O fim da nossa ideia de História

Por a 22 de Setembro de 2022

Vítor Cunha, administrador da JLM&A

Quase não conheço portugueses que tenham passado por uma guerra. Em território continental – descontando as violências da primeira república, as atrocidades cobardes do salazarismo e uns desacatos revolucionários depois de abril 1974, seguidos da matança das FP-25 de Abril –, o país vive em paz mansa e respeitosa desde meados do século XIX, quando se discutiu ferozmente o fim do antigo mundo entre miguelistas e liberais.

Agora mal sabemos o que é morrer pela Pátria. Não quero relativizar o contributo português na I Grande Guerra ou o esforço de muitos milhares de combatentes nas antigas colónias, mas, mais do que sangue nas ruas, naqueles tempos viveu-se muita pobreza e fome, racionamentos, emigração, analfabetismo.

Orgulhámo-nos muito da estabilidade das nossas fronteiras. Na verdade, essa “estabilidade” é mais resultado do isolamento geográfico, de contingências naturais, do que de um esforço racional e de um sentido nacional profundo, apesar da Igreja e da língua. Pelo contrário: fomos sempre dados a barbarismos e mantemos uma certa admiração pacóvia pelo “que vem de fora” – mas isto só quando imaginamos que aquilo que vem de fora é melhor do que aquilo que há cá dentro. Por isso mesmo é que acariciamos o dinheiro dos chineses dourados, mas tratamos mal os imigrantes indianos. É natural: ninguém gosta da indigência.

A vocação universalista do português tem, pois, muito mais a ver com questões práticas, contas para pagar e algum horror à miséria total do que com um ideal do homo lusitanus. Outra coisa não podia ser.

A mansidão portuguesa, a falta de hábito de confronto, a sonolência causada pela mediocridade e uma certa preguiça crónica deixam-nos na posição ideal para sermos apanhados na ratoeira da alegre limitação dos direitos em nome dos grandes valores da Humanidade.

Dissimulada, lenta, pegajosa, mentirosa: é assim que se apresenta e cresce a ameaça em curso à democracia liberal. Eles atiram-nos falinhas mansas, dizem estar a velar por nós e pelo nosso futuro; querem proteger-nos do mal, das doenças, das pandemias, das doenças pulmonares causadas pelo tabaco e da cárie causada pelas bolas de Berlim, e por aí adiante. Na palavra deles está sempre em primeiro lugar o superior interesse do coletivo, da ordem burguesa, entre outros interessezinhos privados e públicos.

Incrédulos como somos – mansos – lá vamos aceitando tudo porque somos preguiçosos e não estamos habituados a lutar porque vivemos adormecidos e apedeutas.

Crise, guerra, pandemia: é a trilogia do mal a conspirar contra o nosso destino. Junte-se a isto, de forma mais dramática, a questão energética e a ameaça climática. Difícil encontrar terreno mais bem preparado para germinarem orquídeas fascistas e comunistas, loucos e ditadores, verdadeiros agentes do retrocesso civilizacional que julgávamos ganho, mas que nunca está ganho, como bem tem demonstrado a História.

Entregar o planeta neste estado às próximas gerações será trágico e revela pouco mérito, visão e sentido da responsabilidade.

As décadas da abundância e do ilimitado estão a acabar e os demónios a regressar. A tentação pelo demo é forte e mais forte será se não houver quem, com coragem, esteja disponível para transformar a defesa da liberdade e da democracia na sua causa essencial e de vida.

Artigo de opinião assinado por Vítor Cunha, administrador da JLM & Associados

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