No rescaldo do Web Summit 22

Por a 17 de Novembro de 2022

Miguel Serrão, digital director da Havas Media Portugal 

Uma vez mais estive no Web Summit e continuo a acreditar que vale a pena ir todos os anos, embora a riqueza da experiência dependa de um bom planeamento das sessões a assistir. Deixo aqui o resumo do que, na minha opinião, teve mais “sumo” das várias sessões das diferentes conferências a que assisti.

Este ano, já “depois do covid”, serviu para consolidar o que afinal este lockdown ajudou na evolução do digital e de onde partimos para os próximos anos. Em pleno confinamento foi comum ver marcas a multiplicaram por cinco, e até mais, o peso do seu e-commerce, embora houvesse quem dissesse que este aumento seria apenas temporário. A verdade é que números à escala mundial revelam que o e-commerce mundial passou de 10% antes do covid, para os atuais 20%. Os dados que temos de Portugal revelam o mesmo, que hoje a grande generalidade dos retalhistas multichannel, pelo menos registam atualmente o dobro do peso das vendas e-commerce que tinham antes do covid e com tendência gradual de crescimento.

Estes números também revelam que os consumidores continuam a preferir a venda física e por isso é imperativo a unificação da experiência em qualquer touchpoint, porque o consumidor é cada vez mais híbrido (multichannel) e já não tolera que as marcas tenham visões diferentes de si, conforme o canal de interação que este escolha.

Mas temos um consumidor diferente, devido a impactos financeiros do covid e da guerra, menos fiel, com mais vontade de descobrir e testar novas marcas (mesmo que esteja satisfeito com as suas habituais). Devido a isso, as marcas estão a focar-se em mais análises e metas de negócio (e não smiles, likes e engagement) para manterem clientes e para as marcas novas esta é a oportunidade de serem comparadas com as já estabelecidas. Havendo menos fidelização, as marcas voltam a um ciclo constante de angariação de novos clientes.

Assim, as marcas têm de investir em plataformas e processos que lhes permitam, de forma automatizada, montar propostas de valor para cada cliente. É uma nova época de hiperpersonalização, tanto na angariação de novos consumidores, como na recompra, pois os clientes premeiam as marcas que têm soluções especificas para si.

Para as marcas conseguirem fazer melhor marketing e retirarem insights têm que usar mais e melhor os dados dos clientes, mas a forma como as marcas usam os dados tem de ser transparente e com o consentimento explicito dos mesmos, pois as fórmulas do passado não são mais toleradas.

Assim, tem de haver melhor measurement e uma fonte única de verdade, apostando em ferramentas mais holísticas que meçam e valorizem todas as interações dos utilizadores com as marcas (e não só as ferramentas dos próprios canais de compra de media). As marcas passam a ser mais rigorosas nas suas análises e decisões mais data-driven (deixando “feelings” e “vaidades” fora das suas decisões). Fazendo um “follow the money” analisam quais os canais que trazem melhores resultados, com modelos de atribuição full-funnel medindo objetivos de construção de marca e performance.

Mais do que se falar em redes sociais (que cada vez mais são encaradas como canais de media paga), falou-se bastante em comunidade. As marcas mais meaningful evitam o monólogo e de forma humilde encorajam a sua comunidade (constituída também por não clientes) a opinar sobre todos os aspetos da marca, incluindo erros cometidos, e da oferta que a marca pode vir a dar. Para quem seja mais cético do porquê e do valor da comunidade de uma marca ter não clientes e porque os devemos ouvir, prende-se com o facto de serem estes que dão às marcas de forma clara os inputs do que falta a marca fazer para que mais pessoas sejam recetivas à mesma. O negócio também cresce com novas franjas de audiências que antes não estavam a ser endereçadas.

Em 2021, falou-se muito de como o Metaverso ia evoluir e agora, um ano depois, neste Web Summit cresce o ceticismo e a certeza de que os clientes gostam do mundo offline, de conviver, de interagir fisicamente com as marcas e que as experiências mais ricas são offline. Ouviram-se várias constatações como: “É giro ter uns ténis da Nike no Metaverso, mas as pessoas querem é calçar uns ténis e ir correr nos eventos da Redbull, com mais engagement para as marcas do que likes ou smiles”.

Também a empresa Meta (Facebook) resfriou as expectativas de curto prazo e diz que os desenvolvimentos de produto para Metaverso são durante pelos menos uma década. O mercado tem penalizado a empresa que desde que alterou a marca e foco tem tido grande desvalorização bolsista. Os novos anunciados despedimentos tentam mostrar ao mercado mais rigor e assertividade. Sempre achei que era mais uma bolha, vamos ver o que o futuro nos trará…

Em termos de canais de media paga, o maior crescimento foi do TikTok, mas a hegemonia continua a ser do duopólio Google e Facebook. O único canal que se acredita que pode vir a retirar investimento aos gigantes poderá ser o retail media, com investimento direto de publicidade dos produtores e marcas em marketplaces, como a Amazon, e em sites de retalhistas onde à distância de um click, um banner se pode transformar numa venda efetiva.

Maior evolução este ano para AI (Artificial Intelligence) e ML (Machine Learning) com várias provas dadas em várias áreas com casos concretos de eficiência e capacidade de previsão, algumas demonstradas numa MasterClass, em que participei, patrocinada pela Shell. Foi referido que “o CMO do futuro/presente já não aceita apenas análises históricas, mas exige antecipar o que vai acontecer para que possa alterar a estratégia em tempo real trabalhando sempre com modelos probabilísticos e preditivos”. A tendência é que mais marcas comecem a investir neste tipo de ferramentas de apoio à decisão.

A individualidade mais falada nas sessões em que estive, embora também referido, não foi o Elon Musk e a sua compra do Twitter, pois o mundo aguarda expectante o arrumar de casa (ou não) mas que ficará para outras conferências, mas sim George Floyd. Foi referido várias vezes que o assassinato de George Floyd e os movimentos que se seguiram (Blacks Lives Matter e outros), viraram uma página sem precedentes, essencialmente nas empresas dos EUA e multinacionais, da importância de se dar visibilidade e oportunidades às minorias, não só promover a diversidade de cor de pele, mas de género, de opções sexuais, de nacionalidade, etc criando-se quotas mínimas de recrutamento para garantir que as equipas e empresas se tornam multiculturais.

Na minha opinião ouvi declarações um pouco extremistas (a la Americana, que é 8 ou 80) que se deve optar pela diversidade, mais do que qualquer outro fator de seleção de candidatos, que me fazem pouco sentido em organizações meritocráticas em que tenho trabalhado, mas será obviamente um caminho para organizações menos evoluídas em termos de igualdades de oportunidades e as regras/quotas ajudam nesta evolução e é assim expectável que seja uma guideline de recrutamento nos próximos anos.

Por outro lado, as relações laborais pós-covid criaram novos modelos mais flexíveis, com muito trabalho remoto contando também com mais nómadas digitais e freelancers que trabalham em projetos de que gostam, em que mais do que trabalhar para determinada empresa, valorizam o trabalho em equipa para uma missão conjunta. Assim as empresas têm um novo desafio para recrutar e manter talento tendo que dar propósito às funções e tarefas, mais do que a segurança de um emprego estável.

Em resumo, neste Web Summit 2022 houve grandes novidades e insights que nunca tínhamos ouvido em Portugal? Muito poucos, apenas mais uma confirmação de que temos um mercado informado, que o que temos proposto está em linha com o resto do mundo e com agências preparadas para ajudar e implementar estas novas estratégias nos players locais e continuar a desenvolver marcas meaningful para os consumidores e só assim conseguiremos trazer retorno financeiro para as nossas marcas clientes.

Artigo de opinião assinado por Miguel Serrão, digital director da Havas Media Portugal 

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