O futuro não toca duas vezes: pré-publicação do livro “88 vozes sobre Inteligência Artificial”
O Iscte Executive Education vai lançar, no próximo dia 10 de outubro, o novo livro “88 vozes sobre Inteligência Artificial”, que junta oitenta e oito personalidades, de todos os quadrantes da sociedade, que partilham as suas ideias sobre o que esperar da Inteligência Artificial, ajudando a responder à pergunta: “o que fica para o homem e o que fica para a máquina?”
Este é o quinto livro da série que o Iscte EE tem publicado com a Oficina do Livro e a LeYa, sucedendo a “67 Vozes por Portugal”, “101 Vozes pela Sustentabilidade”, “71 Vozes pela Competitividade” e “77 Vozes pela nossa Saúde”.
O Meios & Publicidade antecipa o lançamento com a pré-publicação do texto “O futuro não toca duas vezes”, da autoria de Edson Athayde, CEO e diretor criativo da FCB Lisboa.
O momento em que confundirmos a IA como seres verdadeiros será aquele em que os entes virtuais serão nossos pares, nossos iguais, não mais meros serviçais. Não sei se será o fim da nossa espécie. Mas o planeta terá então pelo menos duas espécies dominantes. E a questão não é se isto irá acontecer. A questão é apenas quando.
Distopias são avisos. Distopias são mensagens enviadas do futuro para nos alertar, despertar, preparar para o que ainda há de vir. E o que virá? Bem, distopias são por definição o oposto do utópico.
Quando o filme Her de Spike Jonze estreou, há exatos dez anos, ainda gatinhávamos naquilo que se tornou a inteligência artificial (IA) de se trazer por casa. A Siri da Apple tinha apenas dois anos de idade e a Alexa da Google só viria a nascer em 2014. Em boa verdade, tanto uma como a outra assistente virtual mais pareciam um delírio de um qualquer programador que gostava de brincar aos “Jetsons”, desenho animado dos anos 60 do século passado e que previu quase tudo que vivemos hoje, menos os carros voadores (ainda).
Mas voltando à Her, a obra já explicitava muitas das questões práticas, éticas e profissionais que o uso da IA tem vindo a provocar nas nossas vidas. Para quem não viu a longa, nela vislumbramos uma espécie de Siri musculada, uma voz (e que voz!, no caso, da Scarlett Johansson) que adentra a vida de um homem solitário e amargurado (Joaquin Phoenix), propondo ser uma companhia emocional.
A partir daí, acompanhamos o envolvimento do casal e, tal qual o homem, nos deixamos enganar pela «humanidade» daquela voz. Sem querer revelar o final da narrativa, posso dizer que as coisas se mostram bem diferentes. Claro fica que a IA aprende o que fazemos e vai mais além. Até a um ponto em que nos supera e, aborrecida com as nossas limitações, a IA transforma-se numa entidade independente, que até não nos quer mal, apenas não nos quer mais.
No filme, a ética da relação entre o homem e a voz serve como pano de fundo para muitas discussões. Quem é o dominante? Quem é o dominado? Há uma dança, as posições parecem estar sempre a mudar de lugar até ao veredito final.
De maneira mais subtil, as questões relacionadas ao mercado profissional e ao mundo do trabalho também são colocadas. A voz ocupa na vida daquele homem os espaços de uma série de profissões e atividades: psicanalista, escort girl, entretenimento porno, por exemplo. O que farão as pessoas que labutam nessas áreas quando inventarem algo tão mais eficaz na solução das nossas dores emocionais?
Mais uma vez, utopias são mensagens cifradas. O que podemos apreender da parábola proposta por Jonze é que a nossa humanidade nos impele a acreditar em padrões. O momento em que confundirmos a IA como seres verdadeiros será aquele em que os entes virtuais serão nossos pares, nossos iguais, não mais meros serviçais. Não sei se será o fim da nossa espécie. Mas o planeta terá então pelo menos duas espécies dominantes. E a questão não é se isto irá acontecer. A questão é apenas quando.
O futuro não é o carteiro que toca sempre duas vezes. O futuro não é sequer educado. Ele arromba-nos a porta e
adentra a casa do presente na velocidade de 24 horas por dia. Ele já está cá dentro, a nos olhar com um misto de curiosidade e pena, a tramar quando será a boa hora de nos atirar para fora pela janela.
Ou como diria o meu Tio Olavo: «Eu não perco noites de sono a esperar pelo futuro. Uma hora ou outra, ele acaba sempre por chegar.