“2023 deverá ser para o OOH em Portugal um ano de consolidação e avaliação”

Pedro Gândara, executive director da Starcom Mediavest
O M&P ouviu os responsáveis de seis das principais agências de meios a operar em Portugal sobre alguns dos temas que prometem marcar o mercado publicitário em 2023. O impacto da introdução de publicidade nas plataformas de streaming, a fragmentação da oferta e a perda de expressão dos canais free-to-air, a turbulência na medição de audiências televisivas, a transformação no out-of-home das duas principais cidades e o fim dos cookies analisados, hoje, por Pedro Gândara, executive director da Starcom.
Meios & Publicidade (M&P): A publicidade já é uma realidade no Netflix, sendo esperado que o novo modelo de subscrição com anúncios chegue ao mercado português no próximo ano. Desde 8 de dezembro, também o Disney+ abriu a porta aos anúncios, num movimento que começará nos EUA mas não tardará a chegar aos restantes mercados onde a plataforma está presente. Qual poderá ser o impacto da introdução de publicidade nas plataformas de streaming no investimento publicitário em televisão no mercado português?
Pedro Gândara (PG): É crescente a velocidade com que adoptamos novas plataformas, sejam elas de streaming, novas redes sociais ou novos canais de televisão, estando a mesma dependente do custo de adesão, da popularidade, da relevância (temporária ou não) ou da qualidade dos conteúdos que nos permitem usufruir. Esta velocidade não encontra paralelo na forma como evolui a estrutura do investimento publicitário, que ancora em certezas de retorno e que é feito, na sua maioria, para grandes massas heterogéneas. Razões pelas quais a televisão continua a merecer a maioria do investimento publicitário em Portugal. A já substancial penetração que a Netflix apresenta (cerca de 57 por cento de acordo com GWI), e com uma demografia de utilizadores que está maioritariamente entre os 15 e os 44 anos, faixas etárias que apresentam um cada vez menor consumo de televisão linear, poderão fazer desta plataforma um complemento à presença publicitária em televisão. Contudo, será necessário avaliar o custo dessa mesma presença para as marcas, o impacto que a introdução de publicidade terá na estrutura de assinantes da Netflix e o inventário que finalmente a plataforma conseguirá disponibilizar. Portugal não fará parte da lista de países onde a introdução de publicidade na Netflix se fará já em 2023 (eventualmente no final do ano) pelo que teremos tempo para avaliar o comportamento dos consumidores e marcas nos países onde isso será já uma realidade no início do próximo ano.
M&P: A perda de quota dos canais free-to-air, que tem sido uma constante à medida que a oferta de televisão se vem tornando cada vez mais fragmentada, intensificou-se em 2022. Isto numa altura em que a multiplicação da oferta OTT não dá tréguas já que o número de plataformas ao dispor do consumidor português, apesar de ser já significativo, continua a crescer, sendo disso exemplo a chegada recente da plataforma SkyShowtime a Portugal. Como vê este alargamento continuado da oferta de conteúdos televisivos e como antecipa que irá evoluir o consumo de televisão free-to-air neste contexto? Os canais generalistas estão condenados a perder expressão em 2023?
PG: Os canais generalistas apresentam soluções de volume, com conteúdos vocacionados para a grande maioria da população, e que continuam a merecer a escolha de um vasto conjunto. Contudo, seja por via de novos canais temáticos, seja pelo crescimento da oferta OTT, seja pelo aparecimento de novas redes sociais, a dispersão da forma como consumimos conteúdos é uma realidade, e as soluções generalistas veem diminuída a sua base de consumidores. É, pois, normal que os canais FTA assistam a uma diminuição das suas audiências, que é mais acentuada quanto mais jovem a população em análise, mas que será de alguma forma transversal. Tendência que deverá ter continuidade nos próximos anos.
M&P: Um dos acontecimentos que marca o ano de 2022 ao nível do mercado publicitário prende-se com as buscas realizadas na GfK devido a uma denúncia de adulteração das audiências. Independentemente das conclusões a que a investigação em curso possa chegar, as suspeitas levantadas podem ser um espinho na credibilidade do sistema de medição de audiências? O que será necessário para apaziguar agências de meios e anunciantes e quais poderão ser as consequências de uma potencial quebra de confiança ao nível da distribuição do investimento publicitário em televisão?
PG: Até que haja conclusões da investigação, continuamos a confiar no sistema de medição de audiência vigente e não temos qualquer comentário sobre esta questão.
M&P: No setor out-of-home (OOH), 2023 promete ser um ano de grande transformação na oferta de publicidade exterior nos dois principais centros urbanos. A resolução dos concursos para as concessões de Lisboa e Porto, além de trazer novos players à publicidade exterior das maiores cidades do país, está a impulsionar a renovação dos suportes, acentuando a progressiva digitalização das redes. Como espera que a oferta de publicidade exterior venha a evoluir no próximo ano em consequência deste processo de renovação e que impacto antecipa que esta transformação poderá representar ao nível do investimento publicitário no setor?
PG: O ano de 2023 deverá ser para o OOH em Portugal um ano de consolidação e avaliação. Consolidação do novo equilíbrio entre os diversos players que resultou dos concursos de Lisboa e do Porto e que deverá ter novos capítulos à medida que a digitalização de mais cidades acontece. Consolidação das novas ofertas, quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista financeiro, sendo expectáveis alterações significativas em ambos os aspetos. Consolidação da oferta digital, da sua extensão, do seu modelo de comercialização, integrado nas redes de papel, modelo tradicional de custo por face ou evoluindo para a compra programática. Da consolidação da aceitação e utilização do novo modelo de medição, que permitirá credibilizar a entrega da oferta de exterior em Portugal. E de avaliação, por parte das marcas, da nova realidade e da sua nova relação custo/benefício, e da forma como o exterior poderá fazer parte das suas ações de comunicação. Até ao momento, a avaliação que fazemos junto das marcas com quem trabalhamos é de que existe uma manutenção das intenções de investimento em exterior. A sua concretização dependerá da forma e da velocidade com que a consolidação acontecer.
M&P: No digital, 2023 traz o anunciado fim dos cookies, tornando a first party data cada vez mais determinante para a estratégia das marcas e para as próprias agências de meios. De que forma antevê que o fim dos cookies irá refletir-se ao nível do investimento publicitário das marcas no digital, por um lado, e, por outro lado, naquilo que será o investimento das próprias agências de meios no sentido de criar ferramentas e fazer evoluir a sua oferta de negócio para dar resposta às novas necessidades dos anunciantes?
PG: Muitas das vantagens que atribuímos hoje à comunicação digital têm por base os cookies. A personalização das ofertas e das experiências, a capacidade de segmentação e “targetização”, a possibilidade de otimização e medição das campanhas. Todas dependem da existência de cookies. Uma menor possibilidade de segmentação e de controlo tornará menos atrativa para as marcas a comunicação em digital, com impacto junto dos publishers, que tenderão a privilegiar modelos de negócio baseados em subscrição, ao invés de modelos baseados em publicidade, tornando a web menos acessível.
A comunicação digital com escala passará apenas pelos “walled gardens”, com capacidade para usar a sua própria data, dentro dos seus muros. Desta forma, marcas e agências, pretendendo continuar a comunicar junto de audiências relevantes, terão de optar por criar as suas próprias infraestruturas de first party data e/ou estabelecer parcerias junto de publishers e de outros parceiros para a utilização da sua data, que lhes permitam enriquecer as suas bases de dados e perfis. Hipóteses que poderão ser complementadas com a maximização do uso dos contextos como forma de segmentação. A evolução terá de passar também pela forma como marcas e agências abordam a medição dos resultados em digital e avaliam o sucesso das suas campanhas. Pelo que se prevê um 2023 de muito trabalho de preparação para o fim da era do cookies.