2023 será um ano de vacas magras?

Por a 25 de Janeiro de 2023

Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca

2020 foi o ano hipocondríaco, em que a doença se sobrepôs a tudo o resto. 2021 começou com a esperança gerada pela vacina, mas foi rico em altos e baixos, um ano bipolar. No início de 2022, ainda antes da eclosão do conflito no leste europeu, antecipávamos as dificuldades e um ano em que caminharíamos sobre brasas, o ano dos faquires. E 2023? Será, sem dúvida, um ano de vacas magras, um ano para enfrentar e sobreviver às adversidades, um ano para homens (e mulheres) de ‘barba-rija’… o ano dos resistentes.

Há um ano, sabíamos que a crise estava a chegar e que “os seus drivers mais relevantes seriam, essencialmente, de médio e longo prazo, com a crise covid-19 a ser provavelmente aquele de impacto mais circunscrito no tempo, enquanto temas como os da polarização financeira, das alterações climáticas ou das alterações de padrões de consumo ter[iam] um efeito muito mais alargado no tempo, sendo que a complexidade e incerteza dos cenários tender[iam] a ser agravados pela escalada de conflitos regionais”.

E, claro, pressentíamos já a tempestade inflacionista, um fenómeno que, “especialmente quando afeta os produtos mais básicos, é a austeridade dos mais pobres e que gerará impactos sérios na sua capacidade de aquisição e na satisfação das suas necessidades mais prementes”, assim como referíamos que as empresas do nosso universo não poderiam absorver o fortíssimo agravamento dos seus custos, mas sentíamos também que essas mesmas empresas reconheceriam as dificuldades dos consumidores e que agravamentos sensíveis dos preços teriam sempre um reflexo muito negativo no consumo. E que o equilíbrio seria essencial.

Como bem sabemos, o mundo, o nosso mundo, deu um enorme trambolhão a partir de finais de fevereiro. Para muitos a crise parece ter nascido aí. Mas, em boa verdade, ela tornou apenas mais fundo (bem mais fundo) o buraco que antecipávamos ir enfrentar.

O ano que agora terminou trouxe-nos a renormalização do pós-pandemia e o regresso de alguns ‘vícios’ do período pré-covid, mas também a consolidação de novos hábitos e rotinas que germinaram durante os atípicos anos da doença. 2022 foi um ano de forte recuperação do turismo e de um quase pleno-emprego, mas também de disrupção das cadeias de abastecimento, de fortes estrangulamentos logísticos e de busca incessante de abastecimento de proximidade, de tempestade inflacionista e de um pesado agravamento dos custos energéticos e das taxas de juro. Estes fenómenos atacaram todos os setores da economia, mas no universo do grande consumo afetou a cesta de compras dos consumidores e empurrou significativamente as marcas próprias dos retalhistas e as insígnias de hard discount e de sortido mais curto.

Nestes últimos anos, compreendemos, até à exaustão, que a nossa maior certeza é de que continuaremos a viver numa constante incerteza e na contínua dificuldade de planear a médio e longo prazo. Ainda assim, corramos o risco de ‘adivinhar’: vamos assistir, em Portugal, a uma elevada perda do poder de compra e, consequentemente, a um sério impacto no mercado. Vamos, por certo, assistir a um forte esforço para desatar o nó logístico que continuamos a enfrentar. Vamos observar uma transferência do consumo de fora para dentro de casa. Vamos perceber como as novas rotinas de trabalho e de mobilidade afetam a forma e o local em que compramos. Vamos sentir o impacto da crise em muitos dos nossos principais parceiros económicos, seja ao nível das nossas exportações, seja ao nível de turismo. E vamos ser ainda mais exigentes em matéria de responsabilidade, de sustentabilidade, de frugalidade ou de portugalidade.

Para as empresas e para as marcas, este será um ano absolutamente crítico, mas também decisivo. Um ano em que apenas os mais fortes terão condições de superar os muitos obstáculos que surgirão no seu percurso. Um ano em que as marcas não poderão – nunca – esquecer aquilo que são: marcas. Distintivas, sustentáveis e diferenciadoras. Marcas reputadas e influentes, transparentes e empáticas, inspiracionais e aspiracionais. Marcas inclusivas, solidárias e mobilizadoras. Marcas inovadoras e surpreendentes, mas também agregadoras de valor.

E, para isso, é preciso compreender o consumidor, mas também o ser humano, gerir com equilíbrio e sem ambiguidades toda a estratégia de produtos, preços e promoções, manter um investimento robusto e consistente a nível de marca, acertando no tom e no teor das mensagens e não esquecendo que as pessoas estão a enfrentar muitas pressões e precisam, mais ainda neste período, de algum alívio e da sensação de que, no fundo do túnel, há uma luz que se acende. Assim, uma comunicação de sucesso deve mexer com as nossas emoções, envolvendo honestidade, otimismo e, claro, algum humor, ferramenta criativa sempre importante.

Não podemos escapar da complexidade e dos desafios deste novo ano, mas podemos, pelo menos, tentar inverter alguns dos seus piores prognósticos, limitando impactos, conquistando eficiências, inovando e desenvolvendo novas soluções e estratégias que mantenham o foco e o centro no consumidor, um consumidor em dificuldades, mas nem por isso menos atento e exigente.

Artigo de opinião assinado por Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca

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