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Opinião

Vamos lá falar sobre o período (e a Knix paga por isso)

É irónico que tanta gente ache nojenta uma imagem que remete para um processo natural do corpo feminino, mas que não sinta desconforto ao ver imagens de sangue resultante de cenas de violência, tão comuns na televisão e no cinema

Opinião

Vamos lá falar sobre o período (e a Knix paga por isso)

É irónico que tanta gente ache nojenta uma imagem que remete para um processo natural do corpo feminino, mas que não sinta desconforto ao ver imagens de sangue resultante de cenas de violência, tão comuns na televisão e no cinema

Sobre o autor
Paula Cosme Pinto

“Uma em cada duas adolescentes abandona o desporto por causa da menstruação e posso dizer que, mesmo ao mais alto nível, ainda existe estigma”. As palavras não são minhas, são da multipremiada futebolista norte-americana Megan Rapinoe, que dá a cara pela campanha #SportYourPeriod (na foto da página ao lado), lançada pela Knix.

A marca de roupa interior quer normalizar a conversa sobre a menstruação, pagando a atletas de alta competição para falarem sobre os seus períodos em entrevistas, conferências de imprensa e demais aparições públicas que façam durante os eventos em que participam. Sim, leram bem: até novembro, a Knix promete pagar até 2000 dólares (€1800) às desportistas de topo que, tal como Megan Rapinoe, deem o seu exemplo e falem publicamente desse enorme bicho papão que ainda é o período.

Quando, em 2016, durante os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a nadadora chinesa Fu Yuanhui explica num direto que o facto de lhe ter aparecido o período a tinha afetado na sua prestação, o momento viralizou na internet. Choveram aplausos de mulheres de todo o mundo que se reviam e sentiam que, finalmente, alguém dizia sem receios aquilo que tantas pensam, mas não ousam afirmar em público.

Talvez porque a reprimenda social que envolve o período seja enorme, talvez porque já são tantos os obstáculos às mulheres no desporto de alta competição que a menstruação, e tudo o que ela envolve, seja um género de preço a pagar em silêncio, para não sermos ainda mais questionadas ou desvalorizadas nas nossas competências desportivas.

É certo que, de 2016 para 2024, a diferença das narrativas públicas durante as olimpíadas foi grande, até mesmo porque a participação feminina alcançou, pela primeira vez, valores paritários. Temas como gravidez, maternidade, menstruação, disparidade salarial ou falta de patrocínios foram abordados amiúde, como se se retirasse um gigante manto de invisibilidade de cima das questões que afetam especificamente as atletas do sexo feminino.

Mas uma coisa é certa: não basta termos uma balança equilibrado quanto ao número de participantes de ambos os sexos, no que toca à paridade efetiva no desporto ainda há um longo caminho a percorrer.

Porque continuamos a usar líquidos azuis em publicidades a pensos higiénicos?

Aos números mencionados por Megan Rapinoe no vídeo da campanha #SportYourPeriod, a Knix soma outros dados que merecem atenção, retirados de um inquérito realizado em parceria com a canadiana CAN Fund #150Women, que incluiu mais de 500 desportistas: 99% já competiram com o período numa competição internacional, 87% referem que o seu ciclo menstrual tem impacto no seu desempenho e nos treinos, 75% têm medo de ter perdas de sangue menstrual durante a competição e 64% já se sentiram desconfortáveis ao falar sobre o seu período com os seus treinadores.

Não são números residuais, são valores que demonstram que os estigmas e os anseios em torno da menstruação afetam a larga maioria das atletas. Não é, portanto, ao acaso que tantas miúdas deixam para trás a ambição de uma carreira desportiva. Num mundo que ainda olha para este processo biológico como uma visão que não é apenas melindrada e desinformada, é também de repulsa, o período tem tanto de natural quanto de inconveniente. E tende ora a ser silenciado, ora ridicularizado.

Lembro-me sempre daquele caso da escritora Rupi Kaur, que há uns anos decidiu fazer a experiência de pôr uma foto sua no Instagram, em que surgia de costas, deitada na cama, com uma pequena mancha de sangue nas calças, entre as pernas. A ideia era perceber as reações que a imagem de algo tão simples provocaria nos demais. “Que porca!” ou “É grotesco!” foram respostas que não se fizeram esperar. E a própria rede social alinhou na censura, acabando por banir a imagem.

“Ninguém se choca que as mulheres apareçam constantemente nuas ou com pouca roupa, como meros objetos sexualizados. Parece que a ‘pornificação’ da imagem feminina é mais cómoda que a menstruação”, escreveu a artista na altura.

Não podia estar mais de acordo com esta análise. Também é irónico que tanta gente ache nojenta uma imagem que remete para um processo natural do corpo feminino, mas que não sinta desconforto ao ver imagens de sangue resultante de cenas de violência, tão comuns na televisão e no cinema.

E porque continua o mundo da publicidade a usar líquidos azuis para demonstrar a eficácia da absorção de produtos menstruais?

Representar o sangue do período com outra cor que não a real é tratar este tema como algo digno de ferir suscetibilidades, e não como um processo biológico, perfeitamente normal e desejável, de metade da população do planeta.

Ao fazê-lo, estamos a alimentar um tabu em relação à menstruação, basicamente, a reforçar a ideia de que o período é algo muito sujo e que devemos esconder, acima de tudo, porque sai pela vagina, parece-me.

Voltando ao desporto, importa frisar que é gritante a falta de políticas viradas para a saúde menstrual, assim como o apoio estrutural às atletas, seja nas federações, seja nas equipas, na formação de treinadores, na formatação de planos de treino, no acompanhamento médico e nas próprias infraestruturas desportivas.

Tudo isto afeta inegavelmente a participação das mulheres e das raparigas neste universo, desde as que estão em início de carreira às que já alcançaram reconhecimento. Quanto talento já foi desperdiçado em vão, por causa de algo tão simples quanto o período?

Posto isto, a Knix acredita que, quanto mais falarmos de períodos no desporto e quanto mais normalizarmos a conversa sobre tudo o que envolve, na realidade, a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, mais adolescentes continuarão a praticar desporto. “Os períodos não devem deixar ninguém de fora”, conclui a campanha. Um enorme a aplauso a isto.

Sobre o autorPaula Cosme Pinto

Paula Cosme Pinto

Comunicadora pela igualdade de género
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