A festa – Crónica de Marco Pacheco
Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a […]
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Quando desafiámos Marco Pacheco a escrever artigos de opinião para o M&P, o diretor criativo executivo da BBDO teve uma ideia melhor: E se fossem crónicas sobre o dia a dia dos publicitários? O que fazem (e o que não fazem), as suas alegrias, angústias e frustrações. “Uma coisa tinha clara: não queria escrever sobre os desafios, o futuro, as tendências e/ou os casos de sucesso do nosso ofício. É por isso que esta crónica não é sobre publicidade. É sobre os publicitários. Esses idiotas”.
É noite. Estamos na sede uma produtora de filmes publicitários. Um antigo armazém portuário convertido em open space. Hoje, as secretárias foram encostadas a um canto, há balões pendurados nas traves do teto, balões presos à parede e, de permeio, cartazes com pedaços de folhas de Excel, contas e números com cores psicadélicas, estilo Matrix.
– O vosso contabilista faz anos, é isso?
Brinca um criativo que chegou mais cedo para alguém da produtora que responde apenas:
– Quem sabe, já vais ver.
Os convidados estão a chegar. Não são muitos. Os sócios da produtora não alargaram o convite a mais ninguém. Fizeram questão, isso sim, que viesse o máximo de pessoas de uma agência com a qual sempre trabalharam bastante, chegaram a produzir mais de dez filmes num ano, mas ultimamente deixaram de trabalhar. Chega o CEO, chega o CFO, o produtor da agência, o diretor criativo, duas diretoras de contas e dois ou três criativos, sempre prontos para uma noite de bar aberto. De outras agências não apareceu ainda ninguém, nota o CEO com agrado.
– Isto é uma ação de charme para lhes passarmos trabalho – segreda ele a uma diretora de contas, que torce o nariz:
– Só para nós?
– Sim, nós filmamos mais do que muitas agências juntas – argumenta o CEO, orgulhoso do negócio que construiu.
Passados alguns minutos, o open space continua meio vazio. Além das pessoas da agência, estão apenas os colaboradores da produtora, manifestamente insuficientes para compor a sala. Por sorte, ou engenho, o barulho das luzes disfarça bem, o ambiente é escuro, de discoteca, com música, e todos bebem e falam alegremente – sobre trabalho, claro.
– Foste tu que filmaste esse? Está muito bom – diz o diretor criativo para um realizador da casa.
– Obrigado. A ideia também era boa, é como as vossas, vocês fazem guiões que não parecem anúncios, são histórias e é isso que eu quero filmar.
O tom só muda quando o trabalho em causa não é de nenhum dos presentes. Aí os elogios são menos efusivos.
– Aquele acting está medonho.
– E a ideia nem se percebe.
Enquanto isso, o pessoal não criativo, sócios da produtora, produtores, CEO, diretoras de contas, CFO e outros, discutem o mercado, os prazos cada vez mais curtos, os orçamentos cada vez mais apertados.
– Pois, está tudo a cortar – diz um sócio da produtora e o CEO, longe de imaginar o alcance das suas palavras, atira:
– Menos vocês. Até dão festas e tudo.
Os sócios entreolham-se, sorriem, e aproveitam a deixa para dar início à festa propriamente dita. O CFO, sempre desconfiado e perspicaz, repara no sorriso e fica a pensar: “o que estarão estes a preparar?”. Tem uma desconfiança, mas não sabe como ligá-la a este momento específico. Entretanto, os sócios carregam uma mesa até ao centro da sala e pousam sobre ela um bolo de aniversário encimado por uma vela em forma de 1, que um deles acende.
– Um?
Perguntam várias pessoas, todas da agência, curiosas, e por isso especialmente atentas ao discurso que um sócio faz, dirigindo-se à zona onde estão o CEO e o CFO:
– Boa a noite. Muito obrigado por terem vindo, era muito importante para nós contar com a vossa presença. Vocês sabem que somos parceiros de longa data, e que felizmente conseguimos muitos sucessos juntos, mas há ocasiões que merecem ser assinaladas de forma especial, como esta que nos traz aqui hoje.
Nesta altura, o outro sócio mostra aos convidados uma folha A4 que tem na mão e continua:
– Esta fatura de cento e noventa e nove mil e trezentos e vinte sete euros completa hoje um ano de vida sem ser paga. Foi passada à agência no dia 12 de maio de 2022. Como compreenderão, uma fatura com este valor e com esta bonita idade, é uma ocasião que não podíamos deixar passar em claro.
E começam ambos a cantar:
Parabéns a você
nesta data querida
muitas felicidades
poucos anos de vida
Todos acompanham menos as pessoas da agência. A nenhuma apetece cantar. O CEO congelou com o copo de whiskey na mão e um sorriso tão amarelo que quase brilha no escuro. As diretoras de contas estão arrependidas de terem vindo de salto alto, queriam ser anãs, procuram um buraco para se enfiarem. O produtor da agência olha para elas na esperança de que o encontrem para se enfiar lá também. O CFO repete entre dentes “eu sabia! Eu sabia!”, enquanto pousa o copo de gin numa mesa para ninguém ver que está a tremer. Sentindo que lhe cabe dar uma resposta, levanta timidamente a mão trémula para intervir, mas a cantoria não cessa nem afrouxa:
Hoje é dia de festa
cantam as nossas almas
pra senhora fatura
uma salva de palmas
Os criativos não sabem o que pensar. Ao som das palmas, fitam as suas chefias à procura de uma explicação que elas, claramente, não estão em condições de dar. O diretor criativo, esse, está irritado, mas não pela humilhação, que nem sequer toma como sua. Está irritado porque a ideia não foi dele. Só não se junta aos aplausos porque ficaria mal (normalmente é ao contrário, aplaudir colegas fica bem) mas reconhece, de si para si:
– Boa sacada.
O CEO aceita pagar a fatura, mas recusa soprar a vela.