Consegue gerir a sua comunidade?

Por a 22 de Abril de 2022

Ricardo Tomé, director coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

Antes de avançar na ideia deste texto, coloque os óculos de viagem, vista o fato especial, calce as luvas e as botas, encha os pulmões com o oxigénio artificial do fato mágico e visite comigo o fascinante mundo do nosso cérebro.
Notemos as suas células. Os finos filamentos de proteína que dão forma ao interior das células vivem apenas alguns minutos. E as proteínas recetoras precisam ser trocadas a cada par de dias (explica o neurobiologista Joe Tsien, da Universidade de Princeton). Ou seja, o cérebro que temos esta semana é diferente do que tínhamos na semana passada. E será certamente diferente daquele que vamos ter na próxima. Lembrando ainda que o nosso ADN precisa de ser reparado nesta contínua regeneração. Se considerarmos que “somos”, numa boa parte, um padrão de ligações sinápticas e uma rede de memórias, conseguir que tal padrão permaneça igual apesar da transformação molecular constante só é possível se considerarmos que tal ocorre num processo dinâmico, e não estático.

Aquilo que somos é uma evolução. Um filme. Não uma sequência de fotografias (bem sei que o filme é uma sequência de fotogramas, mas presumo que entenda a ideia na comparação direta) que ali ficam pasmadas longo tempo até que um dia são substituídas por outras.

Serve o enquadramento para apresentar de forma sorrateira o tema das comunidades online.
Qual movimento de placas tectónicas, as comunidades online da nossa marca, que gerimos e nas quais convivemos todos os dias, vão-se mutando. Ainda lembramos bem a grande comunidade fotográfica que era o Instagram. Aplicações cuidadas de filtros. Estética apurada. Fragmentos de um dia que mereciam a partilha. Hoje a comunidade subdivide-se em várias: algumas contas que se focam em inspiração. Outras na aprendizagem e no DIY. Outras ainda em simples informação. Muitas sobre a vida alheia. Ou sobre compras. Etc. Em fotos. Galerias. Histórias efémeras. Vídeos. Trocas de mensagens privadas.

A nossa marca cresceu dos 1.000 para os 10.000 para os 100.000. Com cada salto de seguidores percebemos, ao fim de algum tempo, que os nossos conteúdos outrora certeiros viraram errados. Demorámos semanas a perceber o que ali funcionava, mas eis que novos elementos recém-chegados à comunidade, com outros perfis de gosto, alteraram a dinâmica, rejeitando a estaticidade que tanto jeito nos dava… Nada a fazer senão voltar a testar e reaprender o que agora funciona.

Aquilo que o passado nos assegurou numa comunidade não pode ser inteiramente deixado de lado, mas devemos olhar para o que é estrutural e conseguir nesse exercício de distanciamento isolar os elementos que foram apenas parte de um contexto momentâneo (epifenómenos como aquele post viral ou o mega-passatempo irrepetível ou ainda o único vídeo incrível que fez história).

Não vamos conseguir adivinhar o que a comunidade vai ser no futuro. Nem vale a pena. Isso não tem qualquer valor. O que precisamos é de permanentemente confrontar o que nós achamos que ela é com o que efetivamente eles mostram que é.

Ignore formatos. Não interessa aqui se os vídeos são em 1:1 ou se as stories têm o filtro x. Isso são as modas passageiras que todos vestimos a cada estação. Falo das temáticas. Das crenças. Das preocupações. Dos interesses. Dos motivadores. Das causas. As comunidades unem-se por estes.

Por isso volte a verificar o seu feed de Facebook. De Instagram. De TikTok. Os últimos posts no LinkedIn e os vídeos no YouTube. A newsletter que tem enviado.

Se tudo se resume a produtos, funcionalidades, recursos técnicos, especificações… repense. Aquilo que liga fortemente são interesses comuns. É a corrida, não são os ténis. É a experiência aromática e a inebriância no palato, não são as castas do vinho nem quem o fez. São os sonhos do que vai conseguir criar amanhã, não é o processador do computador.

Comunidades fortes apoiam-se em crenças que são ‘estrutura’, tendências verificadas e sólidas que se impregnaram com o tempo na mente dos seus clientes e seguidores e que, aos olhos deles, fazem da sua marca algo “único”. As plataformas mudam. Os seus clientes (espero e assim desejo) aumentam. Novos seguidores aparecem. Essa evolução terá efeitos e procurará que afine os conteúdos. Mas tudo estará bem se a guiar a sua ativação digital estiver o propósito da marca.

Artigo de opinião assinado por Ricardo Tomé, diretor coordenador da Media Capital Digital e docente na Católica Lisbon School of Business and Economics

Deixe aqui o seu comentário