O fim de uma era no tráfego?

Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics
O encerramento da divisão BuzzFeed News é apenas mais um sinal de um movimento lento mas evidente da orientação das placas tectónicas no ecossistema de tráfego digital, no que diz respeito aos media. A saber, a explosão do consumo e tráfego de notícias em redes sociais parece estar em clara retração; mantendo a metáfora usada da natureza, se por um lado os continentes (BigTech) se vão afastando, por outro o consumo e a recomendação de conteúdos noticiosos nas redes sociais está a entrar numa era glaciar.
Um de muitos?
O CEO da BuzzFeed Inc., a empresa mãe que detém o popular website BuzzFeed e tinha há poucos anos lançado o BuzzFeed News, Jonah Peretti anunciou o fecho da publicação neste mês de abril de 2023. Num memorando interno, e por entre conversas-aqui-e-ali recolhidas de alguns colaboradores, ainda ou outrora envolvidos na gestão, as razões são alterações algorítmicas sobretudo no Facebook, que estão a privilegiar conteúdo nativo vídeo ao invés de links de notícias; por outro lado, um investimento forte na redação sem uma visão clara do ROI do projeto (acreditando mais do que tendo evidências do payout a médio prazo); restrições na publicidade programática de vários anunciantes e agências que, dado o infinito lago de inventário, preferem anunciar em verticais brand-safe (como por exemplo no Tasty, que também é parte da BuzzFeed Inc.) ao invés de arriscarem a ter as suas campanhas junto de notícias muitas vezes de pendor emocional ou fatual negativo (hard news; breaking news).
Em suma, num excelente resumo de um executivo da empresa não revelado mas citado em várias publicações do meio: “O BuzzFeed News foi criado para um ecossistema social, mas o ecossistema evaporou-se.”
Muito para além do BuzzFeed
Olhando um pouco mais para a floresta e menos para uma árvore da mesma, é preciso lembrar que a Meta decidiu desinvestir nas suas equipas e na sua divisão de News no Facebook. Após isso, e nos últimos dois anos na sua comunicação ao mercado, a empresa revelou que há um decréscimo acentuado do número de posts com link no feed principal, incluindo links de páginas de órgãos de comunicação social. Foi, aliás, até polémica a revelação/acusação/insinuação em vários websites de potenciais provas de regras dadas ao algoritmo indiciando uma degradação do alcance de páginas de media ou marcas comerciais, continuando privilegiadas as de figuras públicas e políticas.
A própria pressão dos reguladores europeus, norte-americanos, canadianos ou australianos feita à semelhança dos motores de busca, sobre o facto de a Meta dever remunerar os media, levou Mark Zuckerberg e a sua equipa a defender-se dizendo ser o ecossistema da Meta diferente, e um no qual as notícias já não são centrais no consumo social. Aliás, encomendaram recentemente um estudo à NERA Economic Consulting que reforça esta ideia – um dos dados nas conclusões revela que as notícias no Facebook representam hoje apenas três por cento do que os utilizadores veem. Adicionemos a isto as estatísticas anuais do Reuters Digital News Report, onde a fatia de consumo de notícias em redes sociais tem baixado, e a tendência passa a evidência (ou como dirão os foresighters, é já estrutura).
Adicionalmente, as novas plataformas sociais emergentes e consolidadas são tudo menos link-friendly… O Instagram pouco ou nada permite (stories, links na bio e pouco mais), o TikTok pior (podendo ainda ser banido o seu uso um destes dias), e o Twitter, que ainda poderia contar com algumas migalhas, tem sido um verdadeiro caos a este respeito neste início da era Elon Musk.
Para onde nos aponta o vento?
Claramente para uma menor dependência do tráfego social direto, por um lado, uma justa remuneração dos terceiros em que de forma direta e indireta as notícias contribuem para o crescimento do ecossistema (i.e. motores de busca e agregadores) e a contínua necessidade do desenvolvimento de uma marca e produto noticioso (sem medo de o dizer) que reúna uma comunidade interessada, envolvida e comprometida com ela, que veja valor em visitar o site regularmente, instalar a app, subscrever a newsletter, pagar a subscrição e assistir aos seus eventos, entre outros. Até parece fácil.
De permeio, nem tudo poderá ser mau. O que estes algoritmos pouco preocupados no jornalismo também foram permitindo foi a população populista e desviante de pseudo-sites-noticiosos, alguns mesmo declaradamente fakenews, de títulos clickbait e um ruído que pouco ou nada tem a ver com liberdade de expressão e mais com negócio de volume e publicidade digital em cima dos ombros de truques para dar a volta ao que é relevante, apelando a interações e com isso ‘furando’ e aparecendo no feed.
No final do dia, quem procura notícias poderá cada vez mais vir a perceber o valor que tem em se fidelizar a uma proposta de valor, paga, grátis ou freemium, ao invés de se deixar guiar pelo que lhe sugere um feed de festas, viagens, jogos e compras. O resultado final, veremos, mas poderá ser mais positivo do que trágico.
Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics