“O produto generalista, diário, como nós o conhecemos, terá tendência para desaparecer”
David Pontes assumiu esta quinta-feira a direção do Público. Ao M&P, naquela que é a primeira entrevista nas novas funções, o até aqui diretor adjunto e responsável pela redação do Porto antecipa os caminhos por onde passará o futuro do diário da Sonaecom
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Pedro Durães
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Com uma circulação paga total de 58.580, onde o digital representa já uma fatia de 48.199, o Público é caso único na imprensa generalista diária em Portugal ao registar uma circulação paga no digital quase cinco vezes superior à da sua edição impressa. Num cenário de quebra generalizada das vendas no papel, esta audiência predominantemente digital tem permitido que o diário da Sonaecom se posicione frequentemente como a exceção, sendo muitas vezes o único título a alcançar saldo positivo na evolução da circulação paga apesar do recuo nas vendas da sua edição impressa. Foi assim no primeiro trimestre deste ano, de acordo com o relatório da APCT divulgado esta quarta-feira, onde foi o único generalista a registar um incremento da circulação paga (+2,6 por cento). Resultado de uma estratégia que passou a colocar a tónica no crescimento da base de assinantes e que, assegura David Pontes, o novo diretor do jornal desde esta quinta-feira, é para prosseguir e aprofundar.
Meios & Publicidade (M&P): Ao contrário da última mudança, desta vez a direção é assumida por um dos elementos da direção anterior. Foi diretor-adjunto nos últimos cinco anos. Será, acima de tudo, uma direção de continuidade?
David Pontes (DP): É um trabalho feito dentro de um processo de alguma continuidade. Pelo menos, não há propriamente uma disrupção. É um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo jornal, não representa uma revolução. Diria que é uma direção de evolução. Estamos orgulhosos do trabalho que fizemos nos últimos cinco anos e estamos conscientes de que alguns objetivos que temos traçados já foram iniciados na direção anterior. É necessário algum refrescamento, há essa vontade, e a mudança passa por novas tarefas, novas áreas que queremos abordar, novas maneiras de estar e de fazer o nosso jornalismo. Mas aquilo que é essencial continua a ser o património que está construído ao longo de 33 anos, que tem nos nossos fundadores os traços essenciais daquilo que queremos fazer. Sabemos é que, ao nível dos desafios tecnológicos, do cenário da comunicação social, dos hábitos dos leitores, há muita coisa que está a mudar. O que não mudou foram os princípios fundadores do jornalismo. Isso é crucial e será sempre o princípio basilar daquilo que fazemos em todas as áreas. O que precisamos, em algumas delas, é olhar para esse cenário de mudança e absorver também algumas alterações.
M&P: Que áreas são essas?
DP: Há uma série de conteúdos que ajudam a aprofundar a nossa relação com os leitores e que precisamos de trabalhar melhor ou com mais insistência. Áreas como os podcasts, as newsletters, algumas coisas na área do vídeo, em que precisamos de passar de uma fase em que esse trabalho era feito por uma redação construída essencialmente para fazer imprensa, que já tem tido obviamente uma série de declinações no espaço digital, mas que precisa de encontrar mais qualidade e consistência em alguns destes produtos, que começam por ser secundários mas, em alguns momentos, nomeadamente para a criação de hábitos de consumo, se estão a tornar centrais no trabalho que desenvolvemos e na forma como as pessoas se relacionam com o jornal. É crucial que esta relação seja muito mais orgânica. Temos sido muito voluntariosos, temos chegado sempre à frente ou ao mesmo tempo do que a concorrência, mas às vezes o nosso esforço precisa de ser mais consistente, mais equilibrado nas forças que dedicamos a este tipo de novos conteúdos e conseguir, com isso, fortalecer a nossa oferta de forma a termos uma relação quase orgânica com os leitores, nomeadamente com os nossos assinantes.
M&P: Produtos como os podcasts e newsletters são determinantes para criar essa relação orgânica hoje em dia, mais até do que a edição impressa?
DP: Sim. Até porque a edição impressa tem a questão dos hábitos de consumo de papel, que estão numa fase descendente. Tencionamos manter a nossa edição impressa até o mais longe possível, enquanto as nossas forças o permitirem, em termos de racionalidade económica e de esforço da redação. Mas temos de encontrar de encontrar outras formas de passar às pessoas a ideia de hierarquização, de escolhas, do que é a seleção natural dos mediadores que somos enquanto jornalistas. Isso faz-se com produtos como as newsletters, com as escolhas feitas nos podcasts. Alguns destes produtos transmitem melhor a sensação de uma primeira página do que a forma esparsa como são distribuídos os nossos conteúdos, por exemplo, nas redes sociais. Por muito que sejam diferenciadores em relação a um ambiente que é de ruído e confusão, não deixam de estar nesse ambiente. Há aqui linguagens interessantes e uma maneira de criarmos vínculos mais permanentes com os leitores que queremos explorar. Temos conseguido fazer isso, absorver esse tipo de linguagens e de produtos, mas temos de pegar em toda essa aprendizagem que fizemos e solidificar a oferta nestas áreas. Esse é um dos desafios da próxima direção.
M&P: Há outras áreas onde tenha identificado necessidade de atuar no curto a médio prazo?
DP: Há uma coisa muito importante que a anterior direção conseguiu, fazer crescer imenso o jornal em termos de assinantes. Cada vez mais estamos a refletir sobre aquilo que era o nosso paradigma anterior na internet, que tinha a ver com alcance, com número de cliques, com a capacidade que tínhamos de chegar a uma audiência muito alargada, e estamos a transferir algumas das nossas energias e do nosso foco para trabalhar esta comunidade e trabalhar diretamente com eles em produtos específicos. Não nos chega ter artigos exclusivos, reservados a assinantes, precisamos de tornar esta relação mais viva. O Público é o maior jornal diário em circulação paga, na soma que faz entre assinantes digitais e vendas da edição impressa, e estamos, porventura, próximos do máximo histórico do jornal em termos de venda nos gloriosos tempos da impressão. Isso leva-nos a refletir, primeiro sobre a nossa capacidade de crescer, e depois como é que ultrapassamos aquilo que são as limitações de um país que tem índices de leitura razoavelmente fracos quando comparados com outros países ocidentais. O paradigma de competição pelo alcance está a ser substituído por uma atenção mais fixada neste núcleo de pessoas que estão disponíveis a pagar para que o Público continue a sua missão. Isso passa também por reforçar a utilidade intrínseca do jornal. Os jornais eram sítios onde as pessoas liam notícias, mas também iam procurar emprego, comprar casa, ver quanto custava um carro. Precisamos de encontrar novas frentes em que reforcemos a utilidade do jornal. Queremos aprofundar conteúdos em áreas que tenham a ver com economia pessoal, economia doméstica, o trabalho dentro de casa, a gastronomia, com as relações humanas, queremos aprofundar a nossa capacidade de sermos relevantes nestas áreas, não descurando nunca aquilo que é a essência do nosso trabalho, que é o jornalismo, cobrir os temas pesados de economia, de política, de sociedade, mas ajudando também a compor, de alguma forma, uma oferta mais rica para aqueles que nos assinam. É um trabalho que precisamos de fazer para que encontremos outros grupos de interesse que entram, às vezes, não pela porta grande do jornalismo para nos subscrever, mas pelas portas mais pequenas que têm a ver com interesses muito específicos.
M&P: Está a falar de criar produtos editoriais específicos para essas áreas?
DP: Sim. Ainda não os posso enunciar mas estamos a pensar criar produtos específicos ou pegar em algumas destas áreas ou secções que temos no jornal e estender esta lógica a essas secções. Encontrar formas de trabalhar algumas áreas que estão menos cobertas por parte do jornal, ampliando esse tipo de oferta. Outra coisa que vamos procurar reforçar é transportar para o mundo físico coisas que já trabalhamos jornalisticamente e que nos permitirão um contacto mais chegado com determinados públicos. Um exemplo que tem tido um crescimento grande: o Público é uma referência no que diz respeito à área dos vinhos, da gastronomia e das viagens, através da marca Fugas, onde temos vindo a trabalhar com parceiros, com algum apoio económico. Isto é importante porque a maneira como conseguimos encontrar fontes de rendimento para o jornal é o garante de que continuamos a crescer como jornal independente e credível. Temos vindo a desenvolver esta capacidade de estar fisicamente junto dos leitores, seguindo temas que vemos terem interesse na leitura e que podem ter uma extensão no mundo físico, por exemplo através de eventos.
M&P: Esse tipo de iniciativas já tem um peso significativo nas receitas do jornal?
DP: Já é um peso interessante. Nada que se compare ao valor que têm a publicidade e os nossos assinantes. É aqui que continuam a estar as nossas principais fontes de receita. Mas já começam a ter algum peso e permitem-nos, não só isso, mas diversificar a forma como a própria marca Público aparece e é referenciada pelas pessoas.
M&P: Tem sublinhado a transferência da tónica do alcance digital para a base de assinantes. Foi essa mudança de prioridades no posicionamento do Público no digital, mais do que as criticas à metodologia, que ditou à saída do NetAudience?
DP: Foi um processo independente. Aquilo não refletia a realidade dos jornais e misturava coisas que não são misturáveis. Não consigo estar, nem quero, nem nunca estarei, numa competição com os conteúdos do Big Brother. Se misturamos as duas coisas, não estamos refletir, nem para os leitores nem para o mercado, a nossa realidade. Foi isso que nos fez afastar. As assinaturas são resultado de um processo de aprendizagem interno, refletindo aquilo que aconteceu, nomeadamente, durante a pandemia. O jornal conseguiu nesse período reforçar a sua relevância, explicar por que o jornalismo era essencial e, em momentos de crise, as pessoas aderem às fontes que são confiáveis. Foi com a pandemia que começámos a crescer decisivamente no número de assinantes. E com as assinaturas estamos a voltar a uma das coisas que era essencial no jornalismo, que é esta ligação direta com leitores habituais, constantes, com relação diária como jornal, leitores que reclamam, que são críticos em relação ao jornalismo. Essa relação torna-nos mais fortes e mais ricos naquilo que vamos construindo e oferecendo.
M&P: Cristina Soares, presidente do conselho de administração do Público, apontava também, quando foi conhecida a sua nomeação, o objetivo de lançar “um plano de rejuvenescimento que garanta a solidez do jornal no futuro próximo”. Como é que isso se irá refletir nos conteúdos editoriais?
DP: Trabalhar para as novas gerações é outro dos aspetos que fazem parte das prioridades desta direção. Estamos à beira de haver uma geração de leitores mais digitais que ultrapassa a geração antiga, que viveu e conviveu com os jornais. Um dos focos desta direção é olhar objetivamente para esses leitores mais novos, incorporar a sua maneira de pensar e de agir no próprio trabalho interno da redação, que tem conseguido refrescar-se ao nível etário. O nosso foco tem de estar também em alcançar estes novos públicos que vêm substituir gradualmente os leitores mais antigos do Público, precisamos de encontrar nas plataformas onde os jovens consomem informação portas de entrada para o nosso jornalismo. Os media têm vivido muito a reboque das plataformas que dominam este setor e temos ido, em determinados momentos, atrás da última moda que eles prometem monetizar. Foi assim com os vídeos, com os lives, com uma série de coisas. Temos a obrigação de continuar a experimentar, nomeadamente nas plataformas onde esses leitores estão, mas temos de começar a solidificar aquilo que achamos que irá ficar. O som, enquanto ferramenta de relação, vai ficar e vamos ter de o trabalhar melhor. Não sabemos se vai ser no TikTok, no Reals ou no Stories, mas sabemos que os vídeos verticais vão ficar porque o nosso consumo é feito na palma da mão. Temos de conseguir maneiras de traduzir isso da melhor forma para os leitores, não apalhançando, não perdendo aquilo que é o jornalismo do Público. Queremos garantir que este rejuvenescimento se faz olhando para o conhecimento, para a exigência, para o tipo de jornalismo que os fundadores do Público faziam quando estes meios não existiam.
M&P: Nas últimas semanas vimos dois títulos que apontaram a uma linguagem e posicionamento pensados para as novas gerações – o BuzzFeed News e a Vice – cujo modelo de negócio acabou por se revelar incapaz de garantir a sustentabilidade.
DP: Estavam demasiado dependentes daquilo que era a linguagem própria das redes sociais, quer através do tipo de conteúdos que faziam quer através de estratégias de vídeo-choque. O Público tem o P3, onde trata as questões na perspetiva dos jovens, mas o que pretendemos é mais do que ter uma marca específica para jovens. O Público também lançou um projeto que é crucial para estes públicos e que foi feito de uma forma um pouco diferente, suportado por parceiros exteriores que estejam dispostos a pagar, que é o Azul. É um projeto construído graças à sociedade civil, com parceiros que encontram valor em estar associados àquela que é a única secção, com uma dezena de jornalistas, inteiramente dedicada às questões da sustentabilidade e das alterações climáticas. Queremos incorporar mais coisas pelo lado da ciência, trabalhar também aí estas linguagens que nos aproximam dos mais novos em temas que interessam muito às novas gerações.
M&P: Esse modelo, suportado por parceiros, será tendencialmente o mais sustentável para lançar novos produtos editoriais? E até que ponto se garante que isso nunca beliscará a independência dos títulos?
DP: O Público tem um acionista que tem ajudado a manter o jornal, sempre tendo em vista dois critérios que são cruciais: a sua relevância e a sua independência. Qualquer coisa que façamos em que uma destas coisas seja sacrificada, deixamos de ter as boas graças do próprio acionista, quanto mais as boas graças do leitor. Subordinar a nossa agenda à dos potenciais parceiros seria sacrificar estes dois pontos cruciais. Isso não quer dizer que não procuremos outras fontes de receita para não sobrecarregar o acionista. É nossa obrigação, não só encontrar outras fontes de rendimento, mas também encontrar capacidade de diálogo com parceiros da sociedade civil. Mas deixamos muito claro que só fazemos esse trabalho se estes princípios não forem sacrificados. No caso do Azul, nem todos os parceiros que gostariam de entrar são aceites. Estes projetos obviamente sustentam riscos para a credibilidade do jornal, é preciso despistar, à partida, quer nos parceiros que temos quer no tipo de trabalhos que fazemos, esse tipo de riscos, que, a concretizarem-se, significariam sacrificar o próprio futuro do jornal, a sua credibilidade. Isso é possível de ser feito com cuidado, mantendo sempre a nossa independência editorial bem firme. Aos poucos, isso tornou-se proposta de valor. Essa independência, a par da qualidade do trabalho, diferencia-nos. Ninguém quer uma publirreportagem, para isso temos áreas específicas. Chama-se branded content e isso é outra coisa. Naquilo que tenha a ver com parcerias com o nosso universo editorial, se o cérebro não estiver instalado na redação, não fazem sentido para nós.
M&P: A área de branded content [Estúdio P] também tem crescido. Qual o peso dessa área de negócio?
DP: Não sei. Estou a falar a sério, não é sequer uma figura de estilo. Não faço a mínima ideia. Às vezes sou surpreendido por coisas que eles fizeram. Temos ali um muro no meio da redação. Aquilo que é branded content não entra sequer na nossa conversa enquanto direção. Pertence a um setor completamente à parte. Obviamente que é feito por gente que tem sensibilidade jornalística, em alguns casos são ex-jornalistas, mas não sabemos sequer o que está a ser feito.
M&P: Esse muro também não é figura de estilo.
DP: A empresa é só uma, somos todos colegas. Mas sim, há um muro físico e são divisões estanques. Uma coisa são parcerias, que são muito bem explicadas e trabalhadas em conjunto com as editorias. Branded content é outra coisa. Também não sei nada sobre os contratos publicitários, não é relevante para o nosso dia-a-dia. Aqui é a mesma coisa. Obviamente, se sentirmos que há ali alguma coisa que ultrapassa ou fere de alguma forma a nossa linha editorial, que pode trazer algum problema do ponto de vista reputacional, teremos voz. Nesta empresa, a direção editorial tem um peso tão importante como a administração.
M&P: Nos dados APCT mais recentes, relativos ao primeiro trimestre, o Público volta a surgir como o único título generalista com saldo positivo, registando uma evolução favorável da circulação total paga (+2,6 por cento), para os 58.580. Um crescimento que está assente no digital, onde a circulação paga subiu 5,6 por cento, já que as vendas da edição impressa recuaram mais 9,2 por cento, para uma média de 10.381 exemplares por edição. As hipóteses de crescimento na imprensa generalista residem agora, exclusivamente no digital? Crescer no papel já não é possível?
DP: É possível usar a nossa experiência editorial, o facto de sermos uma redação multipremiada em termos gráficos, para criar alguns produtos em papel. O produto generalista, diário, como nós o conhecemos, terá tendência para, cada vez mais, sofrer erosão das suas audiências e um dia, que nós esperamos o mais longe possível, desaparecer. Tirando alguns casos muito particulares, e nós temo-lo feito com alguns produtos como a revista Ímpar, que fazemos duas vezes por ano, ou algumas parcerias nas áreas dos vinhos e da cultura, onde somos referência e onde gostávamos de fazer mais coisas, porventura até estendermos a oferta nesse segmento do jornalismo cultural com produtos físicos também. Mas será um trabalho mais de nicho, do que propriamente acreditar que isso será, a prazo, um fluxo constante, quer de receitas quer de audiências. Não queremos deitar fora o saber que temos do papel, queremos rentabilizá-lo, mas temos noção de que, por muito gosto que ainda haja em algumas pessoas para consumir o jornal nesse formato, ele terá tendência a desaparecer. O que andamos à procura constantemente é permitir às pessoas uma visão do mundo que o jornal ajudava a criar, uma forma de hierarquizar informação, de explicar ao leitor o que é mais importante, porque está ali concentrado num meio finito. Na linguagem digital isso é mais complicado de trabalhar. Vamos ter em breve uma nova app, mais uma vez trabalhando para os assinantes. Embora ainda não esteja completamente fechado, deve ser exclusiva para assinantes e uma das novidades será uma espécie de playlist diária, em que as notícias mais importantes estarão lá em formato áudio, nesse sentido de trabalhar a questão da hierarquização, ajudando a traduzir o mundo e explicando às pessoas aquilo que nós – que temos a obrigação de ler mais, trabalhar os temas, falar com fontes, fazer perguntas – achamos que é o mais importante para o leitor.
M&P: Apesar de falarmos em saldo positivo, é preciso não esquecer que as assinaturas digitais representam menos receita em comparação com as vendas da edição impressa. Enquanto modelo de negócio, o crescimento da circulação digital será suficiente para garantir a sustentabilidade dos títulos?
DP: Claramente, até porque os custos de produção são muito mais baixos e esses custos no papel estão cada vez mais elevados. Tivemos uma terrível dor de cabeça, que felizmente tem vindo a atenuar, com uma série de coisas que têm vindo a acontecer na economia. Ainda esta semana foi notícia que o preço do transporte marítimo baixou para níveis pré-pandemia, mas durante um período sofremos com o aumento do preço do papel. Ainda não chegou cá, mas na Europa central e do norte o problema da distribuição está a causar enormes dores de cabeça a jornais com muito mais estatura e capacidade. Há questões do modelo de negócio, nomeadamente estes custos de produção e de distribuição, que pesam tanto na operação que fazem com que as assinaturas digitais, mesmo sendo muito mais baratas do que o valor pago pelo jornal impresso, se tornem bastante mais interessantes.
M&P: Como fecharam as contas do jornal em 2022?
DP: Pensámos sempre que as coisas iriam piorar, mas o resultado final não foi assim tão mau.
M&P: Numa entrevista ao M&P no final de 2020, Manuel Carvalho referia que o jornal só daria prejuízo nesse ano devido ao impacto da pandemia já que, atendendo ao desempenho do primeiro trimestre, o Público estaria já “numa situação de sustentabilidade ou no limite da sustentabilidade”. A situação de prejuízo seria então conjuntural e o Público iria “chegar à estabilização económica e financeira num curto prazo de tempo”. Essa estabilização já foi uma realidade em 2022?
DP: Manteve-se. O Público ainda luta com uma margem de prejuízo, mas que tem vindo a baixar. O jornal tem conseguido baixar gradualmente esse esforço que pede ao acionista e 2022 não foi exceção. Esperávamos, por várias contingências, que pudesse significar um recuo mas não.
M&P: Como é que responde às críticas que por vezes vos são dirigidas, de que é mais fácil quando se tem um acionista que suporta prejuízos há vários anos?
DP: Agradecendo muito ao acionista. Somos a maior redação de imprensa em Portugal e isso deve-se a esse encontro de vontades que aconteceu ali no princípio dos anos 90 entre uma série de jornalistas que quiseram fazer um jornal moderno e um acionista que o quis fazer sem incorrer em riscos. Acima de tudo, tenho de agradecer ao acionista e, depois, mostrar com trabalho, que estamos a corresponder ao desafio que foi colocado nessa altura e que se mantém bem firme. O facto de termos um acionista como este não nos faz esmorecer de maneira nenhuma na vontade de conseguir uma melhoria de sustentabilidade para o jornal e de corresponder com exigência àquilo que ele próprio entrega e que queremos que seja cada vez menos. Não nos acomodamos de maneira nenhuma, não vivemos à sombra de achar que estamos numa espécie de fundação e que isso nos dá direitos ilimitados para fazer o jornal. O jornal vive com contingências, o jornal gostava de estar nas eleições da Turquia, gostava de ter ido à Cisjordânia, gostava de estar com correspondentes em muito mais sítios do país, mas olhamos para isso com responsabilidade. Não é mais fácil para nós só porque temos este acionista. Até porque o acionista é exigente, e bem.
M&P: Tendo em conta essa situação de prejuízo, e olhando para o peso que a circulação digital tem na circulação paga do Público (48.199 de um total de 58.580), está em cima da mesa, ou terá estado em algum momento, acabar com a edição em papel e passarem a ser um jornal exclusivamente digital?
DP: Acho que vai estar. Não está neste momento. Enquanto for humana e economicamente possível manter uma edição impressa, iremos mantê-la. Até porque a edição em papel ainda tem um peso importante em termos de receitas, não só pelas vendas mas pela publicidade, porque ainda há muitas empresas e parceiros que querem ver fixadas no papel as suas mensagens. Depois, porque um legacy paper garante uma outra presença, uma outra acuidade, que um meio só digital não tem ainda conseguido impor. Há uma ideia de materialidade em relação à edição impressa que ajuda a que a marca Público seja mais forte do que se fosse apenas digital. Agora, o mundo está a mudar. É uma questão que tem sido repetida, até internamente. Evidentemente que fazer uma edição impressa tem um custo em termos de máquina de produção que não é irrelevante. Se nos libertássemos de alguns desses custos, teríamos certamente mais forças em determinadas coisas que fazemos no digital. É uma questão que vai sendo objeto de discussão mas até agora não temos nenhuma razão para desistir. Acreditar num crescimento, isso sabemos que é muito difícil, para não dizer impossível.
M&P: Como estão atualmente divididas as receitas do jornal entre papel e digital?
DP: O digital ultrapassou as receitas do papel há pouco tempo. O facto de esse turnover ter acontecido recentemente é também um sinal de que o papel ainda tem um peso significativo.
M&P: Ainda que não esteja em cima da mesa nesta fase acabar com a edição em papel, a circulação impressa paga está nos 10 mil exemplares vendidos (9.218 em banca). Até onde é possível descer sem colocar em causa a sustentabilidade? Há um patamar mínimo estabelecido pelo acionista?
DP: Não. Nunca foi estabelecido um número. Não sei qual é o limite mas, enquanto as receitas, nomeadamente as de publicidade, ainda significarem o que significam, temos tempo para fazer essas contas. Não é uma coisa para os próximos dois ou três anos. Acho que, mais lá para a frente, se vai colocar. Vamos tentar encontrar estratégias que ajudem a mitigar isso. Alguns títulos têm procurado concentrar a sua operação do papel nos últimos dias da semana. É sempre uma interrogação que temos, mas ainda não fizemos essas contas.
M&P: Passar o Público a semanário seria uma possibilidade?
DP: É uma possibilidade que poderá ser estudada. Ainda não sentimos necessidade, até pela evolução das receitas que já referi, de parar para fazer essas contas. Ainda temos aqui alguma margem para que o paraquedas continue a funcionar. O foguetão são as assinaturas, que estão em sentido ascendente. O paraquedas é a edição impressa. Enquanto conseguirmos controlar o vento de forma satisfatória vamos tentar manter. No caso do DN, a inversão que acabaram por fazer resulta da leitura que eles próprios fizeram da maturidade que existia no mercado para ser uma marca exclusivamente digital, concentrando a edição em papel no fim-de-semana. Olhando para o que se passa na imprensa de referência a nível global, vemos que manter a edição impressa é ainda absolutamente crucial para que a marca continue a viver com a pujança e a força que tem.
M&P: Mas não sustentarão uma edição impressa que venda mil exemplares, à semelhança do que acontece com outros títulos.
DP: Não. Dificilmente. Não só pela lógica económica, mas pelo esforço interno que representa fazer uma edição impressa, que tem naturalmente um peso grande na operação da redação.
DP: Conseguimos estar lá primeiro, mas nos últimos tempos vimos a concorrência oferecer propostas muito sólidas, a ter aí um investimento muito acima daquele que fizemos em termos de meios. Estamos a ver qual a melhor forma de responder. Olhamos para esta área como uma emanação orgânica da própria redação. Vamos projetar-nos mais em áreas que não temos neste momento cobertas, vamos ser mais exigentes ao nível das parcerias que temos tido com produtores independentes e vamos construir uma proposta mais sólida daquilo que queremos fazer. Aí está um caso em que a concorrência claramente nos obriga a responder.M&P: Está a falar do Observador?
DP: E do Expresso também. O Observador fez uma coisa diferente, que é ter uma rádio. Não sei qual a fatura final que acabarão por ter. Temos visto noutros meios, não necessariamente só no Observador, que multiplicarmos a nossa presença por diferentes canais muito absorventes, como são uma rádio ou uma televisão, significa às vezes um enfraquecimento da nossa proposta principal. Não queremos que isso aconteça. Temos dado passos mais cautelosos. Mas aquilo que a concorrência tem feito desafia-nos. Um dos objetivos deste novo ciclo é respondermos à altura. Tenho olhado com muito interesse para o que estão a fazer os meios lá fora, e julgo que há uma questão que ultrapassa os podcasts. Claro que o formato é esse, mas há uma ligação quase orgânica na relação com os leitores que o som traz e que está a ser trabalhada nas redações para que seja o tal prolongamento prático daquilo que as pessoas querem receber como informação.M&P: A evolução para rádio, à semelhança do que fez o Observador, não é então algo que equacionem? A Sonaecom tem uma frequência FM, através da Rádio Nova.
DP: Tem. Mas não, até porque em algumas coisas a linguagem da rádio é diferente do tipo de trabalho que queremos fazer em som. E, depois, a rádio linear está a começar a ficar um bocado longe daquilo que são os padrões de consumo das pessoas, que consomem video on demand e som on demand. Estarei mais interessado em trabalhar este tipo de segmentos do que em encontrar uma antena para ter um contínuo. Queremos fazer melhor aquilo que fazemos bem no digital e há áreas em que ainda somos únicos, como o jornalismo de dados, nos interativos digitais, onde o Público está praticamente sozinho a trabalhar coisas que são de linguagem pura digital. Para mim, é mais estimulante trabalhar estas áreas novas da linguagem jornalística do que absorver coisas que vêm de meios já com algum tempo. Há algo de muito orgânico no crescimento para estas novas áreas que é muito mais o nosso caminho.M&P: E modelo de negócio para esta área? Ao contrário de outras áreas do site, onde o acesso é pago, os podcasts são, na sua maioria, de acesso gratuito.
DP: São de acesso gratuito, desde logo porque há dificuldades nas plataformas de distribuição em monetizar aquilo para os assinantes. Teremos na nossa nova app alguns conteúdos reservados para assinantes, estamos atentos às evoluções em termos tecnológicos e dos modelos que vêm do iTunes e Spotify para perceber em que momento podemos trabalhar essa exclusividade. Estamos a adquirir plataformas de tecnologia que nos permitem trabalhar melhor a publicidade em toda a oferta que temos de podcasts. Olhamos para o nosso mercado como ainda não estando muito maduro em termos daquilo que são os podcasts ao nível da introdução de publicidade, mas com muita esperança tendo em conta que aquilo que se passa em mercados como o dos EUA antecede aquilo que irá acontecer no nosso país. Estamos atentos e queremos melhorar nessa área. Estamos convictos de que, quer pela publicidade, quer pelo patrocínio, quer pela própria ideia de exclusividade, o mercado do som vai crescer.