Audiências TV: “As agências de meios não se reveem na queixa que foi apresentada”

Rodrigo Albuquerque, managing director da Arena Media
O M&P ouviu os responsáveis de seis das principais agências de meios a operar em Portugal sobre alguns dos temas que prometem marcar o mercado publicitário em 2023. O impacto da introdução de publicidade nas plataformas de streaming, a fragmentação da oferta e a perda de expressão dos canais FTA, a turbulência na medição de audiências televisivas, a transformação no out-of-home das duas principais cidades e o fim dos cookies analisados, hoje, por Rodrigo Albuquerque, managing director da Arena Media.
Meios & Publicidade (M&P): A publicidade já é uma realidade no Netflix, sendo esperado que o novo modelo de subscrição com anúncios chegue ao mercado português no próximo ano. Desde 8 de dezembro, também o Disney+ abriu a porta aos anúncios, num movimento que começará nos EUA mas não tardará a chegar aos restantes mercados onde a plataforma está presente. Qual poderá ser o impacto da introdução de publicidade nas plataformas de streaming no investimento publicitário em televisão no mercado português?
Rodrigo Albuquerque (RA): No panorama de meios português, a televisão linear ainda é a principal alavanca de cobertura massificada em muitos dos targets de comunicação, e não será em 2023 que esse panorama se alterará. A introdução destes novos players poderá impactar o investimento publicitário como um todo, e não apenas em televisão. Se pensarmos que podemos trazer o potencial de segmentação do digital (não numa fase inicial, porque as possibilidades serão mais limitadas, mas a tendência será evoluir para esse cenário) para um device com maior exposição e maior potencial de gerar atenção, poderemos estar a olhar para um shift de investimentos diferente. Mas o oposto também pode ser verdade: se pensarmos que conseguimos utilizar o mesmo meio (televisão), mas com uma entrega de mensagem mais personalizada – à semelhança do que já temos hoje com alguns formatos já existentes em televisão, então sim, podemos assistir a uma migração de investimento neste sentido.
M&P: A perda de quota dos canais free-to-air, que tem sido uma constante à medida que a oferta de televisão se vem tornando cada vez mais fragmentada, intensificou-se em 2022. Isto numa altura em que a multiplicação da oferta OTT não dá tréguas já que o número de plataformas ao dispor do consumidor português, apesar de ser já significativo, continua a crescer, sendo disso exemplo a chegada recente da plataforma SkyShowtime a Portugal. Como vê este alargamento continuado da oferta de conteúdos televisivos e como antecipa que irá evoluir o consumo de televisão free-to-air neste contexto? Os canais generalistas estão condenados a perder expressão em 2023?
RA: Olhando para o panorama económico nacional (e europeu), estamos a antecipar um consumidor muito mais racional em 2023. E esta racionalidade no consumo estender-se-á ao mercado dos serviços de subscrição, abrangendo, naturalmente, os serviços de streaming. Não deixando de ser verdade que a oferta é atualmente muito variada, antecipamos que o escrutínio do consumidor será maior e que o número de serviços subscritos será menor em 2023. Com efeito, no contexto de incerteza económica atual, o consumidor seguramente não vai poder suportar todas as subscrições, nem ter tempo para todas as plataformas que existem, ou que venham a surgir, competindo as OTT também com as restantes ofertas de canais de Pay TV e outras subscrições (canais desportivos e/ou outros temáticos, etc), também bastante fortes e alguns incluídos até nos pacotes standard das operadoras de TV.
Para além disso, em contextos económicos e sociais mais instáveis, os meios de comunicação ganham relevância no leque de conteúdos que os consumidores mais creditam como credíveis e relevantes. Juntando estes dois fatores, e apesar da tendência decrescente de quota dos canais free-to-air, não antecipo que 2023 venha a ser um ano de perda para estes canais.
M&P: Um dos acontecimentos que marca o ano de 2022 ao nível do mercado publicitário prende-se com as buscas realizadas na GfK devido a uma denúncia de adulteração das audiências. Independentemente das conclusões a que a investigação em curso possa chegar, as suspeitas levantadas podem ser um espinho na credibilidade do sistema de medição de audiências? O que será necessário para apaziguar agências de meios e anunciantes e quais poderão ser as consequências de uma potencial quebra de confiança ao nível da distribuição do investimento publicitário em televisão?
RA: Não existe qualquer quebra de confiança. Não existe, igualmente, necessidade de apaziguamento entre agências de meios e anunciantes, pelo simples facto de não haver qualquer desentendimento entre as partes relativamente a este tema, uma vez que, inclusivamente, as agências de meios não se reveem na queixa que foi apresentada.
M&P: No setor out-of-home (OOH), 2023 promete ser um ano de grande transformação na oferta de publicidade exterior nos dois principais centros urbanos. A resolução dos concursos para as concessões de Lisboa e Porto, além de trazer novos players à publicidade exterior das maiores cidades do país, está a impulsionar a renovação dos suportes, acentuando a progressiva digitalização das redes. Como espera que a oferta de publicidade exterior venha a evoluir no próximo ano em consequência deste processo de renovação e que impacto antecipa que esta transformação poderá representar ao nível do investimento publicitário no setor?
RA: Sim, finalmente foram concluídos os processos dos concursos de Lisboa e Porto, estando neste momento a ser revelada aos anunciantes e agências a oferta disponível. Por outro lado, a pandemia teve consequências na mobilidade dos consumidores, tanto a nível quantitativo como na sua forma. E, nesse sentido, o meio exterior continuará a ter um papel muito relevante e indispensável nas estratégias de meios, sobretudo em campanhas de branding e posicionamento, que são claramente beneficiadas com a comunicação de imagem. Espera-se de facto que esta “nova” oferta traga maior qualidade, flexibilidade e agilidade, permitindo um maior número de opções às marcas e, com isso, tornar-se um meio mais apelativo e eficaz. Se a transformação dos parques for rápida e eficaz, e a oferta corresponder às expectativas, penso que nos próximos anos o meio OOH poderá efetivamente vir a registar um crescimento na sua quota.
M&P: No digital, 2023 traz o anunciado fim dos cookies, tornando a first party data cada vez mais determinante para a estratégia das marcas e para as próprias agências de meios. De que forma antevê que o fim dos cookies irá refletir-se ao nível do investimento publicitário das marcas no digital, por um lado, e, por outro lado, naquilo que será o investimento das próprias agências de meios no sentido de criar ferramentas e fazer evoluir a sua oferta de negócio para dar resposta às novas necessidades dos anunciantes?
RA: A tendência tem sido de crescimento do share do investimento digital nos últimos anos, e não deverá deixar de ser assim no futuro próximo. Aquilo que antevemos, e para que trabalhamos, é no sentido de arranjar alternativas robustas à utilização de third party cookies. Este movimento tem origem numa maior necessidade de privacidade e proteção de dados pessoais por parte dos utilizadores, e não por uma quebra no consumo do meio. Os consumidores continuarão a consumir conteúdo no meio digital, e prevê-se que este consumo continuará a aumentar – Portugal ainda está atrás de muitos países europeus na adoção do digital – o que significa que as oportunidades de contacto existem.
O ano de 2023 – e 2022 já tem vindo a ser assim – servirá, forçosamente, para testar estas alternativas, aferir a sua viabilidade, robustez e eficácia, preparando da melhor maneira o futuro da comunicação em digital dos nossos clientes. Olhando para as ferramentas para trilhar este caminho, sim, tem de ser feito investimento por parte das agências – e o Havas Media Group já antecipou esse cenário e já tem, ao dia de hoje, uma ferramenta cookieproof – mas também por parte dos clientes. Os anunciantes serão os detentores dos data points mais relevantes, a sua própria first party data, e terão de investir em mecanismos de recolha, tratamento e ativação desta mesma data. Para isso podem, ou não, recorrer aos seus parceiros. É algo em que já estamos a trabalhar com alguns dos nossos clientes.