Por que estamos surpreendidos com Elon Musk?

Por a 6 de Dezembro de 2022

João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa

Se a notoriedade do NASDAQ é muito elevada, poucos saberão que foi lançado em 1971 e que se diferenciava porque todas as transações se efetuavam eletronicamente, em vez da tradicional sala de mercado em que os traders trocam ordens de compra e venda fisicamente.

É hoje o segundo maior “stock exchange”, apenas atrás da Bolsa de Nova Iorque, o NYSE, mas para se afirmar teve que, ironicamente, ganhar aspetos físicos. Embora tivesse atraído títulos como a Apple e a Microsoft, em 1995, algumas destas icónicas empresas ameaçaram abandonar o NASDAQ porque a falta de acompanhamento dos “media” não lhes dava a mesma notoriedade mediática e, por isso, a mesma atenção dos investidores. Sem um “trading floor” e uma abertura com campainha e sem empresas de media fisicamente residentes, estava em clara desvantagem. Apesar de se manter um mercado eletrónico, lançou, em 2000, uma presença física numa das esquinas de Times Square em Nova Iorque, com os impressionantes ecrãs para o exterior, um estúdio de televisão e até uma cerimónia de abertura com campainha.

A necessidade de adaptação do NASDAQ à realidade do negócio, mesmo quando menos sofisticado, é um exemplo de que a inovação nos traz entusiasmo e capta investidores mas, nos momentos de arrefecimento, todos anseiam pela segurança dos modelos já comprovados.

A evolução do índice do NASDAQ, que cresceu mais de cinco vezes entre 1995 e 2000, e que após o crash dot-com perdeu quase 80 por cento do seu valor, é também outro exemplo em que a atração da “nova economia” levou a uma onda de entusiasmo especulativo que veio a ser amparada pelos básicos tradicionais. Se, nos finais dos anos 90, qualquer site com milhões de pageviews poderia valer milhões em bolsa, mesmo sem um modelo de negócio visível em receitas, após o crash, aqueles que conseguiram juntar as duas coisas vingaram. Para ter um IPO (lançamento em bolsa) passou a ser necessário ter um modelo de negócio e uma equipa de gestão credíveis.

A Google é talvez o melhor exemplo, contratando, logo em 2001, Eric Schmidt para CEO, que a leva ao IPO em 2004. Gerida desde muito cedo por uma equipa de gestão mais tradicional, a Google sempre geriu melhor a sua relação com o mercado, os seus users, os seus parceiros de negócio e os reguladores. Se compararmos com outras em que os fundadores se mantiveram na liderança a diferença é expressiva.

E é nesta aparente contradição que deveremos reparar para tentar interpretar os acontecimentos mais recentes entre as big techs. Todas estas empresas nasceram com um propósito de responder bem a uma necessidade ou oportunidade e com a convicção de que se o fizessem com êxito, medido em dimensão atingida, o modelo de negócio apareceria. A célebre frase de Eric Schmidt de que “free is better than cheap” ilustra na perfeição esta abordagem.

Mas esta abordagem pressupõe dois momentos. O primeiro, de enorme entusiasmo e popularidade, em que um serviço útil é gratuito e em que a user experience é protegida ao limite, e um segundo em que se tem que transformar todo esse potencial em negócio, porque os investidores que acorreram ao IPO ou que se foram juntando exigem que a cotação da ação continue em crescimento. E, ironia das ironias, também o talento atraído por estas empresas é um misto da vontade de participar na criação de um serviço que vem melhorar o mundo com a compensação financeira associada a stock options. Quando a ação deixa de valorizar não são só os investidores que se sentem desiludidos mas também o talento humano que catapultava o projeto.

Sendo difícil de interpretar a necessidade das medidas anunciadas por Elon Musk, é certo que o Twitter terá que gerar maiores receitas e ter um maior controlo nos custos. Se o brilhantismo que Elon Musk demonstrou noutras companhias como a Tesla e a SpaceX será importável para o Twitter, só o futuro nos dirá. Mas há traços na gestão das suas anteriores empresas que não são uma novidade quando os vemos agora no Twitter. O que muda, e muito, é a visibilidade do que acontece a gerir equipas em fábricas ou a gerir colaboradores de uma rede social.

Neste momento em que o Twitter está no centro das atenções, muitos outros, e que ainda se mantêm bastante lucrativos, estão a fazer imensos cortes de pessoal, como a Meta, a Salesforce, o Shopify, a Microsoft e a própria Tesla, que também o fez já este ano.

A contradição entre o sonho inspirador inicial e a realidade que o negócio nos impõe, é a mesma contradição que todos enfrentamos. Enquanto users preferimos não pagar por algo a que damos valor, e enquanto investidores todos quererão retorno pelo investimento que realizam mesmo quando o fazem em projetos que os inspiram. As situações podem ser inovadoras mas o regresso aos básicos é, muitas vezes, a forma de prosperar.

Artigo de opinião assinado por João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa

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