Lei da Concentração “é uma teimosia”
As quebras de vendas dos jornais em banca, o fenómeno dos gratuitos, o impacto do digital e as incursões legislativas do governo são alguns dos temas abordados por João […]

Ana Marcela
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As quebras de vendas dos jornais em banca, o fenómeno dos gratuitos, o impacto do digital e as incursões legislativas do governo são alguns dos temas abordados por João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa.
Meios&Publicidade (M&P): As vendas em banca dos jornais continuam a diminuir, é um processo inevitável? Há forma de contrariar esta quebra?
João Palmeiro (JP): É verdade que alguns jornais têm vindo a descer, mas outros não. Por exemplo, o Expresso foi objecto o ano passado de um concorrente directo pela primeira vez em dez anos e, se o mercado estivesse tão limitado e fechado, poderia sofrer uma diminuição e não foi isso que aconteceu. Se olharmos para o que os jornais estão a vender hoje, e o que estariam a vender em crescimento normal – há dez anos os jornais começaram a fazer campanhas de produtos associados – veríamos que hoje se vendem em Portugal mais 20 a 25% de jornais do que se vendiam nessa altura. Quando as campanhas entram em alguma rotina, há uma acomodação no público já conquistado. Em Portugal, os jornais conquistaram 25% (de leitores) dos últimos dez anos, isto se contarmos apenas com os jornais vendidos, se juntarmos os jornais distribuídos, então, o crescimento foi enorme.
M&P: Há quem aponte aos gratuitos exactamente o efeito perverso de afectar as vendas dos títulos em banca. Partilha dessa análise?
JP: Residualmente. É verdade que os jornais gratuitos levaram a que uma pessoa que, por qualquer razão, não comprou em banca no primeiro momento, se no momento seguinte encontrou um gratuito provavelmente satisfez-se. Não acredito é que, no que é o cumprimento das funções dos jornais, os gratuitos tenham substituído os jornais. Os gratuitos vieram preencher uma lacuna que existe desde sempre em Portugal que são os jornais de leitura rápida e fácil. Houve uma tentativa com o 24horas, mas foi apenas uma tentativa.
M&P: Mas este fenómeno de quebra não é exclusivamente português, inclusive, as receitas de produtos associados têm vindo a sofrer quebras de monta afectando os resultados dos grupos.
JP: Porque perderam o efeito de surpresa e, do meu ponto de vista, ainda bem. Significa que quem compra quer comprar o jornal. Nunca fui crítico desse tipo de produtos associados, mas têm o valor que têm: num determinado momento agitarem o mercado, levarem produtos a serem consumidos por pessoas que antes não os consumiam e depois fidelizarem parte desses novos consumidores. A questão é se o mercado que existe ainda pode ir mais longe. O mercado só pode crescer se houver mais população idosa a ler jornais, temos uma mais jovem que não é leitora. A população mais idosa à medida que vai tendo limitações, financeiras ou até físicas, uma das primeiras coisas que substitui é o jornal. Há que pensar se ainda há alguma coisa a fazer para ir mais longe. Enquanto não tivermos sistemas de distribuição em casa e não formos mais proactivos na compreensão de como se vendem jornais, continuarei a achar que há qualquer coisa a fazer.
M&P: Os gratuitos provaram que é possível formas alternativas à distribuição em banca. Porque é que jornais não conseguem chegar à casa das pessoas?
JP: As empresas esbarram com normas que foram feitas para proteger o correio pessoal e não para facilitar a entrega de jornais e revistas. Há bem mais de cinco, seis anos que fazemos parte de uma comissão que reúne para estudar como podem ser alteradas as caixas de correio. Este é um processo muito complexo. Por um lado, para os correios não é muito interessante porque já têm uma parte substancial da imprensa não diária em termos de distribuição e para estes títulos, se não estiverem de manhã no correio, é um pouco indiferente. Contrariamente ao que se pensava, as revistas são um produto perfeitamente adaptável. Porque é que não são leitores de jornais? O grau de exigência de assinatura do jornal é igual ao das revistas, se a revista não chega a horas as pessoas protestam, o jornal, com as condições que temos actualmente, acabaria por ter de montar um sistema de reclamações que não parava mais.
O modelo de venda exclusivamente de papel tem de evoluir no sentido de ser complementado com a internet e no sentido das pessoas poderem escolher o jornal à medida. As pessoas tendem, sobretudo os mais jovens, a ter uma utilização do jornal muito selectiva e esse trabalho obriga-nos a um pensamento industrial na produção do jornal muito novo.
M&P: No que toca ao digital, parece que os títulos encaram-no mais como uma ameaça, do que propriamente uma oportunidade. Concorda?
JP: No fim dos anos 90 houve muitas publicações que passaram para a internet dizendo esse é o nosso futuro e depois afinal não era. Por uma razão simples, porque as pessoas não estavam prontas então, como não estão hoje, a prescindir da leitura do papel. A internet é importante porque nos permite não ter de guardar papel, seleccionar e estabelecer o nosso próprio menu de leitura. Há dez anos, nem os motores de busca, nem os programas que os sustentam estavam tão preparados quanto hoje. Foi um passo maior do que a perna.
M&P: Não era já altura dos media olharem para este meio de uma outra forma?
JP: A maioria dos jornais diários portugueses, os semanários já têm não só edições na internet como já usam benefícios da tecnologia impensáveis há dez anos, como a passagem de videoclips.
M&P: O modelo de negócio é que não parece estar tão definido.
JP: O modelo de negócio tem a ver o pagamento do acesso a quem usa a informação e a inclusão de informação comercial. No que toca ao pagamento do acesso à informação, o cabo nos últimos dez anos teve um tal desenvolvimento em Portugal que as pessoas se habituaram a ter esse acesso. Todos os estudos que fizemos mostram que os jovens estão dispostos a pagar assinaturas na internet, desde que essas tenham determinadas características que têm a ver com armazenar, procurar e utilizar a informação, não como ela vem no jornal, mas como é necessária para quem utiliza na internet. Usamos um ecrã para ver imagens animadas, quando olhamos para um jornal, que é estático, no ecrã estamos a olhar para algo que para nós é contra-natura. A fase em que estamos em que no meio de um jornal surge uma janela e essa tem um videoclip torna essa informação normal porque ai a notícia é para ser vista e ouvida.
M&P: O digital está então na fase em que deixou de ser um inimigo para ser um amigo da imprensa?
JP: Um amigo ainda não porque ainda não se conseguiu resolver um problema que é o que é que eu quero no videoclip. Quero ter publicidade como se fosse uma televisão que está a emitir? Ou quero ter publicidade que está atrelada à publicidade que tenho no jornal? O problema do modelo de negócio está muito aí. Se tiver publicidade no videoclip atrelada à publicidade que tenho no jornal estou a transformar aquele meu canal de comunicação num canal que parece televisão, mas se é isso, entro noutra competição porque passo a ter um negócio que não é o meu negócio de base e esse tem regras em termos de estabelecimento de preços e de impacto no consumidor que são medidas de forma diferente e me são desfavoráveis. Estamos num momento de mudança, mas a pouco e pouco a maior parte dos editores vai percebendo que os modelos de negócio passam segura e necessariamente por uma consideração mais activa do digital.
M&P: A API fez às empresas de clipping uma proposta, no que consiste ao certo?
JP: É uma proposta de uma licença. O clipping quando começou era o recorte, a aplicação aos recortes de meios de reprodução trouxe dois problemas: um, basta ter um jornal para fazer tantas reproduções quantas quero. Dois, ao estar a usar meios de reprodução, estou a fazer uma cópia. A nossa proposta reconhece que estamos perante um meio de reprodução por meios electrónicos e entregamos uma argumentação jurídica em que dizemos que face a isso a vossa actividade necessita de uma licença.
M&P: E qual vai ser o próximo passo?
JP: O da negociação do valor da licença.
M&P: A avaliar pelas reacções à proposta, em que foi dito que esta inviabilizava o negócio das empresas de clipping…
JP: Para dizer isso era preciso que se tivessem falado de valores e nós nunca falámos em valores. Houve algumas notícias que remetiam para o exemplo espanhol onde aí já há valores.
M&P: E já está em funcionamento…
JP: O funcionamento em Espanha tem a ver com o pagamento de direitos de autor aos jornalistas. Aqui falamos de direitos de reprodução. Quando compra hoje em dia uma disquete paga uma percentagem pela possibilidade de utilizar essa disquete para reproduzir, qualquer entidade que compre uma máquina de fotocopiar paga a um fundo que está no Ministério da Cultura.
M&P: Recentemente foi alterado o regime de porte-pago. Como é que avalia o actual momento que a imprensa regional está a viver?
JP: É grave em termos de porte-pago para o estrangeiro, em termos de negócio nem tanto. Os assinantes no estrangeiro não são um negócio para os editores, à excepção de dois ou três editores que têm o seu negócio dirigido para aí. Tirando isso, os assinantes no estrangeiro são fonte de prestígio, de reconhecimento, de cumprimento de serviço público, de divulgação de laços entre comunidades, não são negócio. Se vivessem só desse negócio há muito que tinham fechado a porta. Estamos numa luta para encontrar soluções alternativas que permitam aos editores manter o nível de cobertura no estrangeiro, mas o porte-pago para o estrangeiro não vai fazer com que nenhum jornal regional tenha que pensar se quer continuar com a sua actividade.
M&P: O negócio core dos títulos não foi impactado?
JP: O negócio não é afectado, mas o negócio também tem uma grande componente pessoal e para esses editores foi uma facada no coração. A relação com as comunidades no estrangeiro traz um reconhecimento que a relação em Portugal não traz. Mas se me perguntar o que é que isso trazia de negócio puro, não trazia nada.
M&P: O Bareme Imprensa Regional foi descontinuado, que comentário lhe suscita esse facto?
JP: Quando nos dois primeiros anos na associação tivemos um subsídio do Estado para pagar à Marktest esse estudo, disse muitas vezes que tínhamos que encontrar uma fórmula de “desmamar” mais tarde algo que foi dado e que, se essa fórmula não for encontrada, daqui a dois ou três anos, todo o esforço e o dinheiro que o Estado investiu pode não ter servido para muito mais do que, num determinado momento da história, conhecermos mais profundamente o sector. Infelizmente, pela aprovação de uma regra europeia que impediu que voltássemos a receber o subsídio do Estado para esse fim, o plano que tinha de três anos de apoio e a partir daí começar a diminuir não se verificou.
M&P: Os operadores não reagiram então a este estudo.
JP: Reagiram alguns, poucos.
M&P: Não considera que há uma excessiva dependência da imprensa regional dos apoios? Olhando para os projectos parece, por vezes, que não há uma grande profissionalização dos mesmos.
JP: Quando deixar o lugar que ocupo, publicarei a investigação que fiz para a minha tese de doutoramento, porque a mim também me provoca alguma curiosidade perceber como as coisas se passam. Se olhar para as reivindicações que esta Associação fazia nos anos 60 em relação aos correios e ao Estado verificará que o que se reivindicava era condições de negócio. Depois houve um momento em que o Estado disse 'vocês são todos uns coitadinhos e se não forem ajudados não cumprem a vossa missão', depois há uma outra fase em que o Estado diz que afinal é preciso condições de negócio. O problema é que há um hiato de 20 anos completamente irrecuperável em termos de mentalidade, dos dois lados: dos correios em geral e dos empresários.
M&P: A Confederação de Meios tem manifestado a sua preocupação com as iniciativas legislativas do governo, classificando-as nas palavras de um antigo dirigente, como a “maior frente de ataque” nos últimos tempos. Concorda com esta análise?
JP: Absolutamente, mas não é só em Portugal é também na Europa.
M&P: Recentes decisões dos tribunais parecem não dar sinais igualmente positivos. O direito de honra parece estar a impor-se ao informativo.
JP: E estamos ainda no princípio. Vejo um cenário ainda pior em termos de ataque à liberdade de expressão e da imprensa tal como a nós a concebemos. Se me disser isso já é uma coisa do século XX, que já não existe, que o que existe é outra coisa, então vamos lá discutir a outra coisa. Agora, não tenho é abertura para perceber porque é que as leis vão sendo mudadas mas o nosso papel e obrigações na sociedade continua o mesmo.
M&P: Em Portugal já há demasiada concentração dos media?
JP: Esta confusão, que é histórica… Não sou capaz de falar de concentração pelo número de empresas que são proprietárias, sou capaz de falar em concentração se em determinados segmentos só existir uma publicação que até pode ser a única de uma empresa. A concentração neste negócio só pode ser vista como impedidora do pluralismo e da diversidade e isso é verdade se existir uma publicação que abarca um segmento e mais ninguém poder fazer publicações neste segmento. Isso pode ser preocupante porque deixa de nesse segmento permitir que se estabeleça primeiro concorrência e depois diversidade e pluralismo no sentido dos conteúdos. Isso em Portugal não acontece de forma relevante.
M&P: Como é que vê então a Lei da Titularidade e Concentração?
JP: É uma teimosia. Pior do que isso, estão a ser feitos estudos, neste momento está a ser lançado um estudo internacional, sobre modelos de concentração da propriedade em todos os membros da União, com resultados previsíveis para o primeiro trimestre do ano que vem. E depois o que vamos ter?