O elevador parou no r/c

Por a 4 de Julho de 2022

Vítor Cunha, administrador da JLM&A

O elevador do meu prédio voltou a avariar. E não há mês em que não avarie e pare. Normalmente nenhum dos habitantes se dá ao trabalho de ligar para a assistência técnica para que ele volte a subir e a descer, o que diz alguma coisa sobre o nosso sentido de comunidade. Nesse prédio vivem um sindicato, três famílias e um grupo de empresas cheias de jovens. A fração em que funcionam as empresas onde trabalham os jovens é detida por um investidor chinês que veio cá ao abrigo de um programa de atração de talentos e dinheiros chamado visto gold – gold de dourado – e nunca mais voltou.

Jovens, elevadores avariados, sindicatos, famílias e um investidor chinês: eis um certo Portugal em 2022.
O elevador social do país está como o do meu prédio: sempre a precisar de assistência, porque avariou e não há maneira de o pôr a subir com regularidade e constância.

“Segundo os dados relativos aos rendimentos de 2020, em Portugal, 11,2 por cento dos adultos que trabalhavam estavam em risco de pobreza. Isso num país que tem uma das maiores proporções da União Europeia de longas horas de trabalho (mais de 48 horas semanais)”, dizia o JN há umas semanas. Os números, como é habitual nos números, não mentem.

Em 2020 havia 1.896.733 pessoas em situação de pobreza, mais 231 mil do que no ano anterior.
Em março deste ano 762.320 agregados familiares que beneficiam da chamada tarifa social de energia receberam um cheque do Estado, de 60 euros, e no final de maio mais 280 mil agregados tiveram o mesmo valor. Ou seja, há 1 milhão e 42 mil famílias que se encontram a receber da Segurança Social um dos seguintes apoios:
• Complemento solidário para idosos;
• Rendimento social de inserção;
• Prestações de desemprego;
• Abono de família;
• Pensão social de invalidez do regime especial de proteção na invalidez ou do complemento da prestação social para a inclusão;
• Pensão social de velhice.

Mesmo que não receba qualquer prestação social pode beneficiar desta tarifa social se o rendimento total anual do seu agregado familiar for igual ou inferior a 5.808 euros, acrescido de 50 por cento por cada elemento do agregado familiar, incluindo o próprio (até ao máximo de 10), que não tenha qualquer rendimento (fonte DGEG.pt).

Um país que se imagina decente não devia ter 18 por cento da população a viver na pobreza. É inaceitável e é imperdoável que as lideranças (dos partidos, sindicatos, empresas, associações recreativas e de moradores) não se indignem com isto e, acima de tudo, façam alguma coisa para pôr o elevador a trabalhar.

Ninguém nasce condenado a ser pobre, a não poder ir à escola ou a não ter trabalho e rendimento dignos. O Estado social existe para equilibrar, mas em Portugal tem falhado, desde logo porque os governos falham (mas não falham do lado da arrecadação fiscal).

Também não existe neste pobre país um líder ou um partido que faça da mobilidade social a sua causa e obra. Ou estamos destinados à pobreza ou à tibieza (ou pior). O Estado distribui migalhas – e mostra orgulho – mas nada muda porque ninguém quer que mude porque a mudança é perigosa e ameaça quem quer que nada se faça: Portugal continua minado por forças ultraconservadoras que subsistem com a pobreza dos outros.

No meu prédio os tais jovens sobem cinco andares a pé várias vezes ao dia porque o elevador não funciona: para pagarem a renda a um chinês ignoto, para pagarem a velhice dos mais velhos e a escola dos mais pequenos. Esses pagadores de impostos profissionais um dia cansam de tanto degrau e vão pagar a renda a um francês ou um inglês.
Em 2021 as receitas fiscais e contribuições obrigatórias representaram 37,9 por cento em percentagem do PIB, a maior carga fiscal da nossa história. Em 1995 foi 31,2 por cento. A demografia e a demagogia vão agravar o problema. Cada vez mais compensa menos trabalhar, cada vez mais há menos esperança de que o elevador funcione e nos leve à penthouse com vista, piscina e martinis ao fim do dia, ou, se quisermos ser mais realistas, ao piso onde se possa respirar do sufoco.

Artigo de opinião assinado por Vítor Cunha, administrador da JLM&Associados

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