O direito de ser bem-informado
Desinformação e fake news são dois termos populares do início desta década. Ganharam força a partir das eleições americanas de 2016 e espalharam-se por outros países. Num mundo cada vez mais conectado e com milhares de conteúdos expostos a todos na internet todos os dias, a preocupação com a qualidade e a veracidade desses conteúdos ganhou uma maior discussão. Mas, afinal, todo o cidadão tem o direito de ser bem-informado?
Se as discussões sobre a desinformação partem do princípio de que todo o cidadão tem direito a aceder ao jornalismo, que todo o cidadão deve ter acesso às notícias da comunidade onde reside, então uma parcela da população portuguesa está desassistida deste direito. Há comunidades em Portugal que até podem saber o que acontece em Lisboa e no mundo pela televisão, mas estão sem acesso ao noticiário local, pois os seus concelhos estão no chamado deserto de notícias.
Trata-se de um fenómeno ligado à crise do jornalismo que afeta principalmente pequenas comunidades em várias partes do mundo. As crises económicas do início deste século fizeram com que muitas empresas deixassem de anunciar em jornais. A expansão da internet trouxe novos hábitos de consumo na comunicação. As empresas passaram a preferir anunciar em grandes plataformas ao invés de jornais e os leitores passaram a ler mais pela internet, sem querer pagar por esses conteúdos.
O resultado foi o encerramento de jornais e despedimentos de jornalistas por todo o mundo. Mas nas pequenas comunidades, o problema foi ainda maior. Vilas com baixa atividade económica não conseguiram manter os seus jornais ou rádios locais abertos. Essas vilas e pequenas cidades ficaram sem meios de comunicação, isto é, sem noticiário local.
Uma investigação em 2020 apontava 57 concelhos em Portugal no chamado Deserto de Notícias, isto é, sem jornal regional, impresso ou digital, e sem rádio local com noticiário da região. Uma atualização dos dados, de setembro de 2021, elevou para 61 concelhos, quase 20% dos 308 concelhos portugueses.
Os moradores desses concelhos sabem o que acontece no país, mas, para saberem o que acontece nas suas comunidades, precisam de recorrer aos meios informais. Conversas nas ruas, redes sociais, como grupos de Facebook e WhatsApp. Um terreno fértil para a propagação da desinformação.
Em países como Estados Unidos e Brasil, redes sociais como Facebook e WhatsApp foram amplamente utilizadas para espalhar desinformação durante eleições presidenciais. Os estragos são conhecidos e o jornalismo luta hoje para enfrentar este problema. Quando não há jornalismo, o cenário é ainda pior.
Se a informação é um direito, a sociedade portuguesa precisa de ficar atenta ao crescimento do deserto de notícias no país. É preciso desenvolver políticas públicas específicas para que novos meios de comunicação sejam criados nesses concelhos. É preciso uma atenção especial ao Alentejo e Trás-os-Montes, as regiões mais afetadas.
Quanto mais longe dos grandes centros, maior é o problema.
Artigo de opinião assinado por Giovanni Ramos, investigador da Universidade da Beira Interior