Netflix, um exemplo de adaptação

João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa
Quando, em agosto de 1997, Marc Randolph e Reed Hastings fundaram a Netflix, iniciaram uma das melhores histórias de adaptação na vida de uma empresa. Conta-se, com o romantismo que habitualmente se adiciona aos casos de sucesso, que Hastings, o atual CEO, decidiu fundar a Netflix depois de pagar 40 dólares de multa numa loja Blockbuster por se atrasar na entrega do filme Apollo 13. Interessa pouco se esta história é fidedigna, porque interessa mais olhar para a capacidade de adaptação que a Netflix teve desde o seu início, e a forma como foi solucionando os desafios que foi enfrentando.
A empresa, que hoje vale 100 billion dollars e que tem mais de 220 milhões de subscritores em quase todo o planeta, soube introduzir ao longo de 25 anos imensas alterações ao seu modelo de negócio. A ideia inicial era alugar filmes enviados por correio em cassetes VHS. Por felicidade, os DVD já tinham sido lançados com os primeiros filmes em dezembro de 1996, o que proporcionou portes mais baixos e menores riscos de danificação. Em 1998 é lançado o site Netflix.com como o primeiro site de aluguer de e venda de filmes em DVD, com 925 filmes em catálogo, quase todos os títulos à época disponíveis nesse formato. A inspiração na Amazon nunca foi escondida e até esteve perto uma venda da empresa a Jeff Bezos por cerca de 15 milhões de dólares nesses primeiros tempos.
É em setembro de 1999 que a Netflix inova com o lançamento da uma subscrição mensal, sem limites de filmes vistos por mês, sem portes e sem multas. Menos de um ano depois a empresa abandona o aluguer e foca-se 100 por cento na subscrição. Nesse mesmo ano, em setembro de 2000, e quando enfrentavam perdas, ainda sem o suficiente número de subscritores para fazer face ao custo dos direitos, Hastings e Randolph tentam uma venda à Blockbuster por 50 milhões de dólares. A recusa da Blockbuster alimenta o mito de que foi a Netflix que a veio a derrotar. No entanto, a Blockbuster chegou a iniciar um modelo de aluguer através do site que beneficiava da proximidade das lojas físicas e chegou a alcançar dois milhões de clientes. Mas a dívida da Blockbuster não permitiu que o promissor arranque dos alugueres online fosse suficiente.
A Netflix tornou-se pública em maio de 2002, esperando a acalmia dos mercados após o crash dotcom, e chegou aos resultados positivos pela primeira vez no ano seguinte. A partir daí foi sempre a crescer mas cedo percebeu que a internet lhe deveria permitir mais do que cobrar subscrições e gerir encomendas, focando-se no desenvolvimento de uma box que permitisse descarregar os filmes durante a noite para os ver no dia seguinte. No entanto, e mostrando mais uma vez imensa rapidez de adaptação, deixou cair o projeto a favor do streaming que lançou em Janeiro de 2007, embora com apenas mil títulos face os mais de 70 mil que tinha em DVD. Um ano depois, todos os subscritores ficavam com a possibilidade de usar sem limites o serviço de streaming, não pagando mais do que pagavam pela subscrição dos DVD.
Desde então a empresa é um exemplo de opções acertadas nos timings corretos, desde a aposta do streaming nas TV com ligação à internet, negociando com os fabricantes botões de acesso ao serviço nos seus telecomandos, como na opção de produção de conteúdo próprio com House of Cards em 2013 e na promoção do binge watching possibilitado pelo lançamento de uma série com todos os episódios disponíveis desde o primeiro momento.
Enfrentando em 2022 a primeira quebra de subscritores em dois trimestres sucessivos, a Netflix está mais uma vez desafiada a adaptar-se. Já anunciou que vai limitar cada subscritor a até três residências, sempre focada em ter uma generosa oferta base, e que vai introduzir publicidade para ter em paralelo com o preçário atual, subscrições mais acessíveis com publicidade.
Depois da escolha pela parceria com a Microsoft, que se entende por não ser um concorrente como seria a Google ou outros potenciais parceiros, e por ter capacidades tecnológicas afirmadas pelas aquisição da Appnexus, atual Xandr, há imensa curiosidade sobre o que se seguirá.
Que a compra será exclusivamente programática será fácil de prognosticar, já como se vai diferenciar, fica mais arriscado de prever. Uma coisa parece certa. A Netflix sempre soube escolher a abordagem em que tinha vantagem competitiva pelo que não se espera que a escolha seja por um modelo igual aos que existem, com a riqueza da sua data em competição com a data da Google e da Meta.
Os mercados fazem-se de equilíbrios e faz falta um grande player a recordar a importância do contexto para as marcas.
Artigo de opinião assinado por João Paulo Luz, diretor de negócios digitais e publishing da Impresa