Calcular o prazo de validade

Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics
Podem vir a nascer ou já estarem em curso. Prestes a ser decretado o seu fecho ou ainda em vias de sobrevivência. Até mesmo de reforço de investimento. Nos nossos percursos profissionais deparamo-nos com projetos aliciantes umas vezes, menos outras, alguns deles com viabilidade duradoura e outros curta. O prazo de validade vai sendo mais questionado quando as vendas caem ou a margem se extingue, disso não há dúvidas. Mas, tal como na alimentação nem todos os tipos de alimentos têm validades iguais, também nos negócios não podem ser todos resumidos a ciclos de validade idênticos.
Poderá a reflexão ser aplicada a negócios incumbentes como novos, repito. Ainda recentemente pude ler com atenção o “turnaround”, aparentemente sustentável, da Barnes & Knoble, analisado por Ted Gioia (para que assim também possam pesquisar e encontrá-lo). Falamos de uma empresa fundada em 1886. Secular, portanto. E que, ao olhar de muitos, iria ser a próxima “Blockbuster”, a ceder perante uma imponente Amazon e estando a sua validade terminada. Mas afinal parece que não está a ser bem assim e se descobriu que o consumo de livros e a visita às lojas da B&N está para durar.
Resolvi olhar para o 2022 que acabou de terminar e fui ao setor onde trabalho, no digital, pesquisando em duas das empresas mais emblemáticas o oposto: projetos cujo prazo chegou mesmo ao fim.
Google: YouTube Originals = terminado. Threadit = terminado. Duplex = terminado. Hangouts = terminado. YouTube Go = terminado. Duo = terminado. Cameos = terminado. Stadia = terminado.
Meta: Super = terminado. Facebook Live Shopping = terminado. Neighborhoods = terminado. Tuned = terminado. Campus = terminado. Sparked = terminado. Portal = terminado.
À primeira vista, e pelos nomes de algumas das soluções acima mencionadas mais conhecidas, poder-se-á subentender que se tratou de um conjunto de apostas que, passado o “período experimental”, e não tendo vingado se resolveu fechar. Mas nada disso. Se, por exemplo, a Meta nem chegou a lançar o que seria o seu smartwatch (comunicado e encerrado em junho 2022), outros projetos aqui destas BigTech datam de 2010, 2012, 2013, 2016, 2017, 2018, …
Ainda que sujeito a erro pela pesquisa não exaustiva, notei uma maior celeridade da Meta em lançar e desligar projetos do que a Google (onde é mais frequente os mesmos serem testados por três e mais anos). Mas esse não é o ponto central aqui, da comparação entre empresas, mas sim na reflexão num ano que se antevê exigente (não são todos…) refletirmos em permanência como tornar os negócios em mãos viáveis e salutares, ou aplicar o esforço em refocá-los, reforçá-los ou desligá-los.
Numa cultura latina, destes esforços acima, os primeiros são sempre vistos como entusiasmantes, enquanto ao último, a derrota, o infortúnio e a crítica estão muitas vezes ligados. Como se acertar sempre e só ter sucesso fosse algo possível.
O que é certo e infalível é a premissa de que sem novos negócios só podemos mesmo continuar a depender do risco de os poucos subsistentes continuarem de boa saúde. Sem esquecer que, num mundo V.U.C.A., esse risco não se agravar é quase zero.
Voltando à Google, olhemos para o que o mercado apelida de “other bets”. Poucos falam delas. Investidores. Curiosos. Nerds. Os próprios colaboradores, fornecedores e parceiros. Mas esses produtos de tempo de validade desconhecido (ou diremos mais, curto e em permanente extensão recorrente) têm valido à empresa não depender apenas de um motor de pesquisa num browser e entrar em novos negócios. Estas “other bets” são as apostas da venture capital da Alphabet, de onde a empresa acredita que sairão os próximos moonshots (soluções que abrirão novos segmentos de mercado e resolverão problemas julgados intransponíveis de uma forma nova através de tecnologia).
Quando juntamos Access, Calico, CapitalG, GV, Verily, Waymo ou a X, entre outras, estas empresas ainda não valem mais que 750 milhões de dólares/ano (2021) quando comparamos com os 250mM que foi o bolo da Google nesse ano. Mas isso não desvia a Google, como a Meta ou a Apple (agora de volta da AR/VR, entre outras apostas) de explorarem negócios de prazo de validade incerto.
O que não será salutar é julgar que qualquer novo negócio tem sempre um prazo de validade pré-determinado para cada etapa da sua vida, seja para a fase startup, de crescimento, maturidade ou de renovação/declínio. A tentação de apressar as notícias para o obituário ou de adiar a morte são ambas condenáveis.
Como visto acima e, mais relevante ainda, como qualquer profissional sabe pela sua experiência de vida e experiência profissional, só dentro de cada empresa existem os factos e as razões para se determinar devidamente porque alguns negócios devem viver mais ou menos tempo. Os prazos de validade não vêm predefinidos em nenhuma tabela de curso de gestão. Mas brincando com um tema corrente destes dias, na dúvida pode sempre perguntar ao ChatGPT.
Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics