Uma mulher na lua, o que farão as crianças na escola e por que as universidades deviam estar no centro da inovação

Por a 12 de Setembro de 2022

Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

Talvez muitos se venham a centrar nos 280 mil milhões de dólares do extenso programa norte-americano CHIPS e no Science Act, ambos em vias de passarem no Congresso e verem a luz do dia já nestes próximos anos. Se o primeiro tem chamado muitas atenções em redor do tema popular de uma América que volta a ter no país fábricas de semicondutores ao invés da expansão e externalização ocorrida para a Ásia nas últimas décadas, deve chamar a atenção que, dos 280 mil milhões, apenas aqui incidem 52 mil milhões, sendo bem mais alocado ao plano de ciência e cibersegurança com 81 mil milhões. Porque é que isto importa?

Todos temos acompanhado a aventura da Artemis I pela NASA, em prol de em 2025 podermos ter dois astronautas novamente a pisar a Lua, com a primeira mulher e a primeira pessoa de cor. Mas muitos desconhecem que este empreendimento se enquadra dentro de um plano maior, o acima descrito Science Act, que a par disso visa um investimento igualmente extraordinário nas escolas para dotar todas as crianças e jovens, desde a pré-primária até ao 12.º ano, em redor de uma literacia e desenvolvimento de competências na Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática (STEAM). O objetivo é prático: preparar as gerações para chegarem ao mercado de trabalho capazes de operar e dar resposta à procura de mão de obra especializada que emergirá das indústrias qualificadas.

Ou seja, se pelo lado do CHIPS Act se visa estimular o investimento privado de empresas em localizar a produção de indústrias altamente tecnológicas no país, bem como modernizar as suas operações ou simplesmente dar-lhes capacidade de as aumentar, do outro lado o Science Act visa fazer coincidir esse investimento das empresas com a capacidade de lhes dar resposta com mão de obra à altura, para que as empresas não fiquem vazias de talento e de repente com cadeiras por preencher com as competências necessárias.

Mas não fica por aqui. O programa coloca a Fundação Nacional para a Ciência no cerne da operação, de onde não se exclui, mas antes se reforça, a importância em todo o plano das universidades. São 16 mil milhões dedicados em exclusivo ao estímulo da inovação nas próprias. O que volta a reforçar um papel tremendo destas na inovação e na economia nacionais, em grande parte voltadas para o mercado do investimento privado e não apenas ao setor público.

Encontramos naturalmente iguais preocupações no PRR, com foco na transição digital das empresas e na formação dos seus quadros, bem como com as escolas. Mas nestas, o foco, mais do que na transformação da orientação do ensino (temáticas e competências), está na tecnologia ‘per se’: “integração das tecnologias digitais no sistema de ensino básico e secundário com a utilização de recursos digitais nas salas de aula, a digitalização de conteúdos pedagógicos e a criação de laboratórios com tecnologias educativas”. Tirando este último ponto, os demais visam dotar o sistema de equipamentos, processos, tecnologias. Não é uma refundação da educação para um mundo que já mudou em termos de competências.

Aliás, não deixa de ser paradigmático ver no Science Act como as artes se misturam e ficam como um dos cinco eixos centrais enquanto por cá ainda as ouvimos na cultura popular como sendo algo “à parte”, só ao jeito dos artistas e não dos médicos, dos engenheiros ou dos matemáticos. Basta darmos um pulo ao norte europeu e vermos como desde há décadas o desenho e as artes manuais permanecem no dia a dia das escolas desde tenra idade, como aliás provocadoramente sublinhado esse repto no popular livro de Victor Papanek Arquitetura e Design.

Não deixa de ser um esforço necessário, o que se insere no nosso plano para os anos vindouros. Mas devia-nos fazer pensar o excesso de distribuição de investimento para o setor público e com muito menor estímulo ao empreendedorismo privado. E acima disso, sobretudo, a reorientação da formação escolar com forte pendor pedagógico em competências voltadas para o mercado e para o futuro.

Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

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