Os dias da (nossa) Rádio
Propomos-lhe uma viagem pelo mundo da rádio. Relembrar momentos de glória, traçar o panorama português actual e auscultar alguns dos seus intervenientes. A ausência de audiências das rádios locais e […]
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Propomos-lhe uma viagem pelo mundo da rádio. Relembrar momentos de glória, traçar o panorama português actual e auscultar alguns dos seus intervenientes. A ausência de audiências das rádios locais e a emergência do online são apenas alguns dos desafios
Numa noite de Outubro de 1938, um dos maiores terrores da Humanidade concretizou-se. A Terra foi invadida por Marcianos. Os aparelhos de rádio debitavam o relato frenético de tudo o que estava a acontecer, contando com depoimentos e arriscadas reportagens no local. Aos microfones da CBS estava o responsável por tudo. Orson Wells apresentava uma encenação de A Guerra dos Mundos, novela de ficção científica de H. G. Wells, e o episódio contribuiu para demonstrar a força da rádio. A prova é que anos mais tarde — e por duas vezes, em 1958 e 1983 —, o radialista português Matos Maia repetiu a fa-
çanha.
E muitos foram os que tornaram a acreditar na ficção…
Esta é apenas uma dos inúmeras histórias que constituem o álbum de memórias deste meio, que conta com algumas glórias no seu currículo, tendo já assegurado um “lugar ao sol” na História do séc. XX. Quem ignora as crónicas de Fernando Pessa na BBC (onde até lhe sobrava tempo e talento para satirizar Adolf Hitler), os Parodiantes de Lisboa, as emissões de teatro radiofónico onde nomes como Carmen Dolores e Canto e Castro brilhavam, a importância da Rádio na noite de 25 de Abril — onde a música “E depois do adeus” cantada por Paulo de Carvalho serviu de senha para o início da Revolução de Abril — ou, mais recentemente, a cobertura exaustiva dos acontecimentos de Timor? Porém, se desde a sua génese a rádio tem merecido o respeito de todos, tal parece não ser o sentimento dominante nos dias de hoje.
«Há uma grande contradição entre a recepção com que a rádio conta junto da sociedade civil e a atenção que lhe é dispensada por parte do Estado, que a trata com um forte sentido de menoridade, considerando-a o parente pobre da Comunicação Social», lamenta o presidente da Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR), José Faustino. Naturalmente que esta situação algo deficitária não abona em favor da rádio, podendo mesmo trazer problemas á continuidade do seu funcionamento. «A descredibilização do sector junto da população pode ser bastante perigosa», alerta José Faustino.
Para este responsável, grande parte do problema reside na opção por uma postura supostamente moderna, mas que se revela rapidamente algo tacanha. «A maior parte dos políticos e homens de decisão querem apresentar-se como muito modernos, ligados ás novas tecnologias, e por isso apostam tudo nos novos suportes como o digital, as UMTs ou a TV Digital e acabam por esquecer a rádio. Mas quando necessitam dela sabem recorrer a este meio de comunicação, porque reconhecem bem a sua força…», critica, apontando como exemplo «a impossibilidade de serem disponibilizados 100 mil contos para ajudar as rádios locais a poderem transmitir os tempos de antena».
José Faustino aproveita ainda para relembrar algumas das virtualidades da rádio, uma vez que «são quase sempre deste meio os primeiros jornalistas a perecer em tempo de guerra» e é também a rádio que «menos críticas recebe por parte da Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS), o que só evidencia a grande credibilidade da informação radiofónica».
Actualmente o grande desafio é colocar as rádios na internet, existindo já um projecto apresentado pela APR, que também defende a necessidade de formação para esta nova realidade. Necessário é também «desenvolver «estudos de mercado a fim de conhecer as características dos auditórios e o perfil dos anunciantes locais, sobre o que não existe muita informação», conclui José Faustino.
Para falar sobre a formação fomos recolher o depoimento do
director do Centro Protocolar de Formação de Jornalistas (Cenjor), Fernando Cascais. E não podemos dizer que a sua perspectiva seja a mais optimista…
«Comparando com os restantes media, a rádio é a área onde existe menor volume de formação, e não me estou a referir apenas ao Cenjor, mas também a considerar toda a realidade académica da formação jornalística», aponta. Porém, se no caso do Cenjor, esta
diminuta intervenção se prende com a especificidade do ensino
que aqui é desenvolvido — «a formação que o Cenjor faz é prioritariamente destinada ao sector da informação e este, na rádio, comparativamente aos restantes meios, ainda é o que ocupa menor dimensão» —, já no que se prende com as restantes propostas as razões
serão mais vastas.
Segundo Fernando Cascais, esta menor apetência pela aprendizagem no meio rádio está relacionada com o facto de ser um meio mais restrito do que os restantes, e onde haverá menores hipóteses de virem a exercer, até pela reduzida dimensão das empresas que operam no sector. Fernando Cascais realça a necessidade de se ser intransigente: «Quem é jornalista de rádio faz informação e não animação. A figura do radialista que faz de tudo um pouco não pode existir.»
Em preparação pelo Cenjor estão também várias acções de formação na área técnica, não só para aumentar a competência dos jornalistas, mas também para quem procura esta área específica, «uma vez que ainda se aprende muito pela prática no terreno. Queremos contribuir para colmatar esta lacuna».
Quanto ao futuro, Fernando Cascais defende que a diferenciação da rádio far-se-á pela acentuação das suas especificidades. «Julgo que poderá haver mesmo um regresso a meios mais convencionais e, no que diz respeito á rádio, esse reposicionamento passa pela primazia concedida á palavra», conclui.
ã necessário modernizar as audiências de rádio e para isso as estações têm de fazer grandes investimentos», destaca Francisco Pereira, director de research da Carat Portugal e membro da Comissão
de Análise de Estudos de Meios (CAEM) — Rádio. Apesar de reconhecer a validade da metodologia empregue no Bareme Rádio, da responsabilidade da Marktest, que se baseia em entrevistas telefónicas, este responsável refere a necessidade de se utilizarem outros projectos como os audímetros-relógio. De facto, o Bareme Rádio apenas mede uma realidade nacional, deixando de fora as rádios locais e outras — Mega FM e Nova — que, pela sua dimensão, teriam
decerto algo a dizer nos resultados finais.
Aliás, uma recomendação do Conselho Técnico Consultivo — Grupo Rádio da CAEM, emitida em Fevereiro deste ano, refere que o Bareme Rádio “deve manter-se apenas como estudo de referência de medição de audiências de suportes, em particular de âmbito nacional”. Ainda de acordo com o mesmo documento, são sugeridas á Marktest duas opções no que concerne á amostragem do estudo, em substituição da actual: proceder a uma sobre-amostragem nos concelhos cuja análise de “clusters” prova existir heterogeneidade, como nas zonas onde actualmente se processa a sobre-amostragem ou, em alternativa, proceder a uma amostragem proporcional, com eventual aumento da amostragem actual.
Por outro lado, a Associação Portuguesa de Radiodifusão encomendou um estudo ao Instituto de Pesquisa de Opinião e Mercado (IPOM), já responsável pelo primeiro do género realizado á imprensa regional — “Estudo do Perfil do Leitor da Imprensa Regional e Local e da For-ma como esta é Percepcionada pelos Leitores” —, tendo por objectivo o apuramento de uma metodologia aplicável á realidade das rádios locais.
Segundo Aguiar Falcão, director do IPOM, o espectro radiofónico nacional reveste-se de particularidades que dificultam em muito a definição de representatividade da amostra. «Comparando com a imprensa regional, as rádios locais não estão tão bem limitadas geograficamente. Há rádios que, apesar de pertencerem a um concelho, são também ouvidas em zonas de outros», afirma. Assim, o IPOM efectuou dois estudos-piloto distintos — um em Leiria e outro em Castelo Branco, correspondendo a zonas com características geo-gráficas distintas (uma litoral, outra interior) —, onde foram realizadas 500 entrevistas telefónicas.
Apesar de reconhecer a complexidade do desafio, Aguiar Falcão acredita que é possível obter uma amostragem final que traduza, com acuidade, as realidades locais do país. Quanto a resultados, só se-
rão conhecidos no início do próximo ano. Até lá, o único estudo disponível de audiências a rádios locais data de 1998 e foi encomen-dado pela Secretaria de Estado da Comunicação Social.
Assim, apesar da já referida permissividade dos dados do Bareme Rádio, os mais recentes números disponíveis — referentes ao período do Verão — revelam, quando comparados com os do segundo trimestre do ano, uma descida geral da Audiência Acumulada de Véspera (AAV) de 3,1%. Um fenómeno que, de acordo com alguns operadores de mercado, é próprio da época do ano. Independentemente desta descida, o Grupo Renascença continua a liderar destacado, com uma AAV de 23,4%.
Face a este cenário, uma dúvida persiste: perante a ausência
de dados regionais, como é que as agências de meios fazem o seu planeamento? Nesse caso, refere Francisco Pereira, «vamos pela qualidade empírica do produto; aí está muito relacionado com o feeling do planeador».
Um dos principais entraves ao crescimento do investimento publicitário em rádio é a televisão. Segundo este profissional da Ca-rat, «o preço da publicidade em televisão tem de aumentar e deixar de ser acessível a todos porque se assiste a uma verdadeira
saturação do meio».
O principal penalizado é, claro está, a rádio. Apesar desta constatação, Francisco Pereira defende que «uma campanha de rádio não vive por si só», devendo assumir-se como um complemento da te-levisão. E dá um exemplo: «No caso da Vodafone, quando passa o jingle, todas as pessoas já sabem o que é. É um fenómeno de repetição.» O efeito de explicação do produto, ainda de acordo com este especialista, só é conseguido em meios como a imprensa ou a internet. No entanto, existem clientes da Carat Portugal — casos da EMI e da BMG — que, devido á especificidade desse mesmo produto, elegem a rádio como primeiro meio.
Como já foi repetido até á exaustão, em tempos de crise económica, um dos primeiros sectores a sofrer é o da publicidade. No entanto, a rádio, em comparação com os outros media, tem passado quase incólume face ao tão propalado desinvestimento publicitário. Para Francisco Pereira, tal deve-se ao facto de a rádio continuar a ser um media barato, que manteve a mesma tabela de preços, e também por não terem
sido realizados grandes investimentos estruturais. Dois factores que explicam alguma coisa, mas decerto não justificarão tudo…
A memória da Rádio encontra-se (bem) documentada num museu que lhe é dedicado. Um edifício do século XIX na Rua do Quelhas, em Lisboa, alberga maquinaria, apetrechos, fotografias e textos que são
o testemunho de caras, processos e equipamentos responsáveis por mais de um século de comunicação. Manuel Bravo, director desta casa, conduziu-nos por entre o espólio.
«O museu está aberto ao público desde 1992 e o acervo documenta a evolução da radiodifusão e do radioamadorismo, secção a que dedicamos todo o espaço do sótão. É impressionante a quantidade de pessoas, em todo o mundo, que se dedica a esta actividade. Graças á recolha que é feita há vários anos, mas também a desinteressadas ofertas de particulares, temos algumas peças muito importantes, como um altifalante em pergaminho, de 1918, uma réplica do emissor que Marconi usou em 1895, o primeiro gravador de fita magnética (1936) oferecido por Hitler a Salazar, bem como mais de uma centena de primeiras licenças de rádios, equipamentos de teatro radiofónico…
Já vi outros museus da rádio, em outros países, e este não nos envergonha em nada», confessa Manuel Bravo, ele próprio profissional de rádio durante muitos anos. Curiosamente, não deixa de tecer algumas críticas a este meio, considerando que «a tecnologia que foi posta ao seu serviço é mal utilizada, uma vez que o tornou muito mais impessoal».
Organizado por ordem cronológica, o Museu da Rádio conta anualmente com cerca de 12 mil visitantes. Uma viagem por esta casa constitui um “mergulho” num mundo de surpresas, como o receptor instalado, em 1937, numa caixa de fiambre por Horácio Costa, então dono da Aveirense; a mesa de estúdio criada por Jorge Alves — «que estava na Voz da América a fazer o mesmo que o Pessa fez na BBC, embora muitas vezes as pessoas se esqueçam dele» —, a qual permitia que apenas um locutor fizesse a emissão e colocasse música; a sala de instrumentos musicais com algumas raridades — «estes tímpanos barrocos são os únicos no país» —, diversas fotografias evocativas de alguns “gigantes” do éter como Maria Leonor, Canto e Castro, Pedro Mourinho, Os Parodiantes de Lisboa ou Cândido Mota, diverso material proveniente do Rádio Clube da Parede (1928), do Rádio Clube Português (1931) e da Emissora Nacional (1935).
Microfones, telefones — «este aqui foi retirado do incêndio na Sampaio e Pina, em 1975», conta Manuel Bravo, apontando para um aparelho amolgado, fundido pelas chamas —, artigos de jornal (como um de 1912 que anuncia a obrigatoriedade de existir telégrafo a bordo, após a tragédia do Titanic, lado a lado com o artigo do Correio da Manhã, de 1999, que noticia o fim desta lei) coabitam nesta mostra de um mundo que, apesar de viver do som, proporciona imagens bem curiosas. «A rádio tem uma magia muito própria, porque o facto de não se ver quem fala é um aliciante para a imaginação
de quem ouve», destaca Manuel Bravo.
Palavras para ponderar, num tempo em que a própria imaginação é, cada vez mais, servida já formatada.