As big techs já não são diferentes

Por a 6 de Janeiro de 2023

João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa

As empresas tecnológicas, em inglês as big techs, sempre beneficiaram da admiração geral de uma forma merecida. A nossa vida transformou-se para muito melhor nos últimos 25 anos por causa dos seus serviços, e é quase difícil quantificar o impacto positivo no desenvolvimento económico que trouxeram a outros setores.

Quando a pandemia se instalou, todos sentimos que, graças a elas e às empresas de telecomunicações que constroem a infraestrutura de que essas empresas necessitam, embora não a paguem, quase todos pudemos manter as nossas empresas a funcionar e adaptarmo-nos com a flexibilidade que hoje reclamamos como ideal. Foi um momento extraordinário de aceleração de adoção generalizada, com destaque para as vídeo chamadas e o e-commerce, que em dois anos transformou em definitivo a forma como trabalhamos e consumimos.

Contudo, o regresso a alguma normalidade veio arrefecer o resultado destas empresas e a reação de quase todas parece significar que empresas cotadas são empresas geridas com o rigor e a racionalidade que os investidores exigem de forma implacável, não deixando espaço para um estatuto especial de empresas que prometiam serviços excelentes e gratuitos, e competiam pelo talento correspondendo aos mais exigentes sonhos de qualquer colaborador.

E é neste quadro que deveremos interpretar a vaga de despedimentos que percorreu quase todas estas empresas, e a procura de maiores receitas, mesmo rompendo com conceitos de gratuitidade anteriormente assumidos como universais para estes serviços.

Poderíamos refletir sobre o significado de a Meta despedir 13 por cento do total dos seus colaboradores após resultados positivos, ou de a Amazon, em vésperas de um Natal que voltará a bater recordes, também despedir, ou a própria Microsoft. Despedem os mesmos colaboradores que há poucas semanas recebiam mais regalias para lhes proporcionar o melhor equilíbrio com a sua vida pessoal e familiar. É cruel, mas não nos deveria espantar, pois quantos de nós investiríamos em ações de empresas que pagam bem a todos os que consigo colaboram, e lhes exigem menos tempo de dedicação, mas baixam os resultados? E a resposta é ninguém. Enquanto houve resultados tudo foi possível, se eles arrefecem tudo se interrompe.

E é aqui que chegamos ao Twitter, o atual expoente máximo na evidência de todas estas contradições. Esquecendo o folclore do seu novo proprietário e o facto de alguém poder acumular tanto poder, haverá razões para nos surpreendermos ou algumas das suas decisões são iguais às que esperaríamos de qualquer outra empresa?

Os despedimentos foram violentos e, provavelmente, desnecessariamente atabalhoados, mas não foram inéditos e o Twitter nunca foi o cash-cow que as outras são. Começar a cobrar oito dólares por mês para contas premium não é novo em redes sociais e as contrapartidas parecem justificar algum valor. Dá a possibilidade de editar um tweet anterior, esses users vão ver menos anúncios, têm mais alcance garantido nos seus tweets, que vão poder incluir maiores vídeos e de maior qualidade. Se juntarmos a autenticação, teremos dificuldade em questionar o valor do serviço. Até o facto de o preço para a app iPhone ser de 11 dólares mostra coragem de evidenciar a quem tem um device da Apple que é esse construtor que cobra fees porventura exagerados só possíveis num duopólio.

Ao mesmo tempo, a interrupção do trabalho remoto não é de todo popular, mas não a podemos considerar ilegítima. Se a decisão for errada, o Twitter não vai conseguir atrair e reter o talento de que muito necessita, mas se houver talento que não vê nisso inconveniente, sendo que a convicção dos gestores é que o trabalho de equipa é afetado, esta é mais uma medida que tem lógica empresarial.

Em resumo, se esquecermos o estilo de Elon Musk, até agora idolatrado sobretudo pelos sucessos da Tesla e da SpaceX, muitas das alterações anunciadas não só fazem sentido como são as mesmas que já outros perseguiram. Deveremos lembrar-nos de que o Twitter deixou de estar cotado porque Elon Musk comprou todas as ações no mercado a 54,20 dólares, num custo total de aquisição de 44 mil milhões de dólares, e por isso fica difícil acreditar que estas decisões de gestão não têm origem na plena convicção de que são as mais acertadas para a empresa prosperar.

Já tudo o que envolve as suas convicções políticas e o seu eventual exagero liberal na forma como acha que o Twitter deve regular e permitir que conteúdos são publicados, é uma outra matéria que cruza com a concentração de poder num único indivíduo. Mark Zuckerberg teve-o mas decidiu que o seu Facebook não deveria ser protagonista na discussão política, sendo o conteúdo noticioso hoje menos de três por cento dos conteúdos da rede. É esse espaço que o Twitter irá ocupar de forma quase exclusiva e que tanto preocupa as várias entidades nomeadamente na Europa.

Nessa área, o Twitter não é, de facto, mais uma plataforma, mas em tudo o resto o que trouxe de novo é apenas um estilo na forma de anunciar as decisões de gestão que os outros adotam com a maior das discrições.

As contradições destas empresas terão algum paralelo nas nossas condenações ao Mundial do Catar, nos nossos iPhones fabricados na China, porque os ideais são muitas vezes apenas isso.

Artigo de opinião assinado por João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa

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