O higher power das ativações de campanhas pelos direitos humanos

Por a 2 de Junho de 2023

Entre 17 e 21 de maio, os Coldplay estiveram em Coimbra, em quatro concertos que mobilizaram mais de 200 mil pessoas e marcaram a agenda nacional do ponto de vista cultural, foram trend em várias redes sociais e falados amplamente na comunicação social. A Amnistia Internacional esteve, a convite dos Coldplay, com uma campanha de ativação no interior do perímetro, juntos dos milhares de fãs.

É habitual as marcas fazerem ativações junto de festivais, concertos ou outros eventos. As experiências proporcionadas nestas ações são únicas e procuram causar uma impressão duradoura em cada uma das pessoas, para que todas elas se sintam emocionalmente conectadas à sua marca. Isto tem impacto no reconhecimento da marca (brand awareness), na lealdade (brand affection, brand loyalty) e, em geral, no valor da marca (brand equity). A recorrência a estratégias de comunicação e marketing tem sido amplamente utilizada por marcas comerciais, mas menos por organizações não-governamentais (ONG), o que nos pode fazer questionar o porquê da não utilização destas estratégias por estas organizações. Já em 1969, Phillip Kotler e Sidney Levy avançavam que as estratégias de marketing deveriam também ser aplicadas a causas e, de facto, isto tem-se verificado cada vez mais, mas com uma forte ligação à vertente de angariação de fundos.

Parte da missão da Amnistia Internacional, enquanto organização que defende e promove os direitos humanos, é mostrar a cada pessoa que está ao seu alcance tornar o mundo num lugar mais digno e respeitador. A nossa visão é a de um mundo em que todas as pessoas possam usufruir plenamente dos seus direitos humanos, quem quer que sejam, onde quer que estejam. É este o nosso sonho, que é igualmente o nosso “produto”, o “valor” que temos para dar à audiência. A promoção e comunicação são outras dimensões do marketing-mix, com um papel importantíssimo para o sucesso das nossas campanhas.

Olhando para o panorama global de direitos humanos, um dos temas que mais têm marcado a agenda mediática e aumentado as preocupações da Amnistia Internacional é a repressão das autoridades às manifestações pacíficas por todo o mundo. No Irão, no Peru, no Sri Lanka, na Colômbia, na China, em Angola e em tantos outros países, somam-se os ativistas, defensores de direitos humanos e jornalistas alvos de ameaças, perseguições, detenções e até morte. Por esta razão, a Amnistia Internacional desenvolveu a campanha global Protege a Liberdade, para desafiar os ataques contra as manifestações pacíficas e apoiar as pessoas e os movimentos sociais que atuam por mudanças positivas na esfera dos direitos humanos. A nível nacional, Protege a Liberdade tem sido complementada com campanhas de ativação, como a que levámos aos concertos dos Coldplay.

O caso de Tanaice Neutro foi o escolhido para levar a este evento, com o qual está concetualmente ligado. Tanaice Neutro é um músico e ativista angolano que usa a sua arte para se expressar sobre questões sociais. Foi injustamente acusado de vários crimes, apenas pelo usufruto da sua liberdade de expressão, por ter uma voz dissidente e incómoda para o poder. O nosso objetivo foi consciencializar e apelar à assinatura de uma petição para salvar a vida deste músico (que ainda pode ser assinada no site da Amnistia Internacional). Para nós, a ação que queremos da nossa audiência – a ‘conversão’ – é uma assinatura, neste caso essencial para salvar vidas.

Mas esta presença fez mais. Criou brand awareness: consciencializou as pessoas que se juntavam num evento que celebra a música dos Coldplay para o facto de ainda haver lugares no mundo em que a música, quando usada como um instrumento de liberdade de expressão, é criminalizada. Gerou brand recognition: deu a conhecer o trabalho que a Amnistia Internacional faz em prol da libertação de pessoas injustiçadas como Tanaice Neutro. Trouxe visibilidade a um problema de direitos humanos e fomentou word-of-mouth, ao desafiar os fãs a pensar e a falar sobre ele à sua família e amigos. Converteu: mobilizou para ações que as pessoas podem fazer, quer para a libertação deste músico, quer para a melhoria do estado dos direitos humanos no mundo.

Com esta campanha de ativação em Coimbra, não foram só os Coldplay que cantaram Higher Power. A Amnistia Internacional não fez frente à voz de Chris Martin, mas utilizou a voz de quem já se mobiliza pelos direitos humanos para passar a mensagem de que qualquer pessoa pode contribuir com o seu higher power pela defesa da liberdade e dos direitos humanos. Afinal, é esse mesmo o fundamento das campanhas da Amnistia Internacional.

Artigo de opinião assinado por Paulo Fontes, diretor de comunicação e campanhas da Amnistia Internacional Portugal

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