A inovação está nas diferenças

Por a 30 de Maio de 2023

Em tempos assisti a uma palestra que falava de inovação como o princípio de se criarem conexões a partir de mundos totalmente diferentes. Usando a metáfora da mala “com rodinhas”, não deixa de ser interessante verificar que objetos tão temporalmente afastados na origem (a roda foi criada em 4500 a.C, já a mala de viagem moderna surgiu em pleno século XX) acabem por gerar algo novo tão utilitário só em 1970. Demorou-se imenso tempo para que duas boas invenções gerassem uma terceira, mas fica demonstrado, com este exemplo, que coisas incríveis podem surgir da colisão de contextos, realidades e perspetivas diferentes.

Sempre vi a publicidade como um instrumento capaz de provocar mudanças, de gerar transformação social, promovendo a representatividade e, naturalmente, catalisando inovação. Mas o que tenho assistido em muitos ambientes corporativos é uma certa padronização de ideias e ritualismo assente numa fraca diversidade na formação de quadros e equipas. Consequentemente, não sobra muito espaço para a confrontação salutar geradora de novidade.

A reflexão que trago aqui é sobre o campo da urgência em criarmos equipas multidisciplinares, com diferentes tipos de background, idade e, principalmente, repertório de vida. Nos ambientes corporativos acabamos sempre por nos deparar com pessoas que frequentaram as mesmas universidades, tiraram os mesmos cursos, que se movem nos mesmos círculos de inovação, alinhadas pelas mesmas tendências. Atrevo-me mesmo a dizer que são pessoas capazes de imputar as mesmas prompts num ChatGPT qualquer e ficarem desagradadas com resultados diferentes que a “criatividade” da IA possa gerar.

Com uma certa frequência, assistimos no mercado publicitário a algumas agências e clientes a consultar reports abertos, pesquisas e big numbers para basear as suas recomendações e apresentações, encurtando o caminho e poupando tempo de reflexão sobre se aqueles dados são de facto verdade ou apenas um viés confirmatório.

O problema é que todos lemos, ouvimos e consumimos praticamente os mesmos conteúdos e não dá para culpar só o “algoritmo” por isso. O risco de termos empresas com um modelo de recrutamento pouco diversificado é o risco de nos fecharmos sobre nós próprios, em equipas unidimensionais. É reduzir a realidade aos mesmos insights, recomendações e soluções. E a pergunta que sobra: Estamos a produzir algo novo ou apenas a gerar mais do mesmo, reproduzindo ruído? – quando as perguntas deveriam ser: O que de humano cada um pode trazer na sua bagagem? Para onde não estamos a olhar? Estaremos mesmo dispostos a ampliar o debate criando espaços de inclusão?

Nos processos seletivos das nossas empresas deveríamos dar voz a pessoas provenientes das periferias, sem as mesmas oportunidades e privilégio de estudar nas faculdades A ou B, mas igualmente capacitadas. Deveríamos estar genuinamente interessados em abrir portas a minorias raciais, a pessoas com deficiência e às vozes LGBTQIA+, para que tenham lugar de fala no mercado de trabalho. A igualdade de género ecoa nos corredores da mudança mas ainda não se senta, quotidianamente, nos gabinetes de chefia. E, mesmo quando é a reconfiguração da lei que nos impele a incluir, não estaremos a fazer mais do que o mínimo obrigatório para ficar bem na fotografia, ou nos slideshows?

Fico, por muitas vezes, a refletir sobre estarmos de fato cooperando (enquanto comunicadores, criativos, publicitários, gestores, marketeers…) com a perpetuação de retóricas a ecoarem nas nossas bolhas de opinião e comunicação. Dando oportunidade sempre aos mesmos e não utilizando esse enorme poder que é a “diferença” para solucionarmos problemas reais.

Trabalhando em estratégia ao longo de anos, valorizo muito a evidência de estudos e reports para que possamos trazer algo relevante para cima da mesa, com boa fundamentação teórica. Mas, para lá de validações, também acho ser necessário refletir sobre os “fragmentos de informação” que os algoritmos não trazem. Que só o campo, a interdisciplinaridade, o embate de opiniões ou a vivência de situações diferentes podem trazer. Para se desenvolver estratégias não dá para se ser um mero observador passivo. E, na era do “cancelamento”, ter equipas multidisciplinares, com diferentes perspetivas e lugares de fala, deveria ser ainda mais valorizado ao possibilitar a validação das nossas criações e publicações segundo sensibilidades diferentes. E assim não estaríamos tão expostos a repetir erros ou a optar pelo caminho standardizado que coloca nas ruas campanhas replicadas, que já não representam ninguém, ou que direciona verbas e recursos para influenciadores generalistas ou para aqueles famosos de sempre.

Ao longo da minha jornada profissional cruzei-me com pessoas inspiradoras, de espetros sociais e políticos bem diferentes do meu. Mas nem sempre isso acontece nos ambientes de trabalho.

Onde houver maior igualdade de oportunidade para todos, valorização de grupos de trabalho diversos, haverá, pelo menos, a possibilidade de sair da mediania. É cada vez mais urgente estarmos atentos às faixas da sociedade que não estão a ser representadas. Devemos fazer mais, juntos, com gente diferente. Ou então não há inovação.

Sigamos os bons exemplos cá de casa, como do hub social Manicómio, a Critical Software ou a Farfetch, porque diversidade é a estratégia vencedora na era do “pensamento convergente”. E a inovação, essa, começa em nós.

Artigo de opinião assinado por Luciana Esteves, innovation strategist na Fullsix

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