Manuel Soares de Oliveira (Mosca)
“Agências sem visão e ambição não duram muito”
Manuel Soares de Oliveira deixou a Uzina para criar uma nova agência. Em entrevista faz o retrato dos problemas que afectam o sector.
Rui Oliveira Marques
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Durante o mês de Setembro Manuel Soares de Oliveira vai divulgar o nome da sua nova agência. Depois de 14 anos na Uzina, agência de publicidade que fundou e onde foi director-geral e director criativo, prepara-se para criar uma nova estrutura criativa, com foco no digital. No arranque, a agência terá cinco a seis pessoas, recorrendo depois ao apoio de profissionais especializados.
Meios & Publicidade: Anunciou que iria sair da Uzina para criar um novo projecto, sendo mais um exemplo de um profissional de renome que decide criar um projecto próprio. O que acha que está a levar à criação de novas pequenas agências?
Manuel Soares Oliveira (MSO): Não saí da Uzina para criar uma pequena agência. De facto, muitas das agências que têm surgido ultimamente revelam falta de ambição e as pessoas querem replicar numa pequena escala a agência onde trabalhavam. Não é esse o meu caso. Não tenho complexos em assumir uma ambição. A minha ideia é fazer uma agência diferente das que já existem, com ambição e vontade de inovar. Não é por seguir os passos dos que vão à nossa frente que os vamos ultrapassar. Além disso, uma agência tem que ter o tamanho suficiente para não perder a sua identidade, a visão que o fundador, normalmente um criativo, teve na sua fundação. Agências sem visão e sem ambição, normalmente não duram muito.
M&P: Os marketeers portugueses estão atentos a estas novas estruturas? Há margem para que no actual ciclo económico apostem em soluções criativas e arrojadas?
MSO: A grande maioria dos marketeers não está nada informada sobre as movimentações do mercado publicitário. Infelizmente para nós, esta é a realidade. Muita da culpa é do próprio mercado publicitário que não tem nada de novo para anunciar. Especialmente no actual ciclo económico, em que está tudo com medo, não há nada de novo nem de interessante que tenha surgido no mercado e que seja motivo de interesse para os marketeers.
M&P: Qual será o posicionamento e oferta da nova agência?
MSO: Uma agência que nasce em 2013 é uma agência naturalmente nativa do mundo digital. O que pretendemos é juntar a isso o conhecimento da publicidade tradicional, de modo a fazer uma agência que não se pareça com as que conhecemos. Uma agência onde o briefing não nasce do digital para o analógico ou vice-versa, mas que já nasce totalmente integrado, pois na sua origem já tivemos pessoas multidisciplinares a pensarem uma solução global e integrada. É fundamental derrubar as barreiras internas das agências, evitar a hierarquização, a departamentalização e a sistematização. Tudo isto são entraves à criatividade. O problema é que as pessoas estão todas a fingir que são o que não são. As agências tradicionais afirmam que conseguem entregar soluções digitais integradas, e do lado das agências digitais temos uns geeks técnicos com a mania de que percebem de branding, de posicionamento e de publicidade tradicional. Ambos estão errados e os anunciantes começam a perceber isso.
M&P: Ao fim de 14 anos deixou a Uzina, agência que criou. Porquê esta decisão?
MSO: A Uzina é uma grande agência, que fez campanhas marcantes nos últimos anos. Além disso, é uma agência que é conhecida pelo seu posicionamento irreverente e disruptivo. Quando fundei a Uzina, juntamente com o Pedro Paixão e o Gustavo Suarez, a principal ideia era fazer uma agência diferente e marcante. Ao fim destes anos todos, posso dizer que tenho orgulho na agência que criámos. Contudo, nesta altura da minha vida, achei que o mercado irá começar a pedir um novo tipo de agência. Por isso, estava na altura de sair da minha zona de conforto e de ir criar algo de novo. Não podemos passar a vida a aconselhar os nossos clientes a arriscarem e depois sermos nós próprios os maiores imobilistas. Há muitos publicitários que trabalham em agências estabelecidas e que vão trabalhar todos os dias sem maiores preocupações, e há publicitários que arriscam e que têm a coragem de começar e recomeçar. Estas pessoas deveriam ser aquelas que os clientes gostariam de ter ao seu lado. Pessoas capazes de pôr tudo em questão para si próprios e, portanto, também para a marca do anunciante.
M&P: Quais os trabalhos que mais destaca desse período?
MSO: As campanhas para o Wall Street, para a Kia e, claro, algumas campanhas para o Licor Beirão que ainda hoje são recordadas. Mas o trabalho que mais prazer me deu foi o próprio branding da Uzina. Acho que fomos bastante inovadores nesse campo. E é curioso que poucas agências façam branding da sua própria marca. Casa de ferreiro… A questão não são as campanhas que a agência fez ao longo destes anos. Acho sempre que o mérito está do lado do cliente.
M&P: Porque diz isso?
MSO: É o cliente que tem que aprovar e viver com a campanha que vai para a rua. E na Uzina tivemos a sorte de trabalhar com um excelente grupo de clientes, gente com coragem para arriscar e manter uma certa imunidade às criticas. Todas as boas campanhas são polémicas. É bom que haja gente a criticar, significa que do outro lado há gente a adorar a campanha. O pior é fazer campanhas que passam sem chamar a atenção de ninguém. Mas, na verdade, é o que se vê mais hoje em dia. Campanhas completamente higienizadas, sem qualquer diferencial. No outro dia, no mesmo bloco, vi três anúncios seguidos iguais. Anúncios com uma menina com um ar moderno, mais uns rapazes e amigos com um ar também moderno, a fazerem muitas coisas com um ar divertido, a passearem numa carrinha VW Pão de Forma, e mais uma série de clichês. Será que em 2013 não há respeito pela inteligência do consumidor? A sociedade passa por transformações profundas. A publicidade deveria ser um espelho dessas transformações, se não mesmo liderá-las. E, no entanto, os anunciantes continuam a gastar dinheiro em clichês que deixam as pessoas indiferentes.
M&P: Pode explicar melhor?
MSO: Não há vontade de arriscar, vivemos na cultura do medo e isso é paralisador. O problema é que as agências deixaram de falar com quem manda e estamos limitados a falar com directores manietados por forte controle interno, cuja única preocupação é não desagradar as chefias e por isso não podem arriscar. Nesta altura, mais do que nunca, temos que apostar em campanhas marcantes e diferenciadoras. Que mexam com as crenças do consumidor. Que façam desse consumidor um embaixador da marca. Mais do que nunca, devemos abandonar os clichés e arriscar.
M&P: Já disse que a nova agência terá um grande foco no digital. Na Uzina não era possível implementar esse tipo de abordagem?
MSO: A questão não é se é mais digital ou mais meios tradicionais. A questão, como sempre, é a criatividade. E o que é a criatividade? É a capacidade de resolver determinado problema com os menores recursos possíveis. Se. por exemplo, um post no Facebook de uma empresa consegue ter três mil shares, significa que está a falar com dezenas de milhar de pessoas. Então vamos fazer só redes sociais? Não penso que a resposta seja tão simplista. A produção de conteúdos para as redes sociais não cria marcas, mas ajuda muito a comunicar a personalidade dessa marca. Mas se a marca não tem personalidade, então está a perder tempo e dinheiro nas redes sociais. O problema das agências digitais é que têm sempre a mesma resposta para diferentes problemas. É a velha história: quando só se tem um martelo, todos os problemas parecem um prego. É preciso ultrapassar esta divisória e conseguir trabalhar o problema como um todo, o que exige respostas diferentes e inovadoras.
M&P: O seu novo projecto nasce num momento de grande crise económica. Que preocupações tem para que a agência seja viável?
MSO: Crise é quando a situação piora, mas passado algum tempo pode melhorar. Isto não é uma crise. O que estamos a viver agora é a nova realidade. Uma realidade onde as pessoas têm menos recursos e querem consumir de uma forma mais inteligente. Estamos numa fase em que, ou nos adaptamos a esta nova realidade ou não temos futuro. Uma empresa que nasça nesta altura tem que ser flexível e com uma grande capacidade de adaptação. Esta agência tem que ser uma empresa aberta, capaz de ouvir novos talentos e de ser uma plataforma de novas ideias. É tão vertiginosa a velocidade das transformações nos dias de hoje, que exige uma grande humildade da nossa parte para estarmos sempre de mente aberta e a aprender. E um publicitário a falar em humildade já é um sinal dos novos tempos. O futuro é hoje e não devemos apostar em modelos ultrapassados. A maioria das agências está presa a modelos ultrapassados e incapazes de abraçar a mudança. Tentam pôr baton no porco. Quando se guia a olhar para o retrovisor a maior probabilidade é de nos estamparmos.
M&P: Tem já clientes em carteira? São clientes com os quais trabalhava na Uzina?
MSO: O segredo é a alma do negócio. Vou tentar trabalhar com clientes que queiram fazer a diferença. Poucos, mas bons. Se calhar, com alguns dos que conseguiram ler esta entrevista até ao fim.
Esta entrevista foi publicada na edição 700 do M&P