem pagar os salários de publicidade mais elevados do planeta, dificulta o recrutamento de talento local por uma uma pequena agência, bem como o pagamento das rendas mais caras das Américas..
M&P: Diz que prosperar no mercado da publicidade é muito difícil. Em que sectores estão as maiores oportunidades no mercado da comunicação no Brasil?
RM: O mercado está relativamente mal servido nas áreas das relações públicas, digital e design. Não é assim na publicidade tradicional. Além disso, a compra e planeamento de meios poderia também melhorar.
M&P: É nessas três áreas que as agências nacionais podem ter mais facilidade em entrar no mercado? Faz mais sentido entrarem agências que agreguem esses serviços ou agências especializadas?
RM: Os comentários que fiz relativamente ao lançamento de qualquer agência, os obstáculos corporativistas de protecção, mercado de trabalho e fiscais aplicam-se na íntegra. Porém, são actividades independentes da compra de meios e que pagam salários um pouco mais baixos. As barreiras de entrada são pois um pouco menores. Mas não vejo como empresas portuguesas possam apresentar vantagem competitiva a não ser se, realmente, forem levadas pela mão de um cliente.
M&P: Considera que seria positivo para o mercado tirar a compra e planeamento das agências de publicidade e abrir o Brasil às agências de meios?
RM: Não tenho opinião definida quanto à entrada de agências de meios. Acho que o expertise de meios pode chegar pela mão das próprias agências sempre e quando as suas “irmãs” de meios as capacitem nesse sentido. E acho que, sendo o mercado brasileiro um dos mais pujantes em criatividade, talvez a profissão como um todo tenha beneficiado pela ausência das agências de meios. Porém, “the jury is out on that one”, como dizem os ingleses.
M&P: Agências como a Partners, Brandia Central e Opal na publicidade, Cunha Vaz & Associados e GCI na comunicação, já estão presentes no mercado. Do ponto de vista de quem está no mercado, estão a ter impacto ou permanecem desconhecidas?
RM: São ainda desconhecidas. Mas nem todas são comparáveis. Entre os nomes que menciona existem agências que têm clientes com os quais já estabeleceram relações anteriores e que, provavelmente, estarão dispostos a patrocinar o seu estabelecimento e crescimento no mercado brasileiro.
M&P: Que conselhos daria a uma agência nacional interessada no mercado brasileiro?
RM: Que se equipem de talento, tempo e dinheiro para fazerem face às muitas dificuldades que um mercado gigante sempre apresenta. Mas, “quem não arrisca não petisca”…
M&P: A economia cresce mas tem havido cada vez mais contestação nas ruas e o crescimento desacelerou. Investir no Brasil é uma boa aposta neste momento ou há o risco de que em breve não haja mercado para todos e tenha de haver uma purga do mercado para reduzir a oferta?
RM: O Brasil sempre foi um país de altos e baixos. Já viveu momentos de grande euforia no passado que depois resultaram em grandes desilusões. É um país desigual, com fragilidade de algumas instituições e um controle deficiente do território, veja-se a “ocupação” de favelas por Unidades Pacificadoras ou a continuada dificuldade em controlar a desmatação da selva amazónica. Também são deficientes a prestação de cuidados básicos de saúde e o acesso à educação universal e gratuita. No entanto, e como tem sido amplamente noticiado, houve nos anos mais recentes uma explosão da chamada classe média e o alargamento de planos de inclusão social (Bolsa Família, sobretudo) que permitiram o acesso de cerca de 40 milhões de pessoas a melhores níveis de vida, desde a educação ao consumo, como pode constatar-se pelo crescimento do parque automóvel (o Brasil é o quarto maior mercado automóvel do mundo), a melhoria de indicadores de desenvolvimento humano, de licenciados, de turistas a viajar para o estrangeiro, etc. Mas algumas fragilidades persistem. Realçaria a crónica falta de investimento em infrae-struturas (praticamente não há caminhos de ferro, os portos são poucos e ineficazes, os aeroportos antiquados, a rede viária deficiente e de má qualidade), o funcionamento da justiça lento e questionável, enfim, tudo o que levou milhares, milhões de brasileiros às ruas. Continuam os investimentos sumptuários em estádios e obras questionáveis e, na minha opinião, o país entrou num período em que enfrentará instabilidade social, crescimento mais lento, perca de competitividade e, possivelmente, a necessidade de uma correcção no rumo empreendido. A publicidade, com a conhecida excepção da área digital, sofrerá das consequências desses movimentos telúricos e, infelizmente, cíclicos da sociedade brasileira.
M&P: Que peso tem o mercado brasileiro no negócio da Havas?
RM: O Brasil é já o quinto maior país em volume de negócios da Havas, depois dos EUA, França, Espanha e Reino Unido.
M&P: Como tem sido a evolução do investimento publicitário no Brasil e o que se espera do próximo ano?
RM: Devido à inflação de cerca de 5 a 6 por cento, existe sempre um crescimento, embora não real. No entanto, este ano, a brutal desvalorização do real fez com que o negócio decresça em euros cerca de 7 por cento mas cresça em reais cerca de 8 por cento… É dificil de medir crescimento com estas condicionantes.
M&P: Em que áreas estão a crescer mais?
RM: Sempre, sempre, no digital, onde já ocupamos mais de 150 pessoas, cerca de 40 por cento do número de empregados no país.
Entrevista publicada na última edição do M&P no âmbito de um dossier especial dedicado ao mercado brasileiro