Vem aí o Ministério GPT

Por a 31 de Março de 2023

Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

A inteligência artificial (IA) entrou definitivamente no léxico do dia a dia e, mais ainda, na vida e especulação sobre como irá afetar o mundo dos negócios e das nossas vidas particularmente. E, desse ponto de vista, interessa observar como nos serviços do Estado a sua aplicação pode ajudar a melhorar o nosso dia a dia, com menor burocracia, maior pertinência nos investimentos feitos e na satisfação de necessidades reais, mais bem identificadas. Eis alguns exemplos na Europa.

1. Menos burocracia e mais rapidez
Será talvez a primeira palavra e desejo dos contribuintes. Mas pelo uso da IA será mais eficaz aos serviços governamentais identificar padrões nos serviços de forma a poder pré-agendar o envio de informação, consulta de serviços, impressão de documentos legais, registo do cidadão em serviços que hoje ainda carecem de validação e presença humana. De uma forma geral este é o princípio que a generalidade dos países da UE já desenvolve há mais tempo.

2. Tarefas automatizadas
Desde as atas realizadas pelas estenógrafas que passam a ser feitas por máquinas e remetendo o trabalho humano para tarefas de maior valor útil, ao atendimento personalizado no próprio dia e hora sem necessidade de marcação, passando ainda por processos de contratação pública com menor enviesamento, melhor seleção e menores custos e tempo. Estes são apenas alguns exemplos desse portentoso eixo de otimização de serviços com poupança de custos (garantindo ao mesmo tempo um melhor serviço) já em prática na Letónia ou Suécia, Alemanha, entre outros.

3. Fraude
A prevenção do risco, pela identificação de padrões de comportamento, pode ter aplicabilidade por exemplo ao nível da criação de empresas, onde surja de imediato a prospeção e validação de mais informação, podendo ter-se identificado algo suspeito, que de outra forma teria passado incólume. Quem diz empresas, diz cidadãos. Ao invés de uma auscultação que obriga ativamente cada agente económico a prestar contas (a todos, ou aleatoriamente) será mais eficaz a aplicação do esforço de controlo estando a incidir de forma mais certeira, preventiva e, portanto, limitando a escala do dano, por um lado, e os imensos custos de se aplicarem métodos de controlo em grande escala (pouco eficientes).

4. Aplicações de cidades inteligentes
Ao nível das “smart cities” há já inúmeras aplicações. Desde sensores e machine-learning para organizar a recolha do lixo e necessidade de intervenção fora de norma na limpeza das vias, disponibilidade de parqueamento no centro da cidade (não apenas para agora, mas para o futuro – previsão e agendamento), gestão dos recursos hídricos com previsão futura da sua disponibilidade, bem como previsão de zonas de perigo de incêndio ou outras catástrofes gerando previamente alertas e alocação de recursos de proteção civil ao invés de uma resposta ‘a posteriori’ apenas.

5. Compreensão e melhoria de serviços ao cidadão
Desde a melhoria do trânsito aos serviços hospitalares, passando por inúmeros outros, algo que a IA faz logo notar é a exigência da informação recolhida ser de qualidade e devidamente estruturada. De nada vale ao município ter os autocarros conectados em tempo real se não tiver informação sobre o movimento dos restantes automóveis. Adicionalmente, para a melhor gestão das vias e fluxos humanos na cidade, o mesmo para a informação ferroviária, dos ciclistas e dos peões. É o tipo de projeto onde Portugal está já empenhado, dando como exemplo o que a Câmara Municipal de Lisboa encetou a este nível com o Instituto Superior Técnico e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil. A “magia” da IA só se revela se devidamente ‘alimentada’, e para tal as fundações terão de começar com informação cabal, organizada e pertinente. Esse será desde logo um dos grandes contributos: promover esta recolha, organização e tratamento.

Aliás, com esta ‘filosofia’, teremos uma classe política no futuro a tomar decisões de forma melhor, mais informada, mais previdente e mais bem dotada dos impactos possíveis de cada opção política que tenha em mãos. Isto levará ao redesenho de processos, fluxos de informação e aprovação e, assim esperemos, tempos mais céleres de resposta e implementação dessas mesmas políticas – e portanto chegando mais cedo maiores benefícios aos cidadãos.

Por fim, não será demais referir a transparência que um “ministério” destes terá de ter. Desde logo, explicando para que serve a IA no nosso país. Em segundo, garantindo que aos cidadãos não haja violação alguma dos seus direitos fundamentais. E em terceiro que a qualquer um possa ser dado acesso para que saiba em que os seus dados, de forma anonimizada ou não, estão a ser usados e para que benefícios pessoais ou comuns.

O debate sobre este uso será tão ou mais animado do que aquele que já rodeia o RGPD, mas os proveitos para o bem comum são por demais evidentes para que se ouse esperar por tempos de total concórdia.

Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

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