Arquivo na ponta de um clique
A expressão “arquivo morto” parece estar a desaparecer do vocabulário dos grupos de media, não só a nível internacional mas também em Portugal. O online está a trazer novas possibilidades […]
Ana Marcela
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A expressão “arquivo morto” parece estar a desaparecer do vocabulário dos grupos de media, não só a nível internacional mas também em Portugal. O online está a trazer novas possibilidades de rentabilizar o acervo dos meios de comunicação social que olham para o seu arquivo como uma nova fonte de receita. Conheça alguns casos nacionais e saiba quais os desafios em cima da mesaEste mês o jornal alemão Die Zeit abriu o seu arquivo online com mais de 250 mil artigos aos cibernautas, tornando disponível de forma gratuita o trabalho publicado pelo título desde 1946. Ainda no mercado alemão, a Der Spiegel é uma das publicações apontadas como estando a estudar esta hipótese. A concretizar-se, a decisão da revista surge na sequência de uma série de iniciativas de outros grupos de media internacionais que estão não só a abrir na totalidade o acesso aos seus conteúdos na internet, como também a disponibilizar o seu acervo através deste meio. Uma tendência onde a recente decisão do The New York Times, que desde Setembro do ano passado permite o acesso aos artigos publicados antes de 1987, é apenas um exemplo.
Esta onda de fundo internacional, com maior ou menor dimensão, parece estar a ganhar terreno nos grupos de media nacionais, ainda que o modelo de negócio não apresente as mesmas características. “Um dos nossos objectivos é abrir os nossos arquivos ao público exterior”, começa por referir Maria João Lopes, directora-geral da Gesco, empresa do grupo Impresa constituída em 2000 e que reúne o acervo de artigos e fotografia das publicações do grupo de Pinto Balsemão, bem como os arquivos dos jornais A Capital, O Jornal e o Sete. “Em 2008 queremos estar na internet com os nossos conteúdos”, adianta a responsável. 943 mil artigos, 590 mil fotografias em alta resolução, 426 mil páginas em pdf e 1.396 utilizadores são os números que a Gesco tem para apresentar, apenas referentes à área de imprensa do grupo. O projecto, uma iniciativa da Gesco e da Media Zoom, unidade integrada na Impresa Digital, irá permitir aos utilizadores/clientes da empresa fazer a pesquisa dos conteúdos do grupo, bem como fazer a sua encomenda online, estando nos planos da empresa estipular uma cobrança por este serviço, tal como já sucede quando contactada por agências de comunicação, publicidade, editoras de livros e de imprensa, público académico. “Pensamos que há negócio, não sabemos ao certo quanto vale. Vamos testar o mercado”, admite Maria João Lopes. Além dos conteúdos das publicações do grupo Impresa, o portal/site irá igualmente contar com os conteúdos da televisão do grupo: a SIC.
Online reduz custos operacionais dos arquivos
A estação, à semelhança do grupo, está com um processo de digitalização em curso dos seus conteúdos, equipamentos, entre outros, a decorrer desde 2001. Neste momento, o arquivo da SIC, além de servir as necessidades da estação, é solicitado por entidades externas que procuram imagens registadas ao longo dos 15 anos de existência da primeira televisão privada em Portugal. Em arquivo estão não só os programas que vão para o ar, mas também os brutos de reportagem que são considerados terem potencial de reutilização, como explica Ana Franqueira. Ainda que a maioria da procura do material de arquivo da SIC seja feita, curiosamente, pelos telespectadores, os clientes “mais significativos são os profissionais, é onde está o negócio”, afirma a responsável do arquivo da SIC, que realça ainda a procura crescente, “sobretudo desde o ano passado, de formatos para a web”. Uma procura que a responsável, no entanto, preferiu não precisar no que é que resulta em termos de receita. “As vendas do arquivo representam um terço dos custos do arquivo”, refere. A disponibilização dos conteúdos do arquivo no online é encarada por Ana Franqueira como uma oportunidade de crescimento e de negócio. Com a passagem para a world wide web como ponto de contacto, a procura e a receita irão “sem dúvida” crescer, “sobretudo com a digitalização, porque o valor do arquivo cresce consoante o número de vezes que os conteúdos são visualizados”.
Um factor referido igualmente por Hilário Lopes. O subdirector de arquivo da RTP dá também conta que nas intenções do operador de serviço público de rádio e televisão está dar início, ainda este ano, a uma forma de acesso ao arquivo através da internet. Previsto, nos planos de investimento da empresa, está a “criação, no âmbito do site www.rtp.pt, que disponibilize conteúdos em arquivo”.
“O que está previsto é que os conteúdos [sonoros e audiovisuais] estejam visíveis para pesquisa e para visualização” (total ou parcial), e poderá ser solicitada a compra desses conteúdos nessa plataforma, sendo o valor do pagamento determinado pelo tipo de utilizador e a utilização (pessoal ou profissional) que o conteúdo irá ter. A concretizar-se – “o modelo de negócio ainda está a ser estudado” – irá transpor para o online a actual fórmula de pagamento do material de arquivo, que no caso do serviço público de rádio e televisão é regido por uma tabela de preços aprovada pela tutela, como explica Hilário Lopes. A passagem para a internet, defende o subdirector de arquivo da RTP, “reduz substancialmente os custos operacionais. Se o conteúdo está digitalizado, na internet é fácil aceder ao conteúdo para o fim desejado”. “Abrir o arquivo ao público” e, “obviamente, também potenciar as receitas do arquivo com novos acessos” são os objectivos desta disponibilização dos conteúdos online. Contudo, como refere o responsável, o grosso da procura do material de arquivo da RTP está no seio da própria empresa. Os números apresentados por Hilário Lopes são elucidativos. Só o ano passado foram feitas 15.861 solicitações ao arquivo o que resultou na entrega de 4.639 horas de extractos de imagem para utilização em programas de informação e ficção. Os documentários A Guerra, de Joaquim Furtado, e Portugal – Um Retrato Social, de António Barreto, ou a série Conta-me como Foi são alguns dos programas que recentemente recorreram ao arquivo da RTP. Os números não incluem as emissões do Memória, um canal de cabo criado em 2004 e que é alimentado, sobretudo, pelo acervo de programas do operador de serviço público de televisão. Já para “comercialização, entre privados e profissionais, 1.976 foi o número de pedidos em 2007, o que se traduziu em 968 horas de imagem”, acrescenta o responsável. Todavia, a procura externa, apesar de “ser uma fonte de receita, está aquém das necessidades de um arquivo como o da RTP. Dificilmente é um modelo de negócio que pode ser sustentado só com receitas”, afirma Hilário Lopes.
Uma questão de direitos…
Uma questão igualmente referida por Simões Dias, director do arquivo da Global Notícias, onde se reúne o acervo dos centenários Diário de Notícias e Jornal de Notícias e das publicações do grupo Controlinveste, como o Jogo, o 24horas, entre outros títulos. Estudantes e professores universitários, público em geral e, por fim, os grupos de media “que procuram informação anterior à sua data de fundação” estão entre o lote de clientes externos do acervo do grupo, o que gera “alguma receita”. “Mas temos custos muito elevados. Este é um investimento que o grupo faz mais em termos de serviço à comunidade”, refere Simões Dias.
Na Controlinveste a digitalização foi também um processo incontornável. Desde 2002 que foi constituída uma base de dados onde constam os arquivos dos diversos títulos, sendo que, em finais de 2006, foi feito um esforço de colocação dos mesmos em formato XML, o que permite a consulta via internet. Neste momento, a consulta por este meio só é possível internamente pelas redacções, a consulta e os pedidos externos do acervo ainda só são permitidos nos centros de documentação do Diário de Notícias, em Lisboa, e do Jornal de Notícias, no Porto, bem como nas lojas que o grupo pensa vir a abrir, de que a da Amoreiras, inaugurada em Dezembro passado, é exemplo. “As lojas vão disponibilizar tudo o que é produto editorial do grupo”, refere Simões Dias, acrescentando que “o centro de documentação é um desses produtos”. E a expansão, pelo menos a curto prazo, deverá passar por essa estratégia. Mas será que nos planos do grupo está abrir um novo ponto de contacto mais massificado com o público através da internet? “Estamos a pensar. Mas colocar o que quer que seja na internet, envolve cuidados acrescidos”, refere cauteloso o director do arquivo da Global Notícias. Há que, enumera Simões Dias, ter garantias de não vai haver usos indevidos do que as pessoas compram, ou seja, quem adquire efectivamente o conteúdo e que uso é que irá fazer do mesmo, havendo ainda questões de direitos de autor que é necessário acautelar.
Os direitos de autor são referidos, aliás, de forma unânime pelos responsáveis ouvidos pelo M&P. “A utilização de imagens on-line já é feita, nomeadamente na disponibilização para consulta por parte do público de peças dos jornais”, começa por frisar Maria Ana Borges de Sousa. Todavia, ressalva a directora de marketing, relações exteriores e novos negócios da TVI, “a sua comercialização ainda não é uma realidade e deverá ser estudada com o maior dos cuidados, defendo ser salvaguardados os direitos de autor e demais, bem como a defesa do próprio consumidor no processo de compra”. Uma questão que se coloca, de resto, na comercialização dos conteúdos mesmo sem recurso ao online. A nível externo o arquivo da estação, diz a responsável, é procurado, sobretudo, por instituições de ensino ou de saúde, às quais “tem sido política ceder as reportagens”, mas também por televisões com quem estabelecem “uma conta corrente”. “A venda de imagens, para uso em publicidade e documentários, não está fora de questão. Nestes casos, há que ter sempre em conta os direitos de autor e conexos, o que nos impede de rentabilizar muito mais os nossos arquivos”, refere Ana Borges de Sousa.
É igualmente na questão dos direitos que, no entender de Ana Franqueira, reside a maior dificuldade do projecto do grupo Impresa de avançar com a colocação do arquivo online. “É muito complicado efectivar o projecto, sobretudo pela questão dos direitos”, considera a responsável do arquivo da SIC. No que se refere à estação, tanto na área de informação como na programação há que garantir que os direitos estão assegurados pela televisão pois, de outro modo, não os poderá disponibilizar para revenda. O mesmo realça Hilário Lopes que explica que no futuro acesso online ao arquivo do operador público os utilizadores só deverão visualizar “os conteúdos próprios [da RTP] e aqueles para os quais estão assegurados os direitos de comercialização”.
Então, para transformar o arquivo num negócio, as bases de dados ou plataformas onde os conteúdos estão alojados deverão contemplar sistemas que garantem uma correcta gestão dos direitos de autor. Um tema que está a ser discutido no seio do grupo Impresa e na Gesco em particular. O novo Estatuto do Jornalista colocou a questão na ordem do dia. Um diploma que tem levado os grupos a analisar com cuidado os contratos de trabalho com os seus funcionários. “Queremos definir, como sempre fizemos, regras dentro do grupo com todos os profissionais (jornalistas e fotógrafos)” relativamente aos direitos dos mesmos sobre o seu trabalho, assegura Maria João Lopes. “É algo que está a ser discutido internamente”, acrescenta. “Vamos negociar. A lei exige que seja feita uma compensação e vamos seguir a lei”, assegura a responsável da empresa. E para isso, tanto o Estatuto do Jornalista, como a lei que regula os direitos de autor ou os contratos colectivos de trabalho vão servir de referência, assegura.
Será o arquivo uma aposta dos grupos de media?
Além do projecto online, na Gesco a estratégia tem sido igualmente a oferta dos seus serviços de catalogação e base de dados para outros grupos de media. A empresa acabou de renovar por mais um ano a parceria que desde Dezembro de 2006 a liga ao Público. O diário da Sonaecom foi o primeiro título externo ao grupo Impresa a usufruir dos serviços prestados pela Gesco, o que permite à redacção do jornal aceder aos conteúdos jornalísticos produzidos pela redacção, e aos quais só os profissionais do título acedem. Apesar do Público se manter ainda como o único título externo a fazer uso dos serviços da Gesco, a empresa quer apostar na amplificação da sua carteira de clientes, considerando que o facto de ter uma base e um sistema já montado poderá funcionar como chamariz de outros grupos de media que não tenham sistema de acervo organizado. Mas será que os grupos não irão eles mesmos fazer esse investimento num sistema de arquivo e transformá-lo numa fonte de receita? “Não sei se os grupos estão dispostos a investir o que o grupo Impresa investiu, e que foi um investimento alto, para colher frutos mais tarde”, refere Maria João Lopes. Mais, relembra, uma base de dados precisa constantemente de ser alimentada. “Há que criar equipas, porque a base de dados tem de ser cheia, e isso implica profissionais, documentalistas para tratar a informação”, diz. “Nos outros grupos há actualmente a tendência de reduzir custos, será que querem investir em algo assim?”, questiona a responsável da Gesco. “Até podem querer, mas não sei se estão dispostos a investir o que é necessário”, sintetiza.