Haja mais coopetição

Por a 7 de Junho de 2023

Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

Numa realidade diária de sobrevivência, onde lutam profissionais e empresas para serem bem-sucedidos, será que o caminho trilhado pela apologia dos mais fortes é efetivamente o que devemos suportar e promover? Ou, ao invés, deveríamos procurar sistemas colaborativos, ainda que competitivos, demonstrada que está a nossa evolução enquanto espécie como o caminho virtuoso para aqui chegarmos de forma vitoriosa?

Sobrevivem os mais…

Colaborativos. Ao invés da tradução errada de Darwin, por muitos, em que por “fittest” se entendeu por “mais fortes”, deveremos enfatizar uma e outra vez que o significado encerrava como interpretação “os que melhor se adaptam”. E ao que parece esta adaptação vem sendo cada vez mais conhecida por advir de uma colaboração.
Desde logo veja-se o papel da linguagem. Não fosse ela, e a nossa sobrevivência e evolução poderiam ter sido bem diferentes. Um outro exemplo chega-nos do Japão. A investigação de Yasuyo Minagawa da Universidade de Keio revela que trabalhar em equipa ativa conexões de rede entre os dois cérebros; desenvolver uma tarefa a dois ativa e estimula redes neuronais diferentes, mais amplas e complexas do que executar a mesma tarefa a sós; e se houver contacto visual, mais ainda.

Saindo do espectro humano e viajando ao reino da botânica, é também sobejamente conhecido o conceito da Wood-Wide-Web, teoria ultra-defendida por Peter Wohlleben, que embora criticada por uns e defendida por outros, não deixa de ter de base um conceito de colaboração provado de que há partilha de recursos entre árvores e arbustos no que torna uma floresta uma entidade viva conjunta, mais do que uma amálgama de árvores, uma rede interconectada de seres vivos numa flora inteligente (embora Peter Wohlleben vá mais longe defendendo uma “conversa” química muito mais abrangente do que a mera partilha de nutrientes e carbono na rede de raízes no subsolo).

Competição piramidal

Neste mundo de gigantes tecnológicos o que vemos é uma luta desenfreada (talvez aqui um exagero da minha parte) pela sobrevivência através da competição. Vemos, aliás, nos debates de investidores, opinadores ou curiosos a observação corrente de uma empresa “não ter vantagem competitiva”, mas raramente vemos a valorização de ter “uma vantagem colaborativa”.
Curioso.

Ao olhar para fenómenos recentes como os ultra-citados AirBnb ou Uber diríamos que a sua génese enquanto ideia e adesão pelos milhões de utilizadores terá sido precisamente por serem empresas colaborativas e estimularem essa colaboração (discussão diferente se o são ainda hoje).

Felizmente para tantos exemplos de competição e apelo à luta pela vitória pela competição são também encontrados outros pela cooperação, onde na economia de uma forma geral vemos associativismos no calçado português, no vinho ou na luta mundial contra a pandemia. A nível da internet das coisas, numa perspetiva mais caseira (literalmente), acompanhamos com aplauso o surgimento da Matter, uma linguagem de conectividade open-source para facilitar a interconexão e interoperalbilidade de dispositivos Smart-Home (e não só) desenvolvido e acompanhado pelas ‘majors’ (Amazon, Apple, Google, Ikea, Huawei, etc.), o que irá permitir que compre lâmpadas ou torradeiras ou Smart TVs de qualquer marca sem ter de se preocupar com qual app terá depois de usar para comandar tudo, bastando uma e única, seja da Google, Ikea, etc, dada a interoperabilidade.

Pena que ao nível dos ecossistemas digitais nada mais ao contrário pareça suceder, com as últimas duas décadas a demonstrar que a hegemonia de algumas empresas se tenha alcançado pela vitória solitária dos seus sistemas, tornando todos os demais deles dependentes (iOS & AppStore, Android). Numa altura em que a corrida à Inteligência Artificial se adensa, é pena ver de novo o Coliseu a encher-se desde a reta da meta até ao seu interior de apostadores e investidores e curiosos a acenar com as suas apostas e dólares para tentar adivinhar (e não só…) sobre quem determinará primeiro as bases sobre as quais todos irão operar (ChatGPT & Microsoft, Google & Bard, Watson & IBM, outros?). Longe vai o tempo em que consórcios se reuniam para, em conjunto, desenvolver a IA…

Estando hoje nós já com um pé na Web3, seria realmente fantástico para além da descentralização ter uma evolução paralela a essa em que a mesma tornasse mais virtuosas as soluções vencedoras serem-no por defeito cada vez mais colaborativas, ao invés de se ver defendida a ideia do isolacionismo, com super-apps como a defendida por Elon Musk (X-the-everything-app) inspirada em walled-gardens e no conceito da chinesa WeChat, uma app para tudo e todos que mais não é do que uma segunda internet fechada e controlada centralmente pelo governo chinês.
Na raiz da ciência e da evolução está o pensamento crítico, aberto, provocado, questionado filosoficamente e cientificamente. E a web não deixa de ser uma criação da engenharia e da ciência, só possível à colaboração, em primeiro, de Alain Touring até Von Neumann para o computador, e depois por Tim Berners-Lee e tantos outros para a web.

Possa a evolução da web assim ser retomada e continuar. Com desafios endereçados por empresas de uma forma competitiva por um lado mas colaborativa sempre que necessário, em coopetição. E que assim o termo e o princípio vinguem.

Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

Deixe aqui o seu comentário