O tempo e o modelo

Por a 20 de Janeiro de 2023

Vítor Cunha, administrador da JLM&A

A tecnologia tem mudado as formas como nos damos com o mundo, o mundo anda cada vez mais acelerado, e as indústrias e as empresas tentam acompanhar a mudança como sabem (e podem, porque a mudança pode sair cara).

Nas indústrias da comunicação a disrupção é tal que muitos têm ficado pelo caminho. Se olharmos para as últimas décadas, quantos títulos nasceram e morreram em Portugal? – O Primeiro de Janeiro, Comércio do Porto, Sete, O Jornal, Capital, O Independente, e muitos outros de vida mais curta e menos feliz.

Dirigir ou administrar produtos de media é uma enorme dor de cabeça, talvez porque muitas vezes se faz sem ela, porque o jornalismo é quase sempre mais paixão do que razão. Juntar ambas e ter resultados é um exercício do domínio do quase-impossível.

A propósito dos seus 50 anos, o Expresso organizou uma muito interessante conferência ao longo da sexta-feira, 6 de janeiro de 2023, na Fundação Champalimaud. Foi uma boa forma de começar o ano. No encerramento, Francisco Pinto Balsemão, António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa discorreram sobre o que é, o que foi e o que deverá ser no futuro o Expresso.

O semanário, sendo hoje uma das publicações de referência do país, num mundo normalizado e sem sabor nem cheiro, nasceu com uma agenda política poderosa de mudança de regime e de modelo económico e social. Compatibilizar uma agenda de rutura com a censura, com a heterogeneidade dos fundadores e colaboradores iniciais, com a falta de dinheiro, num país em que mais de um quarto do mercado não sabia ler e uma enorme maioria não tinha hábitos de leitura ou rendimento para comprar jornais, foi obra. E foi obra, essencialmente, de um homem: Francisco Pinto Balsemão, como bem disse o Presidente da República.

A democracia e o desenvolvimento não se fazem sem pensamento livre e crítico. E os jornais livres, independentes, com autonomia financeira, e com profissionais mediadores qualificados, são a base da luta contra as novas formas de censura e contra o pseudojornalismo “cidadão”.

É triste ver pessoas adultas, supostamente informadas, supostamente formadas, a consumir e acreditar em “notícias” originadas em blogues ou websites fake, em tweets, em esparrelas digitais, ou mesmo em títulos formais, mas de duvidosa origem e sem racional económico. Aliás, causa-me uma enorme impressão ver como é que certos meios desse ecossistema da aldrabice prosseguem, quais mortos-vivos, perante a serenidade impávida dos meios lícitos, dos organismos do Estado, das polícias e dos comentadores residentes. Mortos-vivos com agenda não é uma contradição nos termos, como se vê.

Os 50 anos do Expresso convocam, pois, para (mais) uma reflexão sobre o setor dos media em Portugal. Entre o tema da escala (ou falta dela), da exiguidade do mercado da língua (sim, o Brasil conta pouco), da falta de capacidade de investimento, da proletarização dos jornalistas, da endémica pobreza do país, da concorrência dos meios gratuitos, e da fuga do investimento publicitário para grandes agregadores e redes, entre outras desgraças, não faltam desculpas e explicações. Olhemos para 1973 e para as condições que Francisco Balsemão enfrentou. O mercado era muito mais exíguo, a polícia política prendia se necessário, o país era bem mais pobre, mas houve alma e energia para aguentar, engenho para crescer e até fundar, cerca de 20 anos depois, uma outra marca de referência, a SIC.

Olhar para a história de coragem e profissionalismo dos fundadores do Expresso é também obter a receita para estes tempos: desafiar a sorte e a convenção, ousar, perceber onde está o interesse das pessoas e perceber onde estão a pessoas. Muito fácil.

Artigo de opinião assinado por Vítor Cunha, administrador da JLM & Associados

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