“Está a faltar-nos aquela dose de loucura e de atrevimento para romper”

Por a 25 de Maio de 2023

Esta sexta-feira serão conhecidos os vencedores da primeira edição do festival do CCP desde que o Clube assumiu uma nova designação. Numa entrevista publicada na edição impressa do M&P, Susana Albuquerque, presidente do agora Clube da Criatividade de Portugal, faz um balanço e analisa o estado da arte na publicidade nacional

“Temos conseguido atrair estruturas mais pequenas, sobretudo ao nível do design, onde o mercado está muito mais fragmentado, mais disperso pelo território, enquanto a publicidade está mais concentrada em Lisboa. Isso é das coisas que nos deixa mais contentes, conseguirmos ser representativos daquilo que se está a fazer no mercado”, afirmava Susana Albuquerque, presidente do CCP, em entrevista ao M&P no início deste mês, onde sublinhava “o recorde absoluto de participação”. Naquela que será a primeira edição desde que foi assumida a nova designação Clube da Criatividade, o festival somou 1.030 inscrições, por 147 entidades.

Após uma mudança, que teve como objetivo promover a aproximação a outras áreas da criatividade, a responsável não tem dúvidas de que o Clube tem sido capaz de aumentar a representatividade do trabalho produzido a nível nacional. “Se isso não existir, não vale a pena existir o Clube. Ou, pelo menos, não vale a pena existir o festival, que continua a ser uma parte muito importante do Clube”, remata a responsável, defendendo que “ninguém quer ganhar prémios num festival onde tenha pouca concorrência”. À shortlist, de onde sairão os vencedores que subirão a palco esta sexta-feira, chegaram 389 trabalhos.

Meios & Publicidade (M&P): A mudança de designação do Clube foi uma das bandeiras da recandidatura da atual direção. Quase seis meses depois, e numa altura em que estão em contacto permanente com o mercado com vista à organização do festival e da Semana Criativa, que balanço fazem desta decisão?
Susana Albuquerque (SA): Foi um momento muito interessante porque gerou muita discussão, muitos ângulos diferentes, e até contraditórios, que é aquilo que se pretende numa coisa destas: pôr as pessoas a pensar. Da parte dos fundadores e de quem está mais ligado à história inicial do Clube, se calhar houve uma interpretação menos positiva da mudança, muita gente não concordou porque sentia que, de alguma forma, se estava a desvirtuar uma coisa que tinha sido feita para valorizar os criativos. Da parte de todos os outros que estão ligados à atividade, desde estrategas a accounts, pessoas ligadas à produção e até os marketeers, houve uma recetividade muito positiva, de entender que é um Clube que defende a atividade e o valor da criatividade e não apenas aquilo que é a função do criativo dentro desta cadeia de valor. Obviamente, há sempre coisas boas e más. Por exemplo, perdeu-se um naming mais simples, Clube de Criativos é bastante mais fácil de dizer do que Clube da Criatividade. Mas, pesando todos os prós e contras, o balanço é positivo. Há muitos anos, e não é só da nossa direção, que há uma intenção de aproximar o Clube a todas as funções, a todas as disciplinas, a todas as pessoas envolvidas na cadeia de valor. Tem sido feito um esforço nesse sentido mas, de facto, tínhamos um naming que vai contra isso. Esse atalho foi conseguido com a mudança de nome, há uma grande quantidade de gente que vem ter connosco e diz ‘agora sinto que o Clube já é para mim’. Com isso ganhamos todos. Para conseguirmos ter bom trabalho na rua, para conseguirmos valorizar e puxar pela fasquia da criatividade, temos de ter do nosso lado todas as pessoas que estão envolvidas no processo. Obviamente que isso passa por quem trabalha num departamento criativo, mas depois é muito importante ter clientes que tenham coragem, vontade e a mesma ambição para pôr bom trabalho na rua. É preciso que o briefing venha bem, que a estratégia esteja bem pensada, a produção, os meios… todas estas pessoas têm um papel fundamental na valorização e na produção de boa criatividade.

M&P: Referiu a importância de ter clientes com coragem para pôr bom trabalho na rua, com capacidade de risco. Os clientes estão a arriscar?
SA: Estamos num momento de retração. Nos últimos anos, assistiu-se a uma subida do nível médio, a fasquia subiu. Há um corpo maior de agências nacionais e clientes a produzir um nível criativo médio-bom. Há campanhas que partem de insights, que têm a preocupação de surpreender, de fazer algo que seja diferenciador, relevante para as pessoas. O que me parece é que, nos últimos meses, houve alguma retração da coragem. Há sempre trabalho que às vezes nos passa ao lado e que depois surge no festival, mas, se isto fosse uma escola, diria que nos últimos meses temos muitos trabalhos nível quatro, mas depois aquele cinco, aquele que é fora de série porque é atrevido, porque rompe com códigos, faz o que ninguém fez, tem ambição mais elevada, isso tem havido menos. Se calhar fruto de alguma contração no consumo, nos orçamentos, de algum medo de arriscar. Já nos habituámos a andar sempre em crise, mas com a inflação, com a perda de poder de compra, imagino que muitas marcas estejam a fazer ainda mais contas à vida do que é costume. Talvez haja menos capacidade de arriscar.

M&P: Ainda que arriscar e investir sejam coisas diferentes.
SA: Não tenho a certeza de que haja um desinvestimento, até porque as marcas têm a noção de que não investir, neste momento, teria uma fatura mais elevada. Agora que a carteira diminuiu, é preciso lutar mais pelas quotas e não perder o valor da marca, para que não fique esquecida na cabeça das pessoas. Acho é que se pensa duas, três ou 15 vezes antes de arriscar. E este é um mercado que vive do atrevimento. Há mais agências, criativos e clientes a produzir um nível de qualidade do trabalho em que dizemos “está correto, está bem feito, bem produzido, está ali uma ideia”. Agora, está a faltar-nos aquela dose de loucura e de atrevimento para romper.

M&P: Os marketeers estarão também mais pressionados a apresentar resultados nesta fase.
SA: Os marketeers estão muito pressionados para apresentar resultados, para medir, para não fazer nada sem ter a certeza de que irá trazer retorno.

M&P: Sentem isso no dia a dia, no trabalho que vos é pedido?
SA: Depende muito dos clientes e dos mercados. Se olharmos para a distribuição, obviamente. É um mercado muito concorrencial, há uma necessidade constante de perceber se a comunicação está a funcionar, se estamos a vender, se estamos a ganhar quota, se as pessoas voltam. É provavelmente o mercado mais concorrencial que temos neste momento em Portugal, é um dos que mais investe e é um mercado muito ativo e competitivo. Há uma pressão muito grande para apresentar resultados. Depois, há mercados onde isso se sente um bocadinho menos, mas hoje em dia existe, de uma forma geral, esta tendência para querer medir tudo. Mesmo que haja uma noção de que a construção de marca é uma estratégia mais de longo prazo, acaba por também se querer ter resultados imediatos, sobretudo quando há investimentos grandes em mass media.

M&P: Numa entrevista recente ao M&P, a Inês Fonseca, da Diageo Espanha, dizia sentir alguma falta de valentia na publicidade em Portugal. Esteve também vários anos no mercado espanhol. Este medo de arriscar sente-se mais deste lado da fronteira?
SA: É uma diferença que se sente, de facto. Somos um país de brandos costumes, com uma democracia recente. Aquilo que vivemos enquanto povo, antes da revolução, o medo, o não se poder falar, duas pessoas na rua já era um ajuntamento, é algo que deixa mazelas. Não há tanto esta coisa de levantarmos a voz, de querermos ser notados, de sermos atrevidos. Em Portugal, está entranhado o querer ser discreto, sóbrio, passar meio despercebido. Mas em publicidade isso é terrível. Quando não sobressaímos, somos invisíveis.

M&P: O medo de falhar também não ajuda no processo criativo.
SA: Exatamente. A originalidade e a inovação vêm da tentativa e erro. Em publicidade, sobretudo quando falamos de mass media, há grandes investimentos e a maior parte dos clientes quer partir para o processo só com certezas. Isso faz com que se vá para fórmulas seguras, com que não se arrisque. Mas os projetos mais inovadores têm sempre uma certa dose de risco. Se estamos a fazer algo que nunca foi feito, precisamos de partir com mais perguntas do que respostas, com a convicção de que as vamos resolvendo ao longo do processo. Acho que esse nível de confiança, essa valentia, a maior parte dos clientes não tem.

M&P: Na apresentação do tema do festival, apontavam um contexto de “orçamentos minguados, media fragmentada, um consumidor que escolhe o que quer ver e o pessimismo a mudar o mundo”. Neste cenário, quais são principais desafios que enfrentam hoje agências e anunciantes?
SA: Esses são, de facto, os grandes desafios face a quem viveu uma realidade diferente. Para quem estava habituado a campanhas de publicidade que iam para televisão/outdoor e toda a gente via, toda a gente sabia a frase, reproduzia a canção, tudo mudou com a digitalização do mundo e com o facto de as pessoas passarem a andar com um computador no bolso, com serviços de streaming e de entretenimento. Apesar de a televisão continuar a ser o meio mais consumido, a verdade é que o comportamento do consumidor em relação à publicidade mudou completamente. Está tudo muito mais fragmentado, temos de fazer mais para ter menos resultados. O grande desafio é como, com tanto instrumento na orquestra, e com recursos que não aumentaram, pelo contrário se calhar até diminuíram, conseguimos ter impacto junto das pessoas. Também por isso, vemos que uma das tendências é que a publicidade tem hoje a ambição de ser, ela própria, um conteúdo que as pessoas querem ver. A publicidade tem hoje esse grande desafio de valer por si.

M&P: E as marcas estão despertas para a necessidade de evoluir a forma de comunicar? Em Portugal, a televisão continua a ficar com mais de metade do investimento publicitário…
SA: Estamos numa fase de transição. Já vemos algumas marcas que arriscam, com este pensamento, noutro tipo de formatos e formas de fazer publicidade que resultam em conteúdos que as pessoas querem ver. Depois, ainda temos resquícios daquilo que tem sido o comportamento até agora dominante: há canais com muita audiência, há blocos publicitários e a segurança de que se colocar o meu anúncio ali durante 20 segundos – hoje em dia já ninguém faz mais do que isso porque é muito caro – vou conseguir chegar a muita gente. E esta ainda é a forma mais rápida de chegar a muitas pessoas. Pago muito mas consigo um alcance grande, ou seja, tenho um custo por contacto que ainda vale a pena. Estamos a viver uma grande transição, mesmo a nível global, do mundo antigo para um mundo novo que ainda não sabemos muito bem como vai ser. Já temos coisas novas a acontecer, mas continuamos a conviver com o que vinha de trás, que não irá desaparecer de um dia para o outro.

M&P: As agências e o tecido criativo nacional, ao nível dos métodos e soluções que oferecem, estão a dar resposta a esta evolução?
SA: Para as agências há uma pressão muito grande. Esta convivência dos dois mundos obriga a que tenham pessoas que são capazes de dominar a tradicional arte da publicidade, de conseguir seduzir as pessoas, mas ao mesmo tempo uma multidisciplinaridade que os novos modelos de comunicação exigem. Antes, havia uma dupla que tinha uma ideia, passava a uma produtora e estava produzido. Hoje, continuamos a ter uma dupla, mas depois aquela campanha tem de ter uma expressão digital, tem de ter um community manager, tem de ter motion, tem de ter diferentes formatos, elementos de interação, etc. Tudo se tornou muito mais complexo. As agências têm a pressão de, muitas vezes com os mesmos orçamentos, com os mesmos fees, precisarem de uma folha de empregados muito maior. Há uma necessidade de reequação, um repensar, de como têm de estar preparadas estas novas estruturas, quais são estas formas de trabalhar, que têm de ser mais fluídas e mais ágeis, e como é que se remunera.

M&P: Os modelos de remuneração praticados até aqui ainda fazem sentido ou já não refletem essa evolução?
SA: Estão a ser repensados. Têm vindo a ser. Há muitos anos, no tempo das vacas gordas, havia comissões sobre a media, comissões sobre a produção, declaradas ou não declaradas, ganhava-se muito dinheiro. Mas isso morreu. Já não há comissões na media e, se houver, são para as agências de meios e não para as agências criativas. Já não há praticamente comissões na produção e, quando há, são perfeitamente transparentes e declaradas. Aquilo que se cobra, e que se calhar é o que sempre se deveria ter cobrado, é o trabalho criativo. Agora, como é que se orçamenta uma ideia? Aquilo que muitas vezes fazemos é a definição de perfis, número de horas que vão estar alocadas a cada projeto, e depois tem de haver honestidade, e boa vontade, de parte a parte, de perceber que, se aquilo descambar e estiver a sair das horas programadas, se for preciso fazer e refazer propostas, tem de ser reorçamentado. Porque este trabalho tem valor, custa dinheiro, demora muito tempo e é preciso talento. Isso tem de ser pago. Ainda há alguma ingenuidade no mercado, que é muito perniciosa para a nossa atividade, de achar que as coisas se fazem de um dia para o outro e sem dinheiro. É muito importante as agências unirem-se e defenderem uma posição, que beneficia a todos: nem se faz de um dia para o outro nem custa zero, tem valor e demora tempo.

M&P: E há essa união?
SA: Acho que tem havido. Não conheço toda a gente, mas vejo cada vez mais agências a defenderem essa posição, que só fará bem a todos.

M&P: Não continuam a surgir casos de agências cujas práticas desvalorizam o mercado. Por exemplo, entrando em concursos com propostas que puxam todo o mercado para baixo?
SA: Há de certeza, mas também acho que o cliente que decide por aí também rapidamente vai perceber a fatura que isso traz. Não há milagres. Ou se tem uma estrutura super júnior a entregar um trabalho que é superficial, e o cliente está no direito de querer isso, ou, se quer ter mais senioridade e trabalho com mais profundidade e cabeça, isso custa dinheiro. Mas garantidamente trará outro tipo de retorno.

M&P: Os modelos baseados na performance ou os modelos hora/homem, como rerefiu, mais próximos daqueles que são adotados, por exemplo, pelas consultoras, são o melhor caminho para remunerar aquilo que é o trabalho desenvolvido hoje pelas agências?
SA: Não conheço outro. Também se começa a ouvir falar de experiências em que, por exemplo, a agência tem uma participação no negócio, ou um success fee em função dos resultados da campanha, ou royalties sobre a ideia se a coisa correr bem. Há outros modelos que se pode experimentar, mas diria que o modelo que se pode aplicar de uma forma mais massiva e generalizada é esse.

M&P: E os modelos de pitch? Este mês tivemos o caso da Lusíadas Saúde, que escolheu a agência na sequência de uma consulta, com assessoria da Scopen, assente num modelo que foge ao habitual método de chamar uma lista de agências a responder a um briefing. A responsável de marketing referia mesmo que “o processo tradicional já está desalinhado das atuais dinâmicas de mercado”. Concorda?
SA: A Uzina ganhou o Ikea num modelo muito parecido, moderado também pela Scopen. Acredito muito mais nesses modelos. Para já, acredito que os clientes, quando escolhem agências para pitch, até já têm ali uma inclinação. O que não invalida que queiram ver propostas. Mas também acredito que a quantidade de new business que se faz, gratuito, prejudica bastante as agências porque desvaloriza o trabalho que fazemos. Deveria começar por haver uma avaliação de portfólio, porque o que fizemos para outros clientes é o melhor cartão de visita sobre a forma como pensamos e trabalhamos, e deveria haver essa capacidade de avaliar o perfil e perceber que há agências diferentes, que servem clientes com realidades distintas. Depois tem de haver uma orçamentação, porque os clientes têm de poder pagar à agência que escolherem. Depois, há um processo longo de produção estratégica e criativa, que tem a ver com conhecimento do cliente, que não devia ser feito às cegas. Nos concursos, esse processo é, muitas vezes, feito às cegas e com prazos que são completamente irrealistas e vão até contra o próprio cliente. O cliente dar uma semana para trabalhar, num mercado em que a agência até pode estar a entrar de novo, em que é preciso perceber como funciona a marca, como o consumidor pensa naquele mercado, qual o problema que é preciso resolver do ponto de vista da comunicação, que muitas vezes o briefing do cliente não indica, para depois pensar numa proposta criativa que seja boa e diferenciadora, o que exige passar por muitos caminhos e deitar muita coisa fora… Achar que isto se faz numa semana é só uma falta de noção total e absurda daquilo que significa a nossa profissão. A maior parte dos concursos vai um bocado contra os próprios clientes e vai muito contra a nossa atividade. Acabamos por aceitar trabalhar em condições que não são as ideais, não estamos a fazer o melhor trabalho, muitas vezes a custo zero, o que não nos valoriza e é feito à custa dos outros clientes.

M&P: Qual seria então o modelo ideal?
SA: Num mundo ideal, os concursos deveriam ser remunerados. Primeiro, os clientes deviam fazer uma seleção com base no seu critério, olhar para os portfólios e ver quais representam o tipo de trabalho que querem para a sua marca. Depois, fazer um processo de orçamentação para ver se conseguem pagar. Por fim, fazer um projeto piloto para ver se cliente e agência se entendem. Se já for um trabalho de comunicação, devia ser pago, porque são muitas horas de trabalho. Ou então faz-se uma coisa mais curta e mais simples, à semelhança desse modelo da Scopen, para pôr as pessoas a trabalhar juntas e perceber se aquilo vai funcionar, se existe a mesma linguagem, se há uma boa relação interpessoal, se há comunhão de critérios e de afinidades, se os problemas são resolvidos da forma como o cliente quer. O que a Scopen faz é um dia de workshop que permite fazer isto e custa às agências apenas um dia de trabalho. É muito diferente de três semanas. Pôr as agências a trabalhar uma semana é irrealista, pô-las a trabalhar três semanas ou um mês à borla é um custo gigantesco. O modelo de new business deveria evoluir tendencialmente para o fim do briefing e para mais próximo destes modelos. Todos ganharíamos.

M&P: Falámos em modelos de remuneração mais próximos dos adotados pelas consultoras e também numa cada vez maior abrangência do trabalho desenvolvido pelas agências. Há hoje um posicionamento, junto dos clientes, mais próximo da consultoria de negócio?
SA: Há dois modelos muito diferentes e ambos são bastante válidos. Há marcas que precisam de um acompanhamento estratégico-criativo constante, precisam de um interlocutor permanente porque têm uma presença constante junto do consumidor, seja através de campanhas de mass media seja através de comunicação digital ou redes sociais, o que faz com que vejam na agência um parceiro de comunicação e onde o facto de trabalharem em conjunto, ao longo do tempo, traz benefícios para a consistência de marca. Há uma visão de marca, há valores bem definidos, há objetivos, targets, mensagens que têm de ser alimentadas e desenvolvidas num plano de comunicação com alguma continuidade. Para isso, procuram agências com as quais se identificam, têm um fee e há ali um acompanhamento mais estratégico e contínuo. Mas também há marcas que não precisam disso, precisam só de um projeto, de uma agência para resolver um problema específico e pontual. Trabalhar por projeto também é bastante saudável e pode trazer bons resultados. É um modelo que também funciona. Agora, não cobre todas as necessidades dos clientes. São duas realidades que existem nas agências e nenhuma é melhor do que a outra, depende muito das necessidades e do perfil do cliente.

M&P: Mas no modelo de fee, que não é novo, o acompanhamento é hoje mais abrangente? Ou seja, mesmo ao nível dos interlocutores do lado do cliente, em vez de apenas os departamentos de marketing, acabam por ter outros, inclusivamente ao nível do board?
SA: Muitas vezes, sobretudo quando são campanhas de grande investimento, o board está envolvido. E é bom que esteja, às vezes até pensamos que se calhar era bom trazê-los mais cedo para o processo, porque têm uma visão muito mais holística da marca e do negócio e podem ter insights muito bons para quando se começa a trabalhar. Nesse tipo de marcas, para as quais a comunicação é absolutamente crítica no negócio, o board costuma estar envolvido nas grandes decisões, como campanhas de marca e grandes investimentos em mass media.

M&P: É fácil passar para esse tipo de interlocutores, mais focados no negócio, a noção da publicidade enquanto investimento ou tende a ser vista ainda como um custo?
SA: Esse foi um dos temas interessantes que foram abordados numa tertúlia com a APAP, sobre a necessidade, ou não, de haver que fizesse essa tradução. E é engraçado porque os diretores de marketing dizem fazer tradução e sentem até que têm esse papel de tradutor. A agência tem a grande vantagem de não fazer parte do mundo da empresa. Há agências que fazem implantes dentro dos clientes. Isso é muito útil quando estamos a falar, por exemplo, de desenvolvimento de produto digital, onde as estruturas quase se misturam. Mas quando falamos de publicidade, temos uma enorme vantagem em estar de fora, em não estarmos metidos no pequenino problema que surge na empresa. Claro que é bom termos um conhecimento profundo da empresa, mas nunca nos podemos esquecer de que estamos do lado do consumidor. Queremos é pensar como o consumidor e perceber como chegamos até ele. Se a agência pode fazer essa tradução para o board? Pode. Se muitos marketeers sentem que esse é o papel deles? Também é verdade, e não há mal nenhum nisso. Se o fazem da melhor maneira? Depende. Há casos de pessoas que têm essa sensibilidade e se calhar até o fazem melhor do que a agência, porque entendem tanto o mundo da agência como o do board e fazem essa simbiose.

M&P: A tentativa de ter o board como interlocutor direto não terá mais a ver com uma ambição das próprias agências em estarem mais próximas dos decisores do negócio e darem uma resposta à entrada das consultoras na publicidade.
SA: Sim, isso é verdade. Mas até acho que o modelo que se calhar seria o ideal é estarmos lá junto com o marketeer. Porque podemos perfeitamente fazer essa parceria, exatamente como na consultoria. A grande vantagem da consultoria é que eles lidam diretamente com os boards e nós, muitas vezes, paramos ali no diretor de comunicação ou no diretor de marketing. Quando os CEO, os membros do board, perceberem que a marca é um dos principais ativos que têm na empresa, se calhar vão querer ouvir os especialistas em marca de viva voz. Acho que podemos reclamar esse papel, mas sempre de mão dada com o marketeer. Tem de ser o nosso principal aliado, mas nós podemos ajudar a mostrar por que determinado caminho faz mais sentido do que outro. As agências podem e devem reclamar para si esse lugar. Não temos menos valor do que uma consultora.

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